Luiz Felipe Monteiro Seixas

Em matéria regulatória, o ano de 2019 foi marcado por significativas inovações e mudanças institucionais e normativas¸ definindo pauta atual nas áreas do direito regulatório e da regulação econômica. Dentre elas, merece destaque a edição da <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/mpv/mpv881.htm">Medida Provisória 881</a>, de 30 de abril de 2019, que instituiu a “Declaração de Direitos de Liberdade Econômica”, posteriormente convertida na <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13874.htm">Lei 13.874, de 20 de setembro de 2019</a>, também conhecida como “Lei de Liberdade Econômica”.
A Lei de Liberdade Econômica, além de estabelecer diferentes normas voltadas à proteção da livre iniciativa, da livre concorrência e da atuação do Estado na economia, também inova no campo da regulação econômica, ao definir (e procurar coibir) o denominado “abuso de poder regulatório” (art. 4º e incisos) e institucionalizar a realização da Análise de Impacto Regulatório (AIR) no âmbito do Poder Executivo Federal (art. 5º)<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. Tais iniciativas acompanham recomendações de organismos internacionais, a exemplo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), relativamente às denominadas “boas práticas regulatórias”<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
A AIR em particular não é um instrumento novo, já sendo adotado pela administração pública federal em anos anteriores à edição da Lei de Liberdade Econômica, com destaque para a experiência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. A grande mudança decorrente da Lei de Liberdade Econômica corresponde ao fato de que atualmente a realização de AIR é uma exigência prévia a qualquer proposta de edição ou alteração de ato normativo de interesse geral de agentes econômicos e usuários de serviços públicos, editados por órgão ou entidade da administração pública federal. Isso inclui não apenas as tradicionais agências reguladoras, mas também demais autarquias federais, fundações públicas e órgãos que compõem a administração direta, a exemplo dos Ministérios e Secretarias.
Posteriormente à edição da Lei de Liberdade Econômica (e em atendimento ao parágrafo único do seu art. 5º), foi editado o <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/decreto/d10411.htm">Decreto 10.411, de 30 de junho de 2020</a>, regulamentando a AIR em nível federal, incluindo a definição dos seus conceitos básicos, metodologias aplicáveis, hipóteses de dispensa etc. O Decreto 10.411/2020 representa hoje o principal normativo em matéria de AIR aplicável à administração pública federal, cuja observância tornou-se obrigatória para todos os órgãos e entidades da administração direta, autárquica e fundacional desde 14 de outubro de 2021 (art. 24, inciso II).
Sob tal perspectiva, merece destaque o amplo uso de normas tributárias com finalidades regulatórias ou, conforme expressão consagrada no direito tributário brasileiro, as denominadas “normas tributárias indutoras”<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>. Os exemplos são diversos, incluindo tributos voltados a intervir sobre a economia – com referência para a tributação incidente sobre o cigarro e bebidas alcóolicas ou das diferentes Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico – ou as diferentes hipóteses de concessão de incentivos fiscais, voltados a atender objetivos como: redução de desigualdades sociorregionais, promoção do desenvolvimento econômico, tratamento favorecido de microempresas e empresas de pequeno porte, estímulo de atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação, dentre outros. Nesse sentido, compreende-se a tributação indutora como uma das diferentes estratégias regulatórias, enquadrando-se na hipótese de “regulação por incentivos”<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, posto que o Estado faz uso de determinado tributo ou incentivo fiscal com o escopo de desestimular ou estimular determinadas condutas por parte dos agentes econômicos.
Por outro lado, tendo em conta que a regulação via tributação demanda a criação de normas específicas para tanto (sejam leis ou atos de caráter infralegal, a exemplo de decretos, portarias etc.), é de se presumir que em tais casos a realização de AIR previamente à edição do ato normativo (sobretudo os de caráter infralegal) deveria ser um requisito obrigatório, em razão das prescrições contidas na Lei de Liberdade Econômica e no Decreto 10.411/2020. Exemplo disso seriam os diferentes decretos e portarias que modificam alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados ou do Imposto de Importação, que instituem regimes tributários especiais, que regulamentam incentivos fiscais para o desenvolvimento regional, dentre tantos outros casos.
Dentre as diferentes razões para a exigência de AIR em casos de regulação via tributação, merece destaque a perspectiva contemporânea de que qualquer tipo de política regulatória deve ser pautada por critérios técnicos e objetivos, de maneira que se permita identificar minimamente se uma determinada norma regulatória terá o condão de atingir as finalidades pretendidas (ou não, recaindo em hipóteses de abuso de poder regulatório, por exemplo).
Partindo dessa abordagem, sustentamos que a realização de AIR previamente à edição normas tributárias de natureza regulatória é não apenas necessário, mas obrigatório, em particular quando se tratar de atos normativos editados pelo Poder Executivo Federal, de interesse geral dos agentes econômicos. Além disso, devido às próprias particularidades ínsitas ao campo tributário, também entendemos que é possível e recomendável desenvolver modelagens específicas de AIR voltadas a avaliar a qualidade de uma determinada norma tributária regulatória<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>.
Em que pese o Brasil ainda não possuir iniciativas nesse sentido, a realização de AIR em matéria tributária não é algo novo no cenário internacional, cabendo destacar o caso da Nova Zelândia, em particular o Inland Revenue (equivalente neozelandês à Secretaria da Receita Federal do Brasil), que possui uma ampla e exitosa experiência na realização de AIR de normas de conteúdo tributário-regulatório<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>.
Nesse sentido, o ambiente institucional atual é propício e convidativo para o desenvolvimento de experiências de AIR em matéria tributária, permitindo aperfeiçoar e revisar técnicas adotadas há décadas no direito tributário nacional – com referência aos tributos regulatórios e aos incentivos fiscais – mas agora fazendo uso de ferramentas analíticas consentâneas com o novo modelo de “Estado Regulador” brasileiro e com as boas práticas regulatórias difundidas em âmbito internacional.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> A Lei nº 13.848, de 25 de junho de 2019 (“Lei das Agências Reguladoras”) também possui norma prevendo a exigência de realização de AIR para os atos normativos editados pelas agências reguladoras (art. 6º).
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Sobre o tema, cf.: OECD. The OECD Report on regulatory reform: synthesis. Paris: OECD, 1997.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Em referência ao trabalho de Luís Eduardo Schoueri: SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> BALDWIN, Robert; CAVE, Martin; LODGE, Martin. Understanding regulation: theory, strategy, and practice. 2. ed. Nova York: Oxford University Press, 2013. p. 111-114.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Uma discussão mais ampla sobre tais propostas é apresentada no seguinte trabalho: SEIXAS, Luiz Felipe Monteiro. Tributação e regulação econômica: contribuições para um modelo de Análise de Impacto Regulatório das normas tributárias indutoras. Revista de Direito Administrativo, v. 281, p. 175-206, 2022. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/86056.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Sobre o tema, cf.: SEIXAS, Luiz Felipe Monteiro. Proposta de um modelo de Análise de Impacto Regulatório da tributação indutora com base na experiência da Nova Zelândia. CADERNOS ENAP, v. 1, p. 1-87, 2022. Disponível em: https://repositorio.enap.gov.br/handle/1/7271.

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Perspectivas e possibilidades para a aplicação da Análise de Impacto Regulatório em matéria tributária

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