Carlos Melo

Em meados do primeiro semestre de 2015, o cientista político Marcus Melo afirmou que o Brasil passava por uma “tempestade perfeita”. A expressão pegou e com justificada razão foi velozmente disseminada – Marcus acertou na mosca; era uma tormenta incomum, para quem vislumbrava confusão, a conformação de tantos elementos anunciava, realmente, uma confusão perfeita; a tempestade perfeita.
Num primeiro momento, foram raios, trovões, a oscilação das marés, ventos muito fortes. Mas, vieram depois os movimentos de terra, furações, tufões, erupções vulcânicas; o diabo, no meio do redemoinho”. E o que se chamava “tempestade” assumiu ares de um estranho tsunami.
Estranho porque mesmo os tsunamis passam e este parece não ter fim. Entramos 2016 e nada é menos visível que os raios de sol, que um dia, acredita-se, ressuscitarão a primavera que até recentemente imaginávamos viver. Esse tsunami tem atingido a autoestima de todos, a credibilidade do governo, tem deteriorado as expectativas, aprofundado o abismo fiscal dos membros da Federação; arrasado a economia do país.
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O sistema político anacrônico – deserto de lideranças – teve momentos de intensa atividade. Mas, percebeu-se, ao final, está paralisado; não há força partidária ou líder unipessoal capaz de reuni-lo e unificar seus atores para juntos, conter os efeitos do tsunami. O diálogo tem sido impossível, as desinteligências são comuns; maldições pessoais e até escaramuças de rua ameaçam se tornar mais frequentes. O país vive suas depressões: econômica, social, política e psíquica.
É grande a incerteza e isto é, evidentemente, péssimo para os negócios -- por decorrência, para a atividade econômica, para a manutenção dos empregos, da renda, do bem-estar, para a autoestima. Como num labirinto, profecias as mais alucinante se realizam. Para quem lida diretamente com economia e política -- do estrito ponto de vista intelectual -- o momento é extraordinário por levantar tantas e interessantes questões.
Mas, seus custos humanos e pessoais talvez não compensem o laboratório sobre o qual escreveremos no futuro. Viver a tempestade perfeita com interesse profissional parece um ofício mórbido; uma dissecação de tumores. Os dias são assim.
Formalmente, o governo de Dilma Rousseff tenta reagir a tudo isso. Seus porta-vozes se pronunciam com vistas a acalmar a todos: estaríamos em vias de reformas, de ajustes, da retomada do crescimento; e tudo são problemas passageiros, derivados de uma crise internacional que, se é fato que existe, é também apenas parte da história, da comédia de erros que o governo escreveu com esmero profissional e habilidade de amador.
No PT, se busca a estratégia possível: negar tudo e de desvincular-se de tudo. Do governo de Dilma à torrente de escândalos, tudo para o PT se passa como se seus membros fossem personagens de outro tempo e em outro lugar. Pilatos, Pedro, Judas, Barrabás no credo.  Teorias conspirativas culpam o mundo: Dilma, a mídia, a classe média, os ricos, os altos e os baixos, menos os próprios erros.
O vigoroso partido do passado, entregou-se ao pragmatismo politico, dançou na rave alucinante do poder; consumiu energéticos em excesso e, agora, é só desalento. Fez ou deixou fazer tudo aquilo que imagina os “outros também faziam”. A ressaca é brutal. Militantes e simpatizantes de ontem se debatem hoje nessa tristeza do fracasso, na vertigem do sonho que se fez pesadelo. É triste; tem muita gente honrada sofrendo.
Mas, é inegável: parte-se para meias verdades; conspirações mais ou menos fantasiosas; demoniza-se a Justiça, o Ministério Público; imagina-se o complô. Não se compreende que o “comitê central da burguesia” não existe. Ele é, antes de tudo, crença e dinâmicas sociais. Chamem de ideologia, é mais preciso. Mas, não se pode negligenciar os próprios erros.
O fato é que, infelizmente, tudo isso – governo, PT, militância -- só produz espumas. Delfim Netto – ex-ministro que conhece a dinâmica das crises profundas --, rasgou a fantasia: “a  maioria sente que o Executivo não sabe o que fazer”. Delfim foi aliado de Dilma, de Lula, não dá para questionar sua boa vontade. Intimamente, aliados e até companheiros admitem: a presidente não é do ramo; queda-se como uma espécie de Peter Sellers, perdida e confusa muito além de seus jardins.
Aos poucos, sua determinação foi da convicção à teimosia; da teimosia à dissimulação e daí à capitulação envergonhada, por fim. Sem aparato para formular, sem humildade para assimilar, sem credibilidade para propor, sem força para impor, vai tentando sobreviver ao Tsunami que varre tudo à sua volta. É pouco, quase nada. E é improvável que retome o controle do processo; que reaja. Nesse momento, não há Cristo capaz de gritar “Dilma, levanta-te e anda”.
O país vai assim como um vazio em busca de preenchimento. No Parlamento governista ou na oposição parlamentar percebe-se igual apatia, a mesma pasmaceira. Na sociedade, muita discussão, acusações mútuas e as primeiras pancadarias na rua, mas nenhuma saída. Muito rigor com adversários, muita condescendência com os amigos – sempre dois pesos e duas medidas; maledicências, sarcasmos e o esterco revirado das questões pessoais. E nenhuma saída do labirinto.
Faltam elites? É possível que sim. Suas representações à esquerda ou direita -- no Congresso ou nos partidos – são limitadíssimas. Nulidades foram transformadas em lideranças, pop-stars do mangue em que nos metemos. Nada além. Há poucos anos, não seriam notadas. A crise cria lideranças, é certo; mas, é fato, que no primeiro momento, a crise é a própria expressão do vazio de lideranças. É nesta fase em que estamos. Um grande Leviatã e nenhum príncipe.
Por quanto tempo será assim? Até que os atores se convençam de que não viemos aqui para brigar.

PT Aniversario

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O tsunami político brasileiro em 2016

Carlos Melo estreia coluna no JOTA