Felippe Angeli

Ivan Marques

O ano de 2017 tem sido um dos mais tristes do Brasil em relação a seu crônico problema de violência. E, de forma cruel, o tiroteio ocorrido no Colégio Goyazes, em Goiânia, em outubro passado, sintetiza elementos fundamentais acerca da brutalidade que assola o país, assim como o modo com que temos discutido este problema, especialmente no campo político.
Nossas crianças e adolescentes têm sido vitimados de forma aterradora. Mas, o debate nacional acerca da faixa etária mais prioritária de nossa sociedade praticamente se resume ao desejo de muitos em vê-los presos – quando o sistema prisional brasileiro dá demonstrações diárias de seu colapso. A parcela da população mais vitimada por homicídios e mais vulnerabilizada por um sistema educacional em frangalhos é a mesma que praticamente só é lembrada em discussões para a redução da maioridade penal. Os adolescentes são infinitamente mais assassinados do que assassinam, mais abusados do que abusam, mais violentados do que violentam. E, ao invés de discutirmos sua proteção, debatemos sobre jogá-los na cadeia. Entretanto, chega um dia em que um filho de policiais militares comete um ato difícil de compreender e talvez aí há a chance de se ver que uma criança de 14 anos pode não ser um monstro, mas sim, mais uma vítima de algo que não demos conta enquanto sociedade.
Há também que se discutir a escola. Este local de convivência obrigatória aos jovens, que representa a construção da sociedade futura em termos de competências técnicas, sociais e humanas, tem estado em crise há muito tempo. Muitos alunos não veem sentido em estar ali - e, não podemos dizer que estão errados. É um modelo educacional que tem imensa dificuldade em olha-lo como indivíduo, em ouvi-lo, em compreender o que é ser jovem no Brasil na segunda década do século 21. A escola, para além de suas competências curriculares e técnicas, deve preparar o aluno à convivência em sociedade, e ensiná-lo sobre conflitos, manejo da agressividade, direitos e deveres. Já os professores são mal remunerados e têm medo de seus alunos e dos bairros das escolas em que trabalham - muitas vezes param suas aulas para proteger seus alunos e a si mesmos de intensos tiroteios. 
No caso goiano, quis o destino que o atirador fosse filho de policiais militares e que tenha usado uma arma da corporação. E, mais uma vez, vislumbramos um segmento profissional que abandonamos num conflito em que nunca haverá vencedor. Não pensamos em sua saúde mental, ao mesmo tempo em que os índices de suicídio destes profissionais são aterradores. Não nos espantamos quando sabemos que a taxa de homicídios para policiais é de 64,8 a cada 100 mil, enquanto que a da população em geral já altíssima, de 25,7. Ao mesmo tempo, é uma das polícias mais letais do mundo, responsável por 5,7% dos homicídios do país em 2015. 
Por fim, as armas de fogo. Este instrumento letal que para setores da sociedade tem sido visto como a solução universal para o insuportável quadro de violência. A despeito de pesquisas acadêmicas sérias e de rigor metodológico inquestionável, que demonstram que mais armas geram mais mortes, há uma miríade de comentaristas de redes sociais e políticos inescrupulosos vendendo à população, compreensivelmente amedrontada e acuada, que basta se armar até os dentes para o país se transformar num paraíso pacificado. Não se lembram que armas são usadas para encerrar discussões banais, que são utilizadas para assassinar mulheres que há anos são vítimas de toda a forma de abuso e violência doméstica. Armas que disparam acidentalmente e vitimam milhares de pessoas de forma não intencional. Armas que vão parar nas mãos de crianças e são usadas para cometer atrocidades que talvez nunca superemos. Ao reagir a um assalto armado, a maior probabilidade de morte é daquele que reage. Iniciar tiroteios em ruas movimentadas para proteger um celular que está sendo roubado não é razoável. Se matar pessoas solucionasse o problema da violência, as periferias teriam índices criminais próximos ao do Japão. A hipocrisia mata. E, o pior, ela mata crianças.

Outstretched arm with a gun. Black shadow on wooden background.

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JOTA

Se matar solucionasse o problema, periferias teriam índices criminais próximos ao do Japão

Sobre armas e hipocrisia

Se matar solucionasse o problema, periferias teriam índices criminais próximos ao do Japão