Vitor Lourenço

O Código de Processo Civil prevê mecanismos otimizados que buscam lidar com o fenômeno da litigiosidade em massa à luz da isonomia e da segurança jurídica, estabelecendo técnicas para a formação de precedentes judiciais aplicáveis às demandas que possuam a mesma questão jurídica.
Conforme a norma veiculada pelo artigo 928, da Lei Adjetiva, os recursos excepcionais repetitivos e o incidente de resolução de demandas repetitivas constituem o chamado “microssistema de julgamento de casos repetitivos”.
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Freddie Didier e Leonardo Carneiro da Cunha propõem que esse microssistema possui dupla finalidade, com normas esparsas pelo Código de Processo Civil que devem ser interpretadas conjuntamente, a fim de garantir unidade e coerência sistêmica.
A primeira função do microssistema é "firmar interpretação pretensamente definitiva acerca de uma norma legislada”<a href="#_edn1" name="_ednref1">[1]</a>, mediante a formação concentrada de precedentes vinculantes  que deverão ser observados pelos magistrado em sua função judicante.
Para tanto, o Código de Processo Civil estabelece regras específicas que possibilitam um amplo debate sobre a matéria em discussão e uma maior atuação da sociedade na formação do precedente.
Nesse sentido, tanto no caso dos recursos repetitivos (art. 1.038, CPC) quanto no caso do incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 983, CPC), o relator poderá designar audiência pública para instruir o julgamento que levará à fixação da tese jurídica, ouvindo pessoas e entidades com experiência e conhecimento na matéria, conforme artigo 983, § 1°, e artigo 1.038, II, do CPC, garantindo-se, ademais, a mais ampla publicidade e divulgação do julgamento.
Após formulado o precedente, o órgão judicante, em observância à tese jurídica fixada, poderá, por exemplo, proferir julgamento de improcedência liminar do pedido (art. 332, I e III, CPC), dispensar a remessa necessária (art. 496, § 4º, II e III, CPC), além das hipóteses nas quais é permitido ao relator, mediante decisão monocrática, abreviar o curso do processo, negando provimento a recursos que contrariem teses fixadas em IRDR, IAC e Recursos Repetitivos, (art. 932, IV, CPC), e julgar de plano o incidente de conflito de competência quando verificada a preexistência de precedente vinculante (art. 955, parágrafo único, CPC).
Além disso, os interessados sempre poderão pleitear a concessão de tutela de evidência com base na tese fixada em julgamento de caso repetitivo (art. 311, II, CPC).<a href="#_edn2" name="_ednref2">[2]</a>
Ressalte-se que na hipótese de inobservância expressa do precedente, será possível a propositura de reclamação para garantir sua aplicação, (artigo 988, IV, CPC) tanto para aquelas matérias que foram fixadas em sede dos incidentes como também nos recursos repetitivos. Quanto ao último, a lei determina que somente será possível a reclamação se esgotadas todas as vias ordinárias para tanto (art. art. 988, §5°, II, CPC).<a href="#_edn3" name="_ednref3">[3]</a>
A segunda finalidade do microssistema ora em análise diz respeito à administração judiciária dos casos repetitivos. José Roberto Sotero de Mello Porto enfatiza que essa segunda finalidade é, em última análise, acessória daquela primeira, e isso porque, para que se possibilite um julgamento exaustivo sobre a questão controvertida, é necessário que haja mecanismos para a gestão dos demais casos afetados.
Dessa maneira, serão identificados os casos em que se discutem a mesma questão de direito, seja mediante a técnica da causa-piloto ou procedimento-modelo<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. É o que Freddie Didier Junior e Leonardo Carneiro da Cunha conceituam como “conexão por afinidade”. Assim seleciona-se um ou mais casos paradigmas enquanto que os demais processos correlatos deverão ser suspensos.
No caso do IRDR, após sua admissão pelo tribunal, os processos que versam sobre a mesma questão suscitada no incidente serão suspensos no Estado ou Região, nos termos do artigo 982, I, do Código de Processo Civil, ou então nacionalmente conforme § 3º do mencionado dispositivo.
<blockquote class="jota-article__eye">Nos recursos excepcionais repetitivos, a suspensão se dará em âmbito nacional, em atenção à regra contida no artigo 1.037, II, do Código de Processo Civil.</blockquote>
Freddie Didier Junior e Leonardo Carneiro da Cunha pontuam a importância da suspensão dos processos afetados, pois através dessa medida evita-se a proliferação de decisões conflitantes entre os processos em que há debate sobre idêntica questão jurídica, economizando  tempo e recursos financeiros, sobretudo porque concentra a atenção dos integrantes do judiciário, que, ao invés de examinar diversas causas consentâneas, podem focar em uma única, permitindo-se o julgamento por amostragem das demais causas correlatas sem que haja violações às garantias fundamentais e estruturantes do processo civil.
Além do mais, existe a possibilidade do “exercício à revogação da suspensão indevida”, conforme artigo 1.037, §§ 8° a 13 do Código de Processo Civil, bem como o estímulo à desistência do processo antes de proferida a sentença pelo Juízo Singular, quando já fixada a tese do caso repetitivo pelo tribunal.
Por fim, vale mencionar as regras dos artigos 985, § 2°, e 1.040, IV, do Código de Processo Civil, cujo entendimento estabelece que se a questão de direito repetitiva for atinente à prestação de serviço público objeto de concessão, permissão ou autorização, o resultado do julgamento deverá ser comunicado ao órgão, ao ente ou à agência reguladora competente para fiscalização da efetiva aplicação, por parte dos entes sujeitos a regulação, da tese adotada.
Este regramento tem como objetivo “eliminar um dos maiores problemas da litigiosidade de massa no Brasil” qual seja, “a falta de diálogos institucionais entre ‘os poderes’ e entre os agentes responsáveis pela fiscalização do cumprimento de direitos”.<a href="#_edn4" name="_ednref4">[4]</a>
Esses são, portanto, alguns aspectos introdutórios sobre o microssistema de casos repetitivos no que tange a sua dupla função. Vê-se que através dos mecanismos que o constituem, desde que assegurado um bom andamento processual, com exaurimento da matéria, amplo debate e publicação do julgamento, possibilita-se que haja um efetivo diálogo entre o tribunal e a sociedade para a formulação de precedentes que visem a intepretações estáveis e seguras sobre o ordenamento jurídico brasileiro.
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O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça:
https://youtu.be/-hMj5lwWXEE
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Referências bibliográficas
CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro, 2. ed. São Paulos, Atlas. 2016.
DALLA PINHO, Humberto; RODRIGUES, Roberto de Aragão Ribeiro. Org, DIDIER; CUNHA., Julgamento de Casos Repetitivos. Salvador, Juspodivm. 2016.
DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil – Meios de Impugnação às Decisões Judiciais e Processo nos Tribunais, vol. 3. Salvador: Jus Podivm, 13ª Ed. 2016.
LEMOS, Vinícius. Recursos e Processos nos Tribunais. 4ª Ed. JusPodivm. São Paulo. 2020.
MELLO PORTO, José Roberto Sotero. Teoria Geral dos Casos Repetitivos. 1ª Ed. RIo de Janeiro. GZ Editora. 2018.
WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil, Vol. 2, 16ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.
Notas
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Ver também: &lt;<a href="https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-cpc-nos-tribunais/irdr-causa-piloto-ou-procedimento-modelo-30032017">https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-cpc-nos-tribunais/irdr-causa-piloto-ou-procedimento-modelo-30032017</a>&gt;.
<a href="#_ednref1" name="_edn1"></a>[1] MELLO PORTO, José Roberto Sotero. Teoria Geral dos Casos Repetitivos. 1ª Ed. RIo de Janeiro. GZ Editora. 2018. P. 72.
<a href="#_ednref2" name="_edn2"></a>[2] DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil – Meios de Impugnação às Decisões Judiciais e Processo nos Tribunais, vol. 3. Salvador: Jus Podivm, 13ª Ed. 2016. p. 591.
<a href="#_ednref3" name="_edn3"></a>[3] “Havendo omissão quanto à aplicação de um precedente, caberão embargos de declaração. Se, opostos os embargos, o juiz, ainda assim, se mantiver omisso, deixando de observar o precedente, cabe apelação, em cujo âmbito será possível pleitear uma tutela de evidência. Veja-se que o § 4º do art. 1.012 do CPC permite a atribuição de efeito suspensivo (ou, correspondentemente, a concessão de tutela antecipada recursal) quando houver "probabilidade de provimento" da apelação. Esse é um exemplo de tutela de evidência recursal: há "probabilidade de provimento", a permitir a concessão da tutela de evidência recursal, nos casos em que a sentença apelada não tenha observado precedente obrigatório, sem apresentar qualquer fundamento de distinção ou superação (art. 489, §1 0, VI, CPC). Do mesmo modo, não será possível conceder esse efeito suspensivo, nos casos de apelação interposta contra sentença que segue precedente obrigatório, sem que o apelante demonstre fundadas razões para a distinção ou superação.” DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil – Meios de Impugnação às Decisões Judiciais e Processo nos Tribunais, vol. 3. Salvador: Jus Podivm, 13ª Ed. 2016. p. 592.
 <a href="#_ednref4" name="_edn4">[4]</a> DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil – Meios de Impugnação às Decisões Judiciais e Processo nos Tribunais, vol. 3. Salvador: Jus Podivm, 13ª Ed. 2016. p. 600.

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JOTA

Alguns apontamentos introdutórios sobre o microssistema de julgamento de casos repetitivos

Sobre a dupla finalidade do microssistema de julgamento de casos repetitivos

Alguns apontamentos introdutórios sobre o microssistema de julgamento de casos repetitivos