Maurício Costa Romão

Pela legislação atual (Lei 14.211/21 e Resolução TSE 23.677/21), a sistemática de alocação de vagas legislativas nas eleições proporcionais consiste de três etapas.
Na primeira etapa, as vagas são preenchidas apenas pelos partidos e federações que atingiram o quociente eleitoral (QE), de acordo com seus respectivos quocientes partidários. As vagas não ocupadas nesta etapa ficam para ser distribuídas por sobras de voto com base no método das maiores médias.
Na segunda etapa, as primeiras vagas por sobras são preenchidas somente pelas siglas com votação de pelo menos 80% do QE e os candidatos que tenham votos de no mínimo 20% desse mesmo QE. Trata-se da chamada regra dos 80-20.
Na terceira etapa, esgotadas as vagas alocadas às siglas que atendam cumulativamente às exigências da regra dos 80-20, e havendo ainda lugares remanescentes, estes serão ocupados pelos partidos detentores das maiores médias, desde que tenham votação de pelo menos 80% do QE, (o requisito de 20% do QE é flexibilizado).
Irresignados com o teor restritivo da distribuição de vagas dessa terceira etapa os partidos Rede, Podemos/PSB e PP impetraram no<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/STF"> STF</a> as Ações Diretas de Inconstitucionalidade 7228, 7263 e 7325, respectivamente, que começaram a ser julgadas no último dia 7 de abril.
Em apertada síntese, nessas ações, os requerentes sustentam que os dispositivos impugnados (<a href="https://www.tse.jus.br/legislacao/codigo-eleitoral/codigo-eleitoral-1/codigo-eleitoral-lei-nb0-4.737-de-15-de-julho-de-1965">inciso III e § 2° do art. 109 do Código Eleitoral</a>, nas redações dadas pela lei e resolução acima mencionadas) colidem com a norma constitucional no que tange ao resguardo do pluralismo político e da representação das minorias.
Com esteio em tais argumentos, os recorrentes entendem que na terceira etapa da distribuição de vagas, a fase da “sobra das sobras”, poderão concorrer aos lugares remanescentes, pelo critério das maiores médias, todas as siglas que participaram do pleito, dispensadas as exigências da regra dos 80-20.
A esta interpretação dos impetrantes, acolhida por <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/pgr-sobra-das-sobras-e-impactos-no-legislativo-23022023">opinativo da PGR</a>, de grande repercussão na mídia, aderiram os partidos PV, PC do B, Solidariedade, PSB, todos na qualidade de amici curiae. 
Por ouro lado, manifestaram-se pela improcedência das ações a Câmara dos Deputados, o Senado, a AGU, e as greis PL, PP, Republicanos e PDT, estas como amici curiae, condição em que também pediram ingresso no feito as siglas PSDB, MDB, PTB e União Brasil, que, todavia, não emitiram opinião.  
No seu voto, o ministro <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/ricardo-lewandowski">Ricardo Lewandowski</a>, relator das ações ajuizadas no STF, entendeu que não descabe razão aos reclamantes quando alegam que circunscrever a terceira etapa da distribuição das vagas remanescentes apenas entre as legendas que alcançaram 80% ou mais do QE, independentemente dos seus candidatos terem obtido 20% desse mesmo quociente, ofende a letra e o espírito do texto constitucional.
Nessa senda, o relator advoga que desta etapa deveriam participar todas as agremiações que obtiveram votos no pleito, pois, ad litteram: “... toda e qualquer norma que tenha por escopo restringir a pluralidade dos partidos políticos, limitando a eleição de seus representantes, notadamente no sistema proporcional, viola os fundamentos de nosso Estado Democrático de Direito” [Minuta de voto, p. 7].
Enfim, o relator julga parcialmente procedentes as ADIs sob invectiva para dar interpretação conforme à Constituição ao § 2° do art. 109 do Código Eleitoral, de maneira a permitir que todas as legendas e seus candidatos participem da distribuição das vagas remanescentes descrita no inciso III do mesmo art. 109, independentemente de terem alcançado a exigência dos 80% e 20% do QE, em respectivo.
Na sequência, o relator, em respeito ao princípio da anualidade eleitoral e ao postulado da segurança jurídica, propõe modular os efeitos temporais da decisão que a Suprema Corte venha a tomar, imprimindo-lhe caráter ex-nunc, com vigência a partir do pleito de 2024.
Na hipótese de o voto do relator ser acompanhado pela colenda corte, mas, ao revés, com efeito ex-tunc, a evidência empírica da eleição de 2022 mostra que haveria mudanças de deputados federais nos estados do Amapá (4), Tocantins (1) e Rondônia (1) e no Distrito Federal (1).
Já nas Assembleias Legislativas nenhuma alteração se processaria, visto que em todos os estados da federação o processo alocativo de vagas se esgotou na segunda etapa, inexistindo, por via de consequência, vagas sobrantes para distribuir na etapa final. 
Ainda no bojo das ADIs, os demandantes expressam natural irresignação, com a qual compartilha o ministro-relator, contra o art. 111 do Código Eleitoral, que introduz o sistema majoritário – na modalidade “distritão” – no arcabouço proporcional, ao prever que na hipótese de nenhuma sigla alcançar o QE serão eleitos os candidatos mais votados.
A essa inescusável ofensa à Carta Magna, o ministro Lewandowski sugere repará-la mediante aplicação nos moldes atuais da segunda etapa do processo alocativo de vagas e, existindo ainda lugares não preenchidos, que estes sejam distribuídos por média, mas sem exigências da regra dos 80-20. Quer dizer, quando nenhuma sigla atinge o QE, usam-se os parâmetros da segunda e terceira etapas esculpidos nas alterações promovidas no voto do relator.
Enfim, o voto de Lewandowski, assentado em fortificadas razões, restaura o princípio da igualdade de chances, o pluralismo político e a representação das minorias, ademais de reformar as inúmeras distorções empíricas derivadas da legislação impugnada, eivada de flagrante desarmonia com a lógica e os fundamentos do sistema proporcional. 
Proferido o voto, o primeiro e único da reunião virtual, o <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/alexandre-de-moraes-paralisa-julgamento-sobre-quociente-eleitoral-07042023">ministro Alexandre de Moraes pediu vista dos processos</a>, o que remete a data da retomada do julgamento a um tempo indeterminado (a vista, todavia, tem que ser devolvida em até 90 dias).
Inobstante a complexidade do feito, o mérito do voto e sua modulação temporal com eficácia ex-nunc pavimentam o caminho para que a propositura do relator seja aprovada pela colegialidade do STF.

Urna Eletrônica

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JOTA

Manifestação do ministro restaura pluralismo político e representação das minorias

&#8216;Sobra das sobras&#8217; e o voto de Lewandowski

'Sobra das sobras' e o voto de Lewandowski

Voto do ministro relator no julgamento da 'sobra das sobras' restaura pluralismo político e representação das minorias