Pergunte ao professor

É necessária a anuência do sindicato para a instituição de jornada flexível?

Jornada flexível é uma expressão abrangente, e, em alguns casos, é sim necessária a concordância do sindicato

21/06/2019|15:28
Atualizado em 24/06/2019 às 11:35
Jornada, Contribuição sindical
Crédito: Força Sindical

Hoje, sexta-feira, é dia de mais um capítulo do projeto Dúvida Trabalhista? Pergunte ao Professor! dedicado a responder às perguntas dos leitores do JOTA, sob a Coordenação Acadêmica do Professor de Direito do Trabalho e Especialista em Relações Trabalhistas e Sindicais, Dr. Ricardo Calcini.

Neste oitavo episódio da série, a dúvida a ser respondida é a seguinte:

Pergunta ► Para aplicação de jornada flexível de trabalho a empresa precisa de anuência do Sindicato?

 Resposta ► Com a palavra, o Professor Túlio de Oliveira Massoni

A jornada laborativa é um dos aspectos centrais do contrato de trabalho e indica o tempo no qual se inclui o labor diário do empregado, ou seja, a quantidade de trabalho cumprida diariamente em favor do empregador. Como regra geral (CLT, art. 4º) o tempo de trabalho abrange aquele efetivamente trabalhado, bem como o período de disponibilidade do empregado aguardando ordens do seu empregador.

É certo que a jornada de trabalho mede a principal obrigação do empregado no contrato de trabalho que é a prestação de serviços. Relaciona-se, por seus limites e excessos, não apenas com questões de segurança, mas até mesmo com questões de política de emprego, sendo bastante conhecida a discussão se a redução da jornada geraria novos postos de trabalho.

No mundo contemporâneo, imperativos organizacionais – e, também, por força de interesses dos empregados – estimularam o legislador a conceber variadas formas de flexibilização do tempo de trabalho.

Jornada flexível é uma expressão abrangente. Flexível é aquilo que é maleável, que não é rígido.  As formas de flexibilização em relação ao tempo de trabalho e jornada podem ser variadas.

Uma primeira flexibilização é a do horário flexível, em que o horário de entrada e de saída não são rígidos, comprometendo-se o empregado a realizar a sua jornada diária dentro de um intervalo do dia, conforme sua melhor opção ou em ajuste com o empregador. Dentre outras vantagens apontadas para essa modalidade, podem ser destacadas a diminuição de atrasos ou as saídas antecipadas, o fortalecimento de responsabilidade no ambiente de trabalho, além de uma maior autonomia do empregado em cumprir sua jornada dentro do horário que melhor lhe for conveniente, inclusive articulando o trabalho com sua vida pessoal. Essa modalidade flexível pode ser pactuada por acordo individual (CLT, art. 444).

Note-se que tal situação é bastante diversa da jornada com escala móvel, em que os horários de trabalho ficariam totalmente a critério do empregador e, na maioria da vezes, sem a possibilidade de o empregado se programar com outras atividades, pois não saberia com antecedência mínima quando e em que horário seria designado para o trabalho. A jurisprudência considerou tal prática abusiva, ainda que prevista em negociação coletiva.

Uma segunda flexibilização é a possibilidade de, mediante negociação coletiva, pactuar-se o controle de ponto por exceção, segundo o qual são consignadas apenas as exceções à jornada ordinária de trabalho, com a dispensa do controle formal de horários de entrada e saída do empregado. Esta modalidade de flexibilização de registro, prevista em norma coletiva, ainda é questionável no TST, embora recentemente tenha havido um julgamento favorável à sua validade (TST – 4ª Turma - TST-RR-1001704-59.2016.5.02.0076 – DJ 27.03.2019).

Uma terceira flexibilização seria a situação do turno ininterrupto de revezamento, em que as atividades da empresa são ininterruptas, organizadas em turnos e nos quais há constante modificação dos horários de trabalho dos empregados, com alternância de turnos em conformidade com as escalas. A jornada normal legal, em tal situação, é de 6 (seis) horas, podendo, por negociação coletiva, ser prorrogada para 8 (oito) horas diárias (Súmula nº 423 do TST).

Uma quarta flexibilização seria o conhecido banco de horas, resultado de um acordo de compensação de jornada. De acordo com o art. 59, §2º da CLT, “poderá ser dispensado o acréscimo de salário se, por força de acordo ou convenção coletiva de trabalho, o excesso de horas em um dia for compensado pela correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não exceda, no período máximo de um ano, à soma das jornadas semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado o limite máximo de dez horas diárias. ”.

A Reforma Trabalhista de 2017 passou a admitir acordo de compensação de jornada (banco de horas) de módulo semestral por acordo individual. Eis a redação do art. 59, § 5º: “O banco de horas de que trata o § 2o deste artigo poderá ser pactuado por acordo individual escrito, desde que a compensação ocorra no período máximo de seis meses”. Igualmente a Reforma viabilizou a possibilidade de o acordo de compensação de jornada ser celebrado dentro do mesmo mês por acordo individual, inclusive admitindo acordo tácito para esse fim (CLT, art. 59, §6º), o que contraria a atual Súmula nº 85 do TST, ainda não revista.

Alerte-se, contudo, que se o banco de horas a ser adotado tiver um módulo de compensação anual, será necessária a previsão em norma coletiva com o sindicato (acordo coletivo de trabalho ou convenção coletiva de trabalho).

Por fim, uma última forma de flexibilização de jornada igualmente foi introduzida pela Reforma Trabalhista de 2017, em relação aos trabalhadores hipersuficientes, os quais podem negociar diretamente com seus empregadores (sem a necessidade do sindicato profissional) as questões relativas à duração do trabalho (incluindo as previsões do art. 611-A da CLT e outras relativas ao tema). Em síntese, como lembra Carla Romar, “se é certo que a Constituição Federal de 1988 permitiu a flexibilização das normas sobre jornada de trabalho ao prever a possibilidade de compensação ou redução de jornada (art. 7º, XIII) e a possibilidade de modificação por meio de negociação coletiva da jornada estipulada para os turnos de revezamento (art. 7º, XIV), a Lei n. 13.467/2017 (Reforma Trabalhista) ampliou enormemente as possibilidades de flexibilização das normas sobre jornada e duração do trabalho, seja pela via da negociação coletiva, seja por negociação individual quando se tratar de empregado “hipersuficiente” (Direito do Trabalho Esquematizado. 5ª ed. Saraiva, p.344).logo-jota

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