Vítor F. Alves de Brito

O setor elétrico brasileiro compreende três complexos segmentos (geração, transmissão e distribuição), que, junto com os agentes de comercialização, interagem para suprir desde as necessidades básicas do cidadão até os mais diversos setores econômicos, garantindo-se o desenvolvimento nacional e a livre iniciativa, objetivos fundamentais da República.
Na esteira do aperfeiçoamento tecnológico e da evolução econômico-social, o setor elétrico passa por paulatina mudança estrutural, de modo a diversificar a matriz de geração, estimular concorrência e eficiência e abrir o mercado para todos os consumidores buscarem a aquisição da energia mais barata, seja para consumo próprio, seja como insumo de suas atividades produtivas.
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato" rel="attachment wp-att-291327"><img class="size-medium wp-image-291327 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/11/jota-pro-poder-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a>Com a pandemia da Covid-19, nos deparamos diante de um grande desafio. Imposto o isolamento social, interromperam-se atividades econômicas, houve queda brusca no consumo das unidades industriais e comerciais, enquanto havia a necessidade de manter a remuneração do setor elétrico, sobretudo para atender o acentuado consumo residencial e os prestadores de serviços essenciais.
O poder concedente, a agência reguladora e os agentes econômicos, com o apoio do Congresso Nacional, agiram de forma rápida e deram um exemplo de organização, solidariedade e eficiência.
Destaquemos os consumidores que honraram com seus compromissos e as distribuidoras, que interromperam serviços presenciais, sem prejudicar sua atividade-fim, postergaram reajustes tarifários e renunciaram ao seu direito de cortar o fornecimento dos inadimplentes, cujo mecanismo inibe em 80% a falta de pagamento.
Importante rechaçarmos aqui o discurso populista de que as distribuidoras de energia elétrica seriam adversárias dos consumidores. Declarações tortas, de que as distribuidoras pretendem se locupletar à custa dos consumidores, e insinuações de mesmo jaez, oportunistas e eivadas de erros técnicos, mais confundem do que esclarecem a sociedade.
Percebe-se, na consulta pública, que já entra em sua terceira fase, promovida pela ANEEL para definição dos parâmetros para recomposição do equilíbrio econômico-financeiro da concessão do serviço de distribuição de energia elétrica, um objetivo predefinido da agência reguladora: dividir com as concessionárias os custos decorrentes da pandemia, como se o risco extraordinário do caso fortuito ou força maior estivesse alocado à companhia.
Acompanhamos debate muito rico sobre teorias clássicas e modernas em torno das bases objetivas do negócio, contrato de concessão inacabado, inexistência de equação econômico-financeira linear. Denota-se o nível de preparo em que se encontra a agência reguladora.
Numa discussão isenta, sem predisposição de alcançar uma finalidade já definida previamente pela política de gestão, caberia saudar com os mais efusivos aplausos a controvérsia acadêmica e a evolução da hermenêutica jurídica. Ocorre que o discurso pernicioso de que as distribuidoras estariam querendo esfolar o seu principal parceiro, qual seja, o consumidor, compromete toda a isenção técnica na análise da recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, cujo princípio constitui a gênese da concessão do serviço púbico.
Ao invés de fomentar divergências, importante agregar valores para o sucesso da parceria entre distribuidora e consumidor. Trata-se de uma relação imbrincada, interdependente, fundamental não apenas para o setor elétrico, mas sobretudo para a sociedade.
Deve-se prezar pela sustentabilidade do serviço de distribuição, que possui a função de arrecadar na tarifa cobrada dos consumidores a remuneração de todo setor elétrico brasileiro, compreendendo as geradoras, transmissoras, distribuidoras, além dos encargos exigidos pelo governo para subsidiar sua política pública, ainda que muitas vezes distorcidas, e a alta carga tributária.
Poucos têm conhecimento de que entre 2007 e 2019 houve expressivo aumento dos encargos setoriais, que subiram 229%. No mesmo período, a parcela da geração de energia subiu 185%, a de transmissão subiu 167% e o IGP-M, índice inflacionário de grande parte dos contratos de concessão, aumentou 109%.
O custo da distribuição de energia elétrica no país, contudo, subiu 73%, portanto bem abaixo da inflação, o que significou na prática uma redução de 45% em termos reais. O efeito para o consumidor final, que é quem paga esta conta, foi um aumento da tarifa de fornecimento de 143%. Isso sem falar na grave incidência tributária.
Ou seja, as companhias de distribuição de energia elétrica não proporcionaram aumento na tarifa de energia elétrica. Muito pelo contrário. Reduziram significativamente o custo repassado para o consumidor.
<blockquote class="jota-article__eye">Ao contrário do que alguns tentam fazer crer, a distribuidora não possui qualquer vantagem em cortar fornecimento de energia elétrica dos consumidores que honram com as suas obrigações.</blockquote>
Afinal, o corte reflete diretamente na perda de arrecadação de receita. Da mesma forma, a concessionária de distribuição possui o interesse em prestar serviço de qualidade evitando-se perdas técnicas e não técnicas, que impactam diretamente no coeficiente de receitas irrecuperáveis.
Propaga-se na sociedade uma imagem sombria das distribuidoras de energia elétrica, como se elas fossem culpadas pelas tarifas altas cobradas pelo Governo, quando na verdade também lhes interessa a redução com o custo de aquisição e transmissão de energia, dos encargos tarifários e da exação tributária.
Afinal, quanto maior a tarifa, maior a inadimplência e menor o faturamento da parcela que efetivamente é repassada para o serviço público de distribuição.
Com efeito, o valor extorsivo da tarifa de energia elétrica no Brasil decorre dos custos de geração, tributos e encargos infindáveis. Não se compreende como, por exemplo, até hoje os menos abastados da sociedade pagam subsídios ao segmento já consolidado de geração distribuída de energia solar.
A energia renovável é fundamental para o país e deve ser incentivada, mas não se pode admitir subsídio cruzado às avessas, por meio do qual os mais pobres pagam pelo custo de instalação de painéis solares por aqueles com condições de arcar com tais investimentos ou até mesmo por empresas que visam a comercializar a energia.
O mercado livre de energia elétrica, no qual há negociação bilateral entre o vendedor e o consumidor qualificado de energia, vem se expandido vertiginosamente. Conforme informado pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica, este é o segundo ano com maior número de migração de consumidores (lojas, supermercados, escolas e etc.) do mercado regulado para o mercado livre.
A reforma do setor elétrico, que se encontra no Congresso, permitirá em quatro anos que qualquer consumidor possa migrar para o mercado livre e comprar energia de quem bem entender.
Ocorre que, para tanto, deverá haver profunda alteração nas regras do setor, prevendo-se, por exemplo, a separação entre o custo da energia adquirida no mercado livre e o do fio, correspondente ao serviço de distribuição de energia elétrica.
Dessa forma, os encargos tarifários poderão ser rateados por todos os consumidores que se utilizam do fio, da rede de distribuição, estando eles no mercado regulado ou no mercado livre.
O descompasso, todavia, entre a reforma do setor elétrico e o desenvolvimento econômico-social vem enfraquecendo, de forma antecipada e preocupante, o mercado regulado de energia, sem as alterações legislativas necessárias.
Frise-se que se encontram no mercado regulado os consumidores brasileiros em sua ampla maioria, que não possuem condições, nem mesmo discernimento, de se inserir no mercado livre. Obviamente, não faz sentido imputar-lhes exclusivamente a responsabilidade pelos encargos tarifários das políticas públicas adotadas pelo Governo.
Como se vê, o antagonismo criado entre distribuidoras de energia elétrica e consumidores é extremamente perverso. Em um momento em que a sociedade, representada pelo Congresso Nacional, se prepara para consolidar normas indispensáveis ao ajuste do marco regulatório do setor elétrico, mostra-se necessário, mais do que nunca, enfatizar o importante papel do serviço público de distribuição de energia elétrica e valorizar a parceria entre as concessionárias e os consumidores cativos de energia.
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O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça:
https://youtu.be/-hMj5lwWXEE

Torres de transmissão de energia elétrica

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JOTA

O antagonismo criado entre distribuidoras de energia elétrica e consumidores é extremamente perverso

Sinais trocados no setor elétrico

O antagonismo criado entre distribuidoras de energia elétrica e consumidores é extremamente perverso