Leonardo Barém Leite

Uma das questões mais frequentes nos cursos e nos grupos que discutem a realidade dos advogados corporativos e as melhores práticas no setor dialoga bastante com o célebre “dilema shakesperiano” (ser ou não ser).
Os ajustes no perfil e no estilo, bem como na mentalidade e na rotina do advogado corporativo (especialmente o que efetivamente integra o departamento jurídico da empresa), e toda a adaptação que a função exige alteram a profissão e a essência do advogado? O advogado corporativo seria menos advogado do que os seus colegas que militam em outro seguimento? O advogado corporativo é ou não é advogado? Advogado seria “apenas” o colega que atua em escritório ou realiza audiências e escreve peças processuais? O advogado que se torna gestor deixa de ser advogado? Haveria advogados de várias categorias e “classes”?
Entendemos que o dilema de fato existe, e que seja importante compreender do que se trata para que se consiga “desmistificar” a dúvida que aflige muitos colegas, e mais ainda os que tem função gerencial.
Frequentemente ouvimos de colegas que atuam nessa área (alunos, amigos, membros de grupos de debates e de trocas de experiências, leitores, clientes etc.) um certo “desabafo” que “tangencia” esse clássico exemplo da dramaturgia mundial, no sentido de que quanto mais gestores e mais integrados ao negócio da empresa se tornam, menos “advogam” – gerando em vários casos uma reflexão e até um “drama de consciência” e um “flerte” com a identidade.
Vários colegas em algum momento da carreira nos departamentos jurídicos sentem como se deixassem de advogar, e até de se sentir advogados. Compreendemos bem isso.
Respeitamos, e muito, os colegas que vivem essa questão e que com ela se preocupam, mas entendemos que o assunto é não apenas importante como relativamente simples (se bem analisado).
Defendemos que a advocacia atual é tão ampla, chegando a tantos perfis, estilos, ramos, tipos etc., que talvez seja o momento de pensarmos o advogado como um profissional que já não tem um único “jeito”. E que realiza várias tarefas.
Da maneira como enxergamos a advocacia corporativa moderna, vemos que os ajustes na maneira de pensar, na mentalidade e na atuação do advogado de fato são profundos, e o aproximam muito do mundo das empresas e dos negócios, mas não alteram a sua essência.
Seja do ponto de vista jurídico-legal, uma vez que o advogado corporativo é sim advogado (sendo necessário que curse a faculdade de direito, que seja inscrito na OAB e que respeite toda a legislação e a regulamentação - por exemplo o código de ética), tanto que tem os mesmos direitos, deveres e prerrogativas dos demais colegas de profissão, seja do ponto de vista prático (uma vez que a empresa precisa do gestor de risco com o conhecimento, a experiência e a visão jurídicos) – advogado corporativo é advogado.
E sugerimos que a reflexão de fato ocorra, pois é bem possível que mesmo advogados já experientes percebam, em algum momento da carreira, que podem estar precisando de alguma mudança, de lidar com a profissão de outra forma, “fazendo outras coisas”.
Para o colega que quer e gosta de atuar “apenas” no formato mais clássico e tradicional da advocacia, é bem provável que a advocacia corporativa não o satisfaça por completo.
O próprio conceito da advocacia corporativa que tem como um dos pilares a busca da eficiência máxima de recursos abarca a realidade de que, de uma forma ou de outra, geralmente há terceirização (em maior ou menos escala, numa ou noutra área) – ou seja, o advogado corporativo, “normalmente” não realiza todos os serviços jurídicos que a empresa necessita, de maneira que dependendo do que lhe seja mais afeto e lhe dê maior satisfação pode valer a pena considerar uma grande reflexão pessoal.
Por exemplo, advogados que “não abram mão” de encontrar a sua satisfação profissional no mundo das petições e das audiências, que sejam “apaixonados” por apenas um dos ramos do direito etc., podem de fato sentir uma certa distância “desse tipo” de advocacia se forem gestores internos.
A questão da gestão e da adaptação do exercício da advocacia, que de fato é um tanto diferente, precisam ser bem entendidas, pois se são profundas (e realmente o são), na verdade ajudam - e muito o exercício da advocacia de quem tem esse perfil. Ou seja, não descaracterizam (no nosso entendimento) a advocacia, mas cobram uma nova visão da profissão.
Ferramentas, técnicas e mecanismos de gestão ajudam muito na efetiva compreensão das questões empresariais, facilitam de maneira fundamental a gestão de risco da maneira como o mundo corporativo exige, e colaboram para o estabelecimento de estratégias jurídicas muito mais claras e eficazes. Advogados com esse perfil e essa função, ganham muito com esses “apoios”.
A questão, portanto, da maneira como a vemos, não seria propriamente de ser o colega que integre um departamento jurídico empresarial advogado ou não, mas talvez de entender que a advocacia nesse meio precisa de profundos ajustes e adaptações. Não teríamos uma questão de “ser ou não ser”, mas de “como ser”, ou de “que perfil de advogado ser”.
Realmente não é simples e nem fácil exercer essa advocacia, e não é para todos, pois o perfil de fato é muito específico, mas parafraseando um outro célebre expoente da cultura oriunda da realidade anglo-saxã (no caso bem mais recente e que aproveita o “jargão” do ex-presidente norte americano “Obama”) – “Yes we can”, ou ainda (abusando do conceito) “Yes we are” (advogados).
De um lado, temos estudado desde os anos 1980 esse “novo” perfil de advogado empresarial, que o mercado passou a chamar de advogado corporativo (que auxilia o próprio centro decisório nas instituições), e estimulado que esse profissional entenda muito mais da realidade dos negócios, e que seja muito mais parceiro das demais áreas, passando a ser um executivo jurídico. Isso é básico nessa função; mas (do outro lado) sem descaracterizar o advogado e sem mudar “ de profissão”.
Da mesma forma que cada advogado precisa encontrar a sua vocação, habilidade e competência para atuar neste ou naquele segmento, área do direito, localização etc., deve refletir bastante sobre o “tipo” de advocacia que deseja (e consegue) exercer.
Todos sabemos que, a despeito de sermos todos advogados (considerando esse “público” de colegas e de leitores), temos características mais práticas ou mais acadêmicas, mais combativas ou conciliadoras, mais afetas à palavra escrita ou a verbalizada etc. Ou seja, somos distintos entre nós, e únicos por definição.
Gostamos e conhecemos mais deste ou daquele ramo ou segmento, temos maior ou menor habilidade para este ou aquele assunto... E, assim, somos (reiterando) únicos e temos as nossas questões pessoais que “determinam” nossos perfis, competências, estilos, facilidades e assim por diante, que precisam ser respeitadas. Mas somos advogados sim!
Há quem já diga (a nosso ver erroneamente) que o “gestor maior” dos executivos jurídicos em cada empresa não precisaria ser “nem mesmo advogado”, uma vez que a função seria muito “pouco jurídica” e muito mais gerencial – sem contar o impacto que já vivemos da tecnologia e dos “softwares, robôs etc”.
Essa visão nos parece totalmente equivocada, pois além das questões legais e regulamentares da profissão, e mesmo do principio constitucional que regula a nossa atuação, acreditamos que ninguém melhor do que um experiente e bem formado advogado corporativo, totalmente adaptado ao cargo, e com as devidas competências e habilidades, para exercer a importantíssima tarefa de atuar na gestão de risco da empresa (que é o dia a dia da advocacia corporativa, em ultima análise).
Assim, embora o dilema do mestre máximo inglês exista sim na advocacia corporativa, e mereça toda a atenção e respeito, entendemos que - com um olhar mais profundo e cuidadoso, podemos todos celebrar a sua “solução”.
A advocacia corporativa de fato não é para todos os profissionais do direito (pois os ajustes realmente são fundamentais e de grande envergadura), mas passada a adaptação já comentada e a compreensão da função do executivo jurídico atual, a resposta é sim. Somos advogados. E vamos ao trabalho!!!
Esse é um dos vários tópicos que a moderna e estratégica gestão jurídica nas empresas vem estudando, e que tem evoluído bastante. Procure conhecer mais sobre a advocacia corporativa, seus desafios, as melhores práticas, e o que se tem feito de mais moderno no Brasil.

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Shakespeare e os departamentos jurídicos

To be or not to be?