Armando Bellini Scarpelli

Daniella Galvão Imeri

A queda do veto ao art. 4º da <a href="https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.148-de-3-de-maio-de-2021-317508601">Lei 14.148/2021</a>, ocorrida em março de 2022, foi recebida com muito entusiasmo pelo setor de eventos.
A lei instituiu o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) e, quando publicada, trouxe modalidades de renegociação de dívidas tributárias e não tributárias com descontos bastante atrativos.
Em seu texto original, a lei trazia a redução para zero das alíquotas do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/irpj">IRPJ</a>), da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/csll">CSLL</a>), da Contribuição para o Programa de Integração Social (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/pis-cofins">PIS</a>) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/cofins">Cofins</a>). Contudo, a alíquota zero foi vetada pelo Presidente da República.
Em março de 2022, o Congresso derrubou o veto presidencial e a lei foi integrada com os trechos vetados, reduzindo para zero a alíquota dos tributos federais por 60 meses.
Apesar da excelente notícia que é a redução da tributação do setor de eventos, acabou não ficando devidamente esclarecido: (i) quem são os contribuintes que podem fruir do benefício fiscal e (ii) quais as condições para tanto.
Assim, é necessário que os contribuintes elegíveis para fruir desse benefício façam uma ponderação sobre conteúdo da lei, atentando-se para sua finalidade. Também é imprescindível uma análise atenta da portaria que veio a regulamentar a lei: a Portaria 7.163/2021, do Ministério da Economia.
Fazendo-se o devido estudo dos dois veículos normativos, os contribuintes evitarão a utilização indevida do benefício fiscal como também evitarão que, eventualmente, norma infralegal afaste seu direito de fruir do benefício em toda sua extensão.
Pois bem, quanto aos contribuintes elegíveis para o benefício, a lei listou as pessoas jurídicas que são consideradas pertencentes ao setor de eventos.
Foi eleito como critério subjetivo a atividade econômica direta ou indiretamente exercida, tais como: congressos, eventos esportivos, culturais, festas, hotelaria, cinema, turismo etc.
Para aprofundar o detalhamento dos contribuintes elegíveis ao programa, a lei determinou que o Ministério da Economia editasse ato normativo com a relação de códigos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) que se enquadram na definição de setor de eventos.
Assim, publicou-se a Portaria ME 7.163/2021, relacionando os códigos CNAEs das pessoas jurídicas que podem se aproveitar dos benefícios.
Uma leitura isolada dos códigos CNAEs listados pode criar controvérsias sobre os elegíveis aos benefícios. A portaria, de modo lacônico, apenas trouxe tabela expositiva de códigos CNAE de atividades que se enquadrariam na definição de setor de eventos trazida pela lei. Porém, não foi dado importância quanto ao contexto em que praticada a atividade.
Os códigos CNAE referem-se a atividades que podem ou não estar relacionadas ao setor de eventos, a depender das circunstâncias em que exercidas.
Exemplificando, a portaria relaciona, dentre outras, as seguintes atividades como enquadradas na definição de setor de eventos:
<ul>
<li>instalação de portas, janelas, tetos, divisórias e armários embutidos de qualquer material</li>
<li>comércio atacadista especializado em outros produtos intermediários não especificados anteriormente</li>
<li>fornecimento de alimentos preparados preponderantemente para empresas</li>
</ul>
Como se vê, as atividades descritas podem eventualmente estar relacionadas ao setor de eventos. Seria o caso de empresa que instala portas e janelas em estruturas para um congresso, feira ou festival. Porém, se essa mesma empresa executasse suas atividades para um hospital ou para uma estação de metrô estaria ela elegível à alíquota zero? Seria ela indiretamente ligada ao setor de eventos?
Da mesma forma, comércio atacadista de produtos intermediários voltados a uma casa de espetáculos parece-nos ser atividade econômica elegível para fruição dos benefícios da lei. Mas e o comércio atacadista voltado para acessórios de uso doméstico e de materiais elétricos e eletrônicos?
Quanto a fornecimentos de alimentos preparados para empresas, importa a atividade realizada pela empresa para quem os alimentos são fornecidos? E se a empresa for um hospital ou uma clínica médica, claramente distantes do setor de eventos?
É grande a quantidade de dúvidas que podem surgir na aplicação da alíquota zero.
Ao que nos parece, não basta que um código CNAE esteja relacionado na portaria para que o contribuinte, imediatamente, comece a se aproveitar da alíquota zero. É necessária a reflexão sobre estar a atividade listada na portaria aderente ou não às atividades econômicas expressamente mencionadas na lei.
Uma atividade econômica, ainda que tenha seu código CNAE listado na portaria, pode não trazer em si o direito à fruição da alíquota zero para quem a exerce, caso essa atividade não seja relacionada, ainda que indiretamente, à noção mínima de “setor de eventos” mencionado pela lei.
Mais questionamentos aparecem na hipótese de o contribuinte desempenhar mais de uma atividade econômica, caso uma esteja listada na portaria e outra não. Nessa situação, a alíquota zero deveria ser aplicada de modo segregado, separando-se as receitas e o resultado originados das atividades econômicas listadas na portaria das receitas/resultados das atividades que não o estão?
E se uma atividade econômica listada na portaria for prestada ora em favor de um ecossistema pertencente ao setor de eventos e ora não?
As respostas aos questionamentos são incertas. Porém, deve ser sempre lembrado que lacunas normativas ou até aparentes antinomias podem ser dirimidas pela interpretação teleológica da lei, ou seja, pela aferição de sua finalidade.
E, logo em seu primeiro artigo, a lei esclarece sua finalidade: criação de ações emergenciais e temporárias destinadas ao setor de eventos para compensar os efeitos decorrentes das medidas de isolamento para enfrentamento da pandemia da Covid-19.
Na sequência, em seu artigo 2º, a lei institui o Perse especificamente para criar condições para que o setor de eventos possa mitigar as perdas ocasionadas pela pandemia.
A interpretação teleológica da lei leva a uma única conclusão: as ações emergenciais que importam redução de carga tributária — seja a redução da alíquota dos tributos federais para zero, seja a criação de modalidades de renegociação de dívidas — foram criadas em favor de pessoas jurídicas que atuam no setor de eventos. Ainda que listada na portaria, é natural que a atividade deve guardar relação com o setor de eventos.
Mas, a interpretação mais benéfica ao contribuinte também pode ser levantada, já que benefícios fiscais, como a alíquota zero, demandam interpretação literal da lei que os institui, o que afastaria a interpretação teleológica.
Assim, bastaria que uma atividade econômica estivesse relacionada na portaria para que o contribuinte fruísse da alíquota zero.
A portaria também restringiu os benefícios legais, trazendo novas condições para sua fruição:
(i) necessidade de que a atividade econômica já estivesse sendo praticada pelo contribuinte em 04/05/2021 (publicação da lei) e
(ii) quanto ao turismo, necessidade de situação regular do contribuinte no Cadastur (conforme Lei 11.171/2008) também em 04/05/2021.
Portarias do Poder Executivo devem apenas instruir as autoridades administrativas na execução dos comandos legais, mas jamais podem limitar o alcance da lei. A lei concedeu alíquota zero conforme atividade exercida, independentemente de quando ela começou a ser exercida ou da situação cadastral regular do contribuinte.
E, nesta hipótese, mesmo interpretação literal da lei revela respeito à intenção do legislador: redução de perdas do setor de eventos decorrentes da pandemia, a qual ainda produz efeitos negativos.
Assim, é recomendável análise minuciosa das condições em que o contribuinte exerce suas atividades para verificação da elegibilidade para fruição do benefício e, se for o caso, acionamento do Judiciário.

Crédito: Pixabay

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JOTA

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