Rafael Medina Ronzani

O conceito de desinformação habituou-se ao cenário político, tendo em vista o uso indiscriminado de mecanismos de desinformação em massa para atingir a imagem de opositores, criar narrativas irracionais, difundir o ódio e exaltar figuras autoritárias. Tais acontecimentos, contudo, não limitam as possibilidades da desinformação, uma vez que se trata de um fenômeno com faces variadas. Inquieto, pergunto: seria uma dessas faces o suicídio?
Para um jovem estudante de Direito, é nítida a impossibilidade de esgotar o assunto nestas linhas, considerando não apenas a imensidão do saber jurídico, mas a interdisciplinaridade que a temática demanda.
Atualmente, o Projeto de Lei nº 2.630/2020 está provocando enorme repercussão. No afã de se punir disseminadores de fake news, houve uma série de atropelamentos nas votações iniciais, revelando-se a pressa inimiga da perfeição. De sorte, aos parlamentares foram escancaradas as polêmicas do projeto com a ampliação das discussões.
<a href="https://conteudo.jota.info/risco-politico" target="_blank" rel="noopener noreferrer"><img class="aligncenter wp-image-244336 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/04/cta-risco-politico.png" alt="" width="1080" height="1080" /></a>
Na proposta de superar o uso coloquial e político do termo “notícias falsas”, o debate tem englobado termos como comportamento inautêntico coordenado, moderação de conteúdo, liberdade de expressão, proteção de dados pessoais. Ademais, com a Covid-19, o fenômeno ganhou novos contornos, evidenciando-se o impacto direto na saúde e na vida ao se divulgar supostos tratamentos e desvirtuar medidas preventivas à contaminação, sem amparo científico.
Nesse sentido, o presente artigo de opinião busca, sem maior profundidade, incentivar a inclusão de mais um tema no ideal de esfera pública e democracia na internet. Cuida-se de considerações preliminares com o propósito de aproveitar não só a atualidade das discussões no Congresso, mas a chegada do mês em que se intensifica a conscientização sobre prevenção e posvenção<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> do suicídio.
Pode-se chegar a uma definição inicial de “desinformação sobre suicídio” pela exclusão do que se considera adequado ao abordar o tema. Para isso, há parâmetro científico, haja vista as orientações da Organização Mundial de Saúde<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> e as diretrizes da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) em conjunto com o Conselho Federal de Medicina<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>. Dessa forma, desinformação sobre suicídio seria todo conteúdo que não respeitasse tais recomendações técnicas, podendo atingir a integridade física e psíquica da pessoa humana, assim como acarretar prejuízo à vida.
Em que pesem as implicações reais da desinformação sobre suicídio, cita-se, de um lado, o efeito Werther, termo utilizado para definir o efeito imitativo do comportamento suicida devido à veiculação descuidada e irresponsável do tema nos meios de comunicação. De outro lado, cabe mencionar o efeito Papageno, que diz respeito ao impacto positivo da veiculação adequada de informações pela mídia. Tais efeitos são explicados na cartilha da ABP mencionada.
Observa-se que a divulgação na mídia já é, muitas vezes, acompanhada dos devidos cuidados. Não obstante isso, fora dos veículos tradicionais de comunicação, em plataformas nas quais diversos e desconhecidos comunicadores podem alcançar um alto número de usuários, constata-se a circulação de conteúdos inadequados em perfis virtuais sem qualquer preocupação com as diretrizes aludidas, as quais ainda não são satisfatoriamente conhecidas pelas pessoas em geral. Evidentemente, esse desconhecimento há de ser levado em conta na avaliação das medidas cabíveis contra a desinformação.
<blockquote class="jota-article__eye">No tocante ao papel do Estado na garantia de direitos fundamentais, como o inviolável direito à vida (art. 5º, caput, CRFB/88), talvez seja interessante aproveitar as análises de especialistas em cima do projeto que visa a instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet (PL 2630/2020).</blockquote>
Um dos pontos em comum que vislumbro é que aqui a noção de fake também é insuficiente para analisar o problema, pois até mesmo as informações verídicas sobre atos ocorridos, se indevidamente veiculadas, podem acarretar consequências irreversíveis às pessoas afetivamente próximas – conhecidas como sobreviventes enlutados – e a um número indeterminado de pessoas que tenham acesso à desinformação. Em outros termos, uma informação totalmente verdadeira pode configurar desinformação sobre suicídio.
Além disso, relativamente à regulação de comportamentos, e não conteúdos, atentatórios contra a vida, insta registrar que, por meio da recente Lei nº 13.968/2019, o legislador alterou a redação do artigo 122, do Código Penal, incluindo causas especiais de aumento de pena ao agente que pratica a conduta típica, ilícita e culpável por meio de aplicações de internet (conceito do artigo 5º, VII, da Lei 12.965). Vejamos:
Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou a praticar automutilação ou prestar-lhe auxílio material para que o faça:
[...]
<ul>
<li> 4º A pena é aumentada até o dobro se a conduta é realizada por meio da rede de computadores, de rede social ou transmitida em tempo real. </li>
<li> 5º Aumenta-se a pena em metade se o agente é líder ou coordenador de grupo ou de rede virtual.</li>
</ul>
No tipo penal acima, o sujeito passivo – quem desfruta de capacidade de resistência e é induzido (ideia inicial) ou instigado (ideia reforçada) a praticar autoextermínio ou automutilação – deve ser pessoa(s) certa(s) e determinada(s). Isso se mostra incompatível com a divulgação de conteúdos em caráter aberto, geral e indeterminado, de modo que, à primeira vista, o combate a conteúdos inadequados sobre suicídio na internet vai além da criminalização desta conduta.
Logo, parece pertinente uma abordagem do problema dos conteúdos por diversos ângulos, com o fim maior de tutelar os bens fundamentais em jogo. Destaca-se, por exemplo, a importância das práticas de governança nas plataformas; da regulação estatal à luz do Marco Civil da Internet e da possível nova lei; e da sociedade civil organizada, como o Centro de Valorização da Vida (CVV)<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Disponível em: &lt;<a href="https://vitaalere.com.br/sobre-o-suicidio/posvencao/o-que-e-posvencao/">https://vitaalere.com.br/sobre-o-suicidio/posvencao/o-que-e-posvencao/</a>&gt;
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Disponível em: &lt;<a href="https://www.who.int/mental_health/prevention/suicide/en/suicideprev_media_port.pdf">https://www.who.int/mental_health/prevention/suicide/en/suicideprev_media_port.pdf</a>&gt;
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Disponível em: &lt;<a href="https://www.abp.org.br/cartilha-combate-suicidio">https://www.abp.org.br/cartilha-combate-suicidio</a>&gt;
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Disponível em: &lt;<a href="https://www.cvv.org.br/">https://www.cvv.org.br/</a>&gt;

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JOTA

Discussões jurídicas e informações sobre suicídio


Setembro amarelo e a desinformação

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