Ana Carolina Monguilod

Há mais de dois anos, o então secretário da Receita Federal do Brasil, Jorge Antônio Rachid, apresentava e defendia um plano de unificação do PIS e da Cofins. O modelo proposto, segundo apresentação em PowerPoint que circulava no mercado, buscava uma “base de cálculo correspondente ao valor agregado” e com “direito creditório amplo”.
Os objetivos da reforma então proposta eram principalmente: (i) resolver os problemas com os contenciosos relativos à definição de insumo para fins de creditamento de PIS/Cofins e da abrangência da base de cálculo das contribuições, especialmente a exclusão dela de outros tributos, tal qual o ICMS; bem como (ii) acabar com a suposta distorção causada pelo regime no lucro presumido, pois, na sistemática não cumulativa de PIS/Cofins, quem adquire bens e serviços de empresa no lucro presumido normalmente terá crédito de 9,25%, enquanto a empresa fornecedora no presumido recolhe as contribuições a uma alíquota de apenas 3,65%.
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E todas essas preocupações permanecem iguais e muito presentes no novo projeto de reforma do PIS/Cofins, entregue no dia 21 de julho pelo Ministério da Economia para criar uma Contribuição sobre a Receita decorrente de Operações com Bens e Serviços (CBS). Ele parece buscar resolver apenas um ponto adicional: a necessidade do governo de aumentar carga tributária.
Estudiosos indicam que a alíquota necessária para repor a atual carga tributária seria inferior aos 12% propostos. Alguns falam em 10%. Como não foi explicado ao mercado como se chegou aos 12% e o Ministro da Economia já havia declarado publicamente que teria que elevar o “futuro IVA” em uns pontos percentuais para bancar o novo programa “Renda Brasil”, imagina-se que esses percentuais adicionais representem efetivo aumento de carga.
De resto, exceções, que já existem na atual legislação de PIS/Cofins, permanecem no CBS. O material que explica o projeto diz que, “quando todos pagam, todos pagam menos”; mas alguns são mais “todos” do que outros... O SIMPLES continua lá. A Zona Franca de Manaus continua lá. As cooperativas continuam lá.
Respeitamos os argumentos levantados pelo governo, no sentido de que muitas dessas exceções são técnicas ou constitucionais, portanto tendo que ser mantidas. Mas confesso me perguntar se maior barreira não é a “política”. Esses sempre foram grandes entraves para reformas passadas e não mexer nesse vespeiro garante apoios que não existiriam de outra maneira.
Aliás, devemos lembrar que a Medida Provisória nº 66/2002, convertida na Lei nº 10.637/2002 para criar a sistemática não cumulativa de PIS, chegou ao Congresso com apenas sete exceções em seu art. 8º.
Ao longo dos anos, o processo legislativo acabou nos levando a ter mais de trinta na Lei nº 10.833/2003, em seu art. 10, fazendo da legislação do PIS/Cofins uma verdadeira colcha de retalhos.
E a regra virou a exceção. Será que o mesmo não ocorrerá com a CBS? O que nos garante que, ao final do processo de aprovação do projeto de lei proposto ou em alguns poucos anos, não teremos mais um número infindável de exceções para atender a pleitos específicos? As notícias nos jornais indicam que esses pleitos já começaram e o balcão de negociação já está aberto.
O projeto do governo também nasce com um preocupante conceito de creditamento. Só bens e serviços. E os direitos? E os pagamentos de royalties? E os aluguéis? Tributo todas as receitas decorrentes disto e não me credito do que pago? E quais “serviços” exatamente darão créditos? Prestados por quem? E irei me creditar com base em qual tipo de “documento fiscal”? São muitas as dúvidas. Isto não é bom.
Sem fazer juízo de valor, pois isto demandaria análise mais detida, é fato que alguns prestadores de serviços sofrerão aumento de carga. As empresas no lucro presumido saem da alíquota de 3,65% para 12%. É verdade que os prestadores de serviços localizados no meio da cadeia produtiva gerarão créditos.
Contudo, não podemos ignorar os tantos prestadores de serviços que não gozam da mesma situação, como escolas, hospitais, hotéis, profissionais liberais etc. E dizer que o CBS, por se assemelhar a um IVA, será arcado pelo consumidor final e não pelo prestador de serviços não é realista, pois parte da equivocada premissa de que o prestador de serviços sempre consegue repassar ao seu contratante a integralidade do tributo.
E buscar aplacar essas preocupações com a promessa de uma possível futura desoneração de folha, incerta e dependendo da aceitação de um novo tributo, batizado de Contribuição sobre Pagamentos (CP), não acalma ninguém.
Assim, o projeto é familiar, tem motivos que também já conhecíamos e foi apresentado em um contexto de exacerbado apetite por aumento de carga tributária. Infelizmente não resolve o problema da guerra fiscal do ICMS e nem o dilema de se tributar a economia digital pelo ICMS versus ISS. Também não considera as bandeiras defendidas por muitos, de que a tributação sobre o consumo deve se esforçar para ser menos regressiva e mais justa.
Ou seja, parece mesmo focado em resolver os problemas mais imediatos do governo federal. Talvez tenha sim a vantagem de unificar a alíquota, dar transparência ao sistema com a cobrança por fora, testar um suposto IVA em um cenário mais limitado, apenas federal, ou mesmo eliminar muitas exceções (mas com relevante risco de voltarem nas negociações já em curso com grupos de pressão).
A dúvida que fica é se essas “vantagens” seriam suficientes para compensar as tantas outras preocupações. O texto do projeto já causa inúmeras polêmicas e novas frentes de contenciosos serão abertas. Como muitos têm afirmado, a montanha pode ter parido um rato. E há o risco de que esse rato cresça bastante, fique bem gordo e feio.

Reais

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JOTA

Exceções, que já existem na atual legislação de PIS/Cofins, permanecem no CBS

Será o parto da montanha?

Exceções, que já existem na atual legislação de PIS/Cofins, permanecem no CBS