José Cláudio Securato

Ser a nação que tem a moeda de referência traz muitas vantagens e considero isso como a maior vitória econômica dos Estados Unidos. Primeiro, porque os EUA não precisam administrar seu balanço de pagamentos em moeda estrangeira, ou seja, é extremamente vantajoso saber que, se o déficit no setor externo existir, não há risco de quebra do país. Segundo, porque obrigar os demais países do mundo a terem superávits em seus balanços de pagamentos em dólares norte-americanos alimenta a necessidade de aplicação destes em recursos nos próprios títulos da dívida doméstica dos EUA.
Mas vamos voltar um pouco no tempo para entender onde isso tudo começou. Todos se lembram do senhor Isaac Newton como um gênio da ciência, mas poucos se lembram dele como diretor da Casa da Moeda inglesa (1696-1727), cargo para o qual foi nomeado como reconhecimento por sua lealdade e feitos científicos. Newton era obcecado pela alquimia e para os alquimistas, o ouro é a chave para a transformação. Talvez isso explique por que, em 1717, ele estabeleceu que 21 xelins valeria 129,4 gramas de ouro e declarou: "É nossa intenção que esta moeda mantenha seu valor". Dessa forma, Newton cunhou o que conhecemos hoje como "moeda de referência".
A lógica financeira mundial estabelece que qualquer nação organize suas finanças públicas com dois caixas: um em moeda local, outro em moeda estrangeira. Mas o que isso significa? Bom, o caixa em moeda local é um pressuposto da soberania de um país ao ser senhor da sua própria moeda. Por outro lado, o caixa em moeda estrangeira é contabilizado no balanço de pagamentos, uma conta de entrada e saída do dinheiro das transações externas, para financiar importações e exportações, e serviços de todas as naturezas.
Para viabilizar as transações ao redor do globo, diversas organizações e sistemas foram consolidados. O Banco Internacional de Compensações (BIS) e o Society for Worldwide Interbank Financial Communications (<a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/swift-russia-ucrania-geopolitica-encontra-os-meios-de-pagamento-30032022">Swift</a>), por exemplo, contribuem como controle entre os Bancos Centrais das nações e um sistema de pagamentos global, respectivamente.
Com a internacionalização do padrão ouro em 1901, as reservas de ouro de cada país fizeram paridade, de forma organizada e centralizada, em um único papel moeda: a libra esterlina. Mas o desgaste econômico inglês com a Primeira Guerra Mundial, bem como a necessidade de ajuda financeira (e militar) na Segunda Guerra, fez o <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/dolar">dólar</a> acenar como possibilidade para uma nova moeda de referência, afinal ganhar a guerra e estar em outro continente fez o ouro fluir para a América.
Sendo assim, em 1944, os Acordos de Bretton Woods (assinados em solo americano) deram origem a uma nova ordem financeira global com a migração da libra para o dólar na paridade com o ouro. Uma onça de ouro passa a valer US$ 35 e todas as outras moedas foram colocadas numa relação fixa e vinculadas ao dólar.
<h3>As guerras e a possível mudança do padrão dólar</h3>
No pós-Segunda Guerra, os norte-americanos financiaram a Guerra Fria, a reconstrução da Europa, a guerra contra a Opep, guerras ao redor do mundo pela reconquista de antigas colônias de seus aliados e a criação de zona de influências. Até que o mundo questionou a utilização dos dólares para financiar tantas frentes e a existência do ouro para seu respectivo lastro. Desde então o mundo trabalha em um sistema não formalizado, usando o dólar como moeda de transação internacional, sem o ouro como reserva.
A partir deste contexto, com a guerra entre Rússia e Ucrânia vieram os bloqueios econômicos, operacionais, limitações das transações financeiras e os congelamentos de reservas internacionais em dólares. A impossibilidade de os russos fazerem uso dos seus recursos abrem a discussão, apoiada pelos chineses, que questiona por que somente o dólar norte-americano pode ser uma moeda internacional de transações, de reservas e para unidade de conta. Por que o dólar, e somente o dólar, é a moeda de referência?
Um possível efeito econômico para o bloqueio econômico à Rússia é a fragmentação da moeda de referência, por exemplo, o padrão dólar poderia mudar para dólar-euro-yuan, ou simplesmente dólar-euro. Por fim, vejo que a Rússia não possui grandeza para ser um parâmetro econômico (longe disso). A China tem, mas os EUA dificilmente aceitariam. O euro tem e tem mais chances de os EUA o aceitarem. A China também aceitaria o euro, mas aceitaria ainda mais se a União Europeia aceitasse a China. Ou seja, no jogo de poderes, este será o momento de barganhar economicamente e geopoliticamente. De qualquer forma, a discussão está posta: estamos mesmo no fim do padrão dólar?

Dolar-Moeda estrangeira

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JOTA

Possível efeito econômico do bloqueio à Rússia é a fragmentação da moeda de referência

Será o fim do padrão dólar?

Possível efeito econômico do bloqueio à Rússia é a fragmentação da moeda de referência, o padrão dólar, estabelecido após o fim da 2ª Guerra