Paulo Fernando Pinheiro Machado

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A cura para qualquer coisa está na água salgada: no suor, nas lágrimas ou no mar
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— Karen Blixen, The Deluge at Norderney.</footer>
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No último dia 21 de abril, a <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/cij">Corte Internacional de Justiça (CIJ)</a> proferiu seu veredito no caso Violações Alegadas de Direitos Soberanos e de Espaços Marítimos no Mar do Caribe (Nicarágua v. Colômbia). Como a leitora deverá se recordar, esse caso já foi objeto de análise <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/descumprimento-de-sentenca-da-corte-internacional-de-justica-17092021">aqui nesta coluna</a> em setembro de 2021. Trata-se, em essência, de uma demanda movida pela Nicarágua, que alegava que a Colômbia teria descumprido uma decisão anterior da CIJ, de 2012, que estabelecera os limites das plataformas continentais e das zonas econômicas exclusivas das partes.
Material para se compreender a disputa foi o fato de que a decisão de 2012 reconhecia a soberania colombiana sobre uma série de ilhas no Caribe, incluindo o arquipélago de San Andrés e Providência, que fica adjacente à costa nicaraguense. A decisão de 2012 determinava que a fronteira marítima deveria ser estabelecida pelo método das linhas de base reta, cujos pontos de base na costa ainda não haviam sido plotados pela Nicarágua.
A Nicarágua alegou que a Colômbia violara a sua soberania sobre a sua zona econômica exclusiva (ZEE) de diversas maneiras. Em primeiro lugar, a Nicarágua alegava que a marinha da Colômbia teria interferido com embarcações pesqueiras e científicas nicaraguenses em suas águas jurisdicionais, incluindo obstrução de exercícios da marinha nicaraguense. Em segundo lugar, a Nicarágua alegava que a Colômbia teria concedido licenças de exploração de pesca e de realização de pesquisas científicas para seus nacionais e nacionais de terceiros Estados em águas nicaraguenses. Em terceiro lugar, a Nicarágua alegava que a Colômbia pretendia conceder direitos de exploração de hidrocarbonetos em parte das águas jurisdicionais nicaraguenses. Por fim, em quarto lugar, a Nicarágua sustentava que o Decreto Presidencial nº 1946, pelo qual a Colômbia estabelecia uma “zona contígua integral” das ilhas colombianas, invadia águas concedidas à Nicarágua pela decisão de 2012.
A Colômbia, por sua vez, apresentou um argumento interessante em sua reconvenção. Alegou Bogotá que os habitantes do arquipélago de San Andrés gozariam de direitos de pesca tradicionais em áreas localizadas para além das águas territoriais do arquipélago, cujo acesso somente seria possível mediante navegação para além do mar territorial das ilhas. A Colômbia também alegou a ilegalidade do Decreto 33/2013, pelo qual a Nicarágua estabeleceu as suas linhas de base retas. Para Bogotá, essas linhas de base teriam o efeito de expandir para leste as águas jurisdicionais da Nicarágua, invadindo as águas colombianas.
Com relação à primeira queixa nicaraguense, a de que a marinha colombina teria interferido com as suas atividades pesqueiras e científicas em suas águas jurisdicionais, a CIJ entendeu que, com base na evidência documental disponível, a Colômbia, de fato, infringiu os direitos soberanos da Nicarágua. A Corte notou que Bogotá argumentou que a sua ação na área era permitida como um exercício de sua liberdade de navegação e de sua obrigação internacional de proteger o meio-ambiente marinho no sudoeste do Mar do Caribe.
Segundo a CIJ, "de acordo com o direito internacional consuetudinário sobre a zona econômica exclusiva, a Nicarágua, como Estado costeiro, goza de direitos soberanos para administrar as atividades pesqueiras e de jurisdição para tomar medidas para proteger e preservar o meio ambiente marítimo em sua zona econômica exclusiva. A prova perante a Corte mostra que a conduta das fragatas navais colombianas nas zonas marítimas da Nicarágua não se limitou a 'observar' atividades de pesca predatórias ou ilegais ou 'informar' as embarcações pesqueiras de tais atividades, como alega a Colômbia. Essa conduta muitas vezes equivalia a exercer controle sobre as atividades pesqueiras na zona econômica exclusiva da Nicarágua, implementar medidas de conservação em navios de bandeira nicaraguense ou licenciados nicaraguenses e dificultar as operações de navios da Marinha da Nicarágua. A Corte considera que os argumentos jurídicos da Colômbia não justificam sua conduta na zona econômica exclusiva da Nicarágua. A conduta da Colômbia é uma violação das regras consuetudinárias do direito internacional, conforme refletidas nos artigos 56, 58 e 73 da CNUDM”.
Com relação à alegação de que a Colômbia teria autorizado atividades pesqueiras e científicas na ZEE da Nicarágua, a CIJ analisou as resoluções do governador do arquipélago de San Andrés e concluiu que a inclusão expressa nelas da área de pesca “La esquina ou Luna Verde” era um indicativo de que a Colômbia continuava a afirmar direitos sobre a ZEE da Nicarágua. Com relação às provas de ações concretas na área, a CIJ concluiu que elas revelavam que a Colômbia de fato havia se engajado em atividades pesqueiras na ZEE da Nicarágua, frequentemente com a proteção de fragatas e que Bogotá. A despeito disso, reconhecia que a área de Luna Verde pertencia à ZEE da Nicarágua. Com relação à alegação de condução de atividades científicas por parte da Colômbia na área em questão, por outro lado, a CIJ não encontrou evidências suficientes no conjunto probatório apresentado.
Com relação às alegações de licenciamento para exploração de petróleo na região contestada por Bogotá, a CIJ entendeu que o conjunto probatório demonstrava que 11 blocos de exploração haviam sido licitados, dos quais dois concedidos em 2011, mas que a Colômbia teria suspendido a assinatura dos contratos e não pretendia seguir com as concessões. Manágua concedeu o ponto, não o apresentando durante as audiências do caso. A CIJ concluiu, então, que a Colômbia não violou os direitos soberanos da Nicarágua pela oferta de contratos de exploração de hidrocarbonetos.
No que diz respeito ao questionamento da “zona contígua integral”, estabelecida pelo Decreto 1946 da Colômbia, a CIJ reconheceu que a sua Decisão de 2012 não delimitara as zonas contíguas das partes. A Corte ressaltou, contudo, que em princípio, a Colômbia teria o direito de estabelecer uma zona contígua em área sobreposta à ZEE da Nicarágua, porque, dado que se tratam de espaços com regimes distintos, cada parte teria de respeitar o direito da outra de exercer o seu regime específico com relação à área comum.
A Corte observou que “a zona contígua e a zona econômica exclusiva são regidas por dois regimes distintos. Considera-se que o estabelecimento por um Estado de uma zona contígua numa determinada área não é, em geral, incompatível com a existência de uma zona econômica exclusiva de outro Estado na mesma área. Em princípio, a delimitação marítima entre a Nicarágua e a Colômbia não anula o direito da Colômbia de estabelecer uma zona contígua ao redor do Arquipélago de San Andrés. A Corte acrescenta que, segundo o direito do mar, os poderes que um Estado pode exercer na zona contígua são diferentes dos direitos e deveres que um Estado costeiro tem na zona econômica exclusiva. As duas zonas podem sobrepor-se, mas os poderes que nelas podem ser exercidos e a extensão geográfica não são os mesmos. A zona contígua baseia-se na extensão do controle do Estado costeiro para fins de prevenção e punição de certas condutas ilegais segundo suas leis e regulamentos nacionais, enquanto a zona econômica exclusiva, por outro lado, é estabelecida para salvaguardar a os direitos soberanos do Estado costeiro sobre os recursos naturais e a jurisdição em matéria de protecção do meio ambiente marinho. No exercício dos direitos e deveres sob qualquer regime, cada Estado deve ter em devida conta os direitos e deveres do outro Estado”.
No caso concreto, contudo, a CIJ entendeu que o estabelecimento de uma linha contígua reta por parte da Colômbia pode ser feito até o limite das 24 milhas náuticas, conforme o disposto no artigo 33 da CNUDM, mas que não poderia estendê-la para além desse limite. A Corte também entendeu que a redação do Decreto 1946 conferia à Colômbia uma série de prerrogativas a mais do que o direito costumeiro do mar consagra aos Estados em suas zonas contíguas e que essas prerrogativas adicionais eram conflituantes com os direitos da Nicarágua sobre a sua ZEE. A CIJ concluiu, portanto, que o Decreto 1946 não estava de acordo com o direito costumeiro do mar e que a Colômbia teria a obrigação de remediar a situação, pelos métodos que lhe fossem mais convenientes.
No que tange à reconvenção colombiana, de que a Nicarágua teria ofendido os direitos de pesca tradicionais das populações de San Andrés, que por séculos teriam acesso a áreas pesqueiras, constituindo um costume internacional local, a CIJ entendeu que a Colômbia não foi capaz de desincumbir-se do ônus da prova. Em particular, Bogotá apresentou 11 declarações juramentadas de pescadores, o que a Corte entendeu ser uma prova confeccionada especificamente para fins processuais e emitida por interessado no resultado da lide, o que, segundo a CIJ, teria um valor probativo reduzido. A Corte também considerou que a alegação colombiana era inconsistente com as posições que Bogotá havia defendido em outras ocasiões.
A CIJ, por fim, debruçou-se sobre o segundo ponto da reconvenção colombiana, que alegava que o Decreto 33 da Nicarágua, ao estabelecer as linhas de base retas, haveria violado os diretos soberanos da Colômbia sobre suas áreas marítimas. Esse é talvez o ponto mais técnico de todo o caso. O fundamental aqui é a leitora ter em mente que Manágua sustenta que a sua costa é “profundamente recuada e cortada”, o que lhe daria a prerrogativa de estabelecer a fronteira pelo método das linhas de base retas e não o das linhas de base normais.
A CIJ reconheceu que aparentemente não haveria um método único para se determinar quando uma linha costeira é “profundamente recuada e cortada”. A Corte, assim, “é de opinião de que as reentrâncias ao longo da porção relevante da costa da Nicarágua não penetram suficientemente no interior ou apresentam características suficientes para considerar a referida porção como “profundamente recuada e recortada”. Assim, lembrando que o método de linhas de base retas “deve ser aplicado de forma restritiva”, a Corte considera que o segmento de linha de base entre os pontos de base 8 e 9 definido pelo Decreto 33, conforme alterado, não está em conformidade com o direito internacional consuetudinário sobre o desenho de linhas de base retas conforme refletido no Artigo 7, parágrafo 1, da CNUDM”.
O veredito da Corte Internacional de Justiça (CIJ) no caso Violações Alegadas de Direitos Soberanos e de Espaços Marítimos no Mar do Caribe (Nicarágua v. Colômbia), em suma, apresenta importantes desenvolvimentos para o Direito Internacional do Mar. Dentre os quais chama à atenção a posição da Corte de que, ao menos em princípio, a zona contígua de um Estado possa se sobrepor à ZEE de um outro Estado. Trata-se de um posicionamento significativo em contraposição à opinião dominante, que tende a privilegiar uma fronteira única, com áreas sobrepostas internas somente a uma mesma jurisdição estatal, em que pesem as dificuldades de estabelecimento de uma fronteira única dentro do regime da CNUDM. O reconhecimento pela CIJ da possibilidade de Estados opostos e adjacentes estabelecerem jurisdições sobre uma mesma área, ainda que em regimes distintos, poderá levar, em um futuro próximo, a um aumento considerável da litigância internacional. Victoria concordia crescit.

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JOTA

Veredito da Corte apresentou importantes esclarecimentos sobre a evolução do Direito Internacional do Mar

Sentença da CIJ no caso Nicarágua v. Colômbia

CIJ: Recente veredito da corte mundial apresentou importantes esclarecimentos sobre a evolução do Direito Internacional do Mar