Este artigo se debruça sobre o atual cenário do seguro garantia como forma de caucionar as execuções trabalhistas, especificamente em relação às questões de ordem prática que surgiram com a ferramenta. Destaca-se os motivos da recente inclusão na legislação específica, a posição dos Tribunais, os argumentos a serem utilizados quando da refutação da garantia, entre outros. Além disso, passa pela análise do passo a passo para a obtenção da apólice, etapa complexa e pouco favorável aos pequenos negócios.
Antes de adentrarmos nas exigências formais para a elaboração e aprovação do seguro garantia judicial, cabe-nos trazer os motivos pelos quais esta garantia foi incluída na CLT, dentre os meios de caucionamento do crédito trabalhista executado judicialmente.
Diante do atual cenário econômico brasileiro, muitas empresas necessitam reforçar seu fluxo de caixa para fazer frente às suas despesas cotidianas, pois nada é mais prejudicial a uma organização do que ter parte de seus ativos financeiros bloqueados ou ter que realizar um depósito judicial sem a devida disponibilidade de caixa. Isso gera um forte impacto na finança empresarial e assim, diante da necessidade de uma garantia que possa ser aceita com segurança pelo Poder Judiciário, a melhor forma é a que não constrita os bens ou capital da empresa, logo, o seguro garantia parece ser a forma de garantia menos onerosa em um processo trabalhista.
Outrossim, economicamente é a forma mais viável para a garantia do crédito, pois, as apólices apresentam um custo bem inferior ao da fiança bancária ou depósito em dinheiro, não comprometem o fluxo de caixa, com isso o capital de giro fica disponível para novos investimentos, além de não afetar a linha de crédito e a capacidade de pagamento da organização.
Por conseguinte, houve recente alteração no art. 882 da CLT, advinda da lei 13.467/2017. A norma adicionou o seguro garantia judicial ao rol de ferramentas que podem ser utilizadas como garantia, juntamente com a fiança bancária, o depósito judicial e a nomeação de bens à penhora.
Esta forma de garantir a execução já era assegurada nos artigos 835, § 2º e 848, do Código de Processo Civil[i], os quais previam a substituição da penhora por carta de fiança ou seguro garantia judicial, porquanto tais garantias se equiparariam a dinheiro para efeito de gradação dos bens penhoráveis.
Por outro lado, a utilização judicial desse instrumento ainda é desconhecida e vista com reserva por parte dos juízes de primeiro grau, mesmo diante da pregressa existência da hipótese no Código de Processo Civil, de aplicação subsidiária no processo do trabalho, o que põe em risco a plena utilização dessa ferramenta que, além de adequada, é segura e eficaz para a consecução de sua finalidade.
Os recentes argumentos utilizados pelos magistrados de primeiro grau para refutar a aceitação do Seguro Garantia são:
- Inaplicabilidade do art. 835 do CPC ao processo do Trabalho;
- A modalidade de garantia não detém liquidez imediata, prejudicando a satisfação da dívida trabalhista, de cunho alimentar;
- Em casos em que existe valor incontroverso, seria totalmente desnecessário e protelatório a indicação de seguro garantia, pois inviabiliza a liberação imediata do crédito incontroverso ao Reclamante;
- A apólice de seguro como forma de garantia do juízo, não obedece a gradação estabelecida pelo artigo 835 do NCPC/2015, tendo preferência, em primeiro lugar, o dinheiro, ainda mais por se tratarem as devedoras de empresas sólidas e de forte liquidez (instituição financeira);
- Prazo de vigência da apólice, os juízes entendem que a apólice deve ser por prazo indeterminado para que a execução não perca a sua garantia.
Todavia, referidos argumentos podem ser de plano refutados através da via mandamental, sob os seguintes fundamentos.
Primeiro, é importante lembrar-se da recente alteração do artigo 882 da CLT, advinda da Lei nº 13.467/2017, que adicionou o seguro garantia judicial ao rol de ferramentas que podem ser utilizadas como garantia do juízo.
Por tal motivo, não há mais que se falar em inaplicabilidade do artigo 835 do CPC ao processo trabalhista, já que a CLT passou a ter previsão expressa sobre a possibilidade de utilização do seguro garantia, somando-se a isso o teor da OJ nº 59 da SDI-2 do C. TST [ii], e o entendimento majoritário nos E. TRTs da 2º e 15ª Região. [iii]
No que tange à validade da apólice do seguro garantia, cumpre registrar que não há previsão legal de prazo mínimo para que seja válida a garantia por meio da apólice. E o que a lei não prevê, não cabe ao intérprete fazê-lo, nos moldes do artigo, 5º, inciso II, da Magna Carta.
À míngua de legislação sobre o tema, a Portaria n.º 164, de fevereiro de 2014, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, em seu art. 3º, inciso VI, alínea “a”, estabelece um período mínimo de vigência de 2 (dois) anos para a apólice. Tal norma aplica-se aos executivos fiscais, de utilização subsidiária pelo processo do trabalho, ex vi do disposto nos artigos 769 e 889 da CLT.
Observa-se que 2 (dois) anos é um prazo relativamente razoável, além do que, a maioria das apólices consignam expressamente renovação automática. Verifica-se ainda nas apólices, a previsão da possibilidade de prorrogação mediante endosso, portanto em hipótese alguma o Juízo não ficaria desguarnecido.
Outrossim, se o problema fosse a vigência da apólice, bastaria que o juízo, próximo a data da expiração, procedesse com a intimação da parte executada, para a renovação da apólice.
Ademais, não há no mercado securitário apólices com vigência indeterminada devido a necessidade da determinação de um prazo inicial para a precificação do valor a ser cobrado pela garantia solicitada ao tomador. Por tal razão, caso o Poder Judiciário pátrio aceite apenas apólices sem vigência determinada, não será possível a utilização do seguro garantia.
Além do mais, é necessário relembrar um dos princípios basilares da execução, que preceitua que a execução deve se dar da forma menos onerosa para o devedor, de modo que não haja prejuízo ao credor, merecendo ainda mais a atenção deste princípio nas execuções provisórias. Neste sentido já decidiu o C. TST[iv].
Superadas as questões acima, passa-se a análise do caminho a ser percorrido pela empresa, em busca da obtenção de um seguro garantia.
Sabe-se que a contratação de seguro garantia judicial não é tão simples, pois o procedimento é criterioso e depende de alguns passos até que a apólice seja emitida. O primeiro deles, é o cadastro de documentos. A empresa precisa enviar à seguradora uma série de documentos, dentre eles, os 3 últimos balanços patrimoniais, os demonstrativos de resultado do exercício com a assinatura do contador ou responsável financeiro, contrato social com a última alteração consolidada, além dos dados cadastrais dos sócios e um relatório sobre o processo, para que a seguradora entenda a atual situação do caso, como por exemplo o tipo de recurso a ser apresentado, ou então o andamento da eventual execução, bem como o valor da garantia e a estratégia da defesa.
Com os documentos acima, a seguradora fará uma análise, informando, subsequentemente, o total de crédito disponível para a empresa.
Feito o cadastro e a análise do crédito, a seguradora apresentará um cálculo com o limite máximo de garantia (tamanho da garantia) e prêmio (preço). Após, a seguradora poderá exigir a assinatura do Contrato de Contra Garantia. Por fim, superados esses trâmites, a seguradora ainda tem um prazo para responder se concederá ou não o seguro pretendido.
Somente após isto (o aceite da seguradora) a apólice será emitida, sendo ela o resultado final de todo este processo, a evidência que atestará a cobertura securitária e será o documento a ser apresentado ao juiz ou tribunal como garantia do débito.
Há, no entanto, um problema de ordem prática no processo de obtenção do seguro: o curto prazo que as empresas geralmente possuem para conseguir a emissão da apólice. Explica-se.
Imagine-se, em hipotética situação, que o juiz ao homologar os cálculos, intime a reclamada a realizar o pagamento ou a garantia da execução no prazo de 48h, nos moldes do artigo 880 da CLT. Neste caso, é provável que a emissão da apólice não ocorra a tempo, haja vista o largo lapso temporal que se leva da solicitação à obtenção. Em decorrência disto, se as empresas não se anteciparem, a utilização do seguro garantia poderá se tornar inviável, operacionalmente falando.
Pelo exposto, é possível concluir que o ordenamento jurídico trabalhista viabiliza ao devedor a indicação do seguro garantia como garantia da execução, além de ser uma forma eficaz, que atinge a sua finalidade, qual seja de assegurar uma execução, seja pelos fundamentos expostos, seja pela constatação de que uma aprovação de apólice securitária já atesta a capacidade financeira das empresas, vez que o procedimento de obtenção é bastante criterioso.
Assim, diante do disposto na legislação vigente, bem como pelo entendimento consubstanciado dos Tribunais Trabalhistas, espera-se que o seguro garantia judicial seja prontamente aceito pelos juízes de primeiro grau, evitando-se, assim, o abarrotamento de ações mandamentais, já que a decisão que recusa o seguro garantia judicial oferecido dentro dos parâmetros traçados pela legislação e jurisprudência viola direito líquido e certo do executado. Além disso, que sirva o presente texto de reflexão às seguradoras, a fim de que desenvolvam formas de tornar o procedimento de obtenção das apólices mais célere e menos burocratizado.
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[i] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm.
[ii] 59. MANDADO DE SEGURANÇA. PENHORA. CARTA DE FIANÇA BANCÁRIA. Seguro garantia judicial (nova redação em decorrência do CPC de 2015) - Res. 209/2016, DEJT divulgado em 01, 02 e 03.06.2016.
[iii] MANDADO DE SEGURANÇA. SUBSTITUIÇÃO DE PENHORA DE NUMERÁRIO POR CARTA DE FIANÇA BANCÁRIA PARA GARANTIA DO JUÍZO. POSSIBILIDADE. Considerando os termos do art. 620 do CPC, fere direito líquido e certo do impetrante a recusa da garantia oferecida por meio de carta de fiança bancária, observado o art. 656, § 2º, do CPC, e a determinação de penhora de numerário. Aplicação da Orientação Jurisprudencial 59 da SDI-2 do C. TST.
Com efeito, quando se apresenta o seguro garantia judicial ou carta de fiança bancária, condizente com o regramento legal, eis que observados os termos do artigo 835, § 2º do CPC, no que diz respeito ao oferecimento de valor 30% superior ao devido, para a garantia da execução.
Processo SDI - 3 Nº 1003946-88.2017.5.02.0000 - Mandado de Segurança - Impetrante: Elevadores Atlas Schindler Ltda - Impetrado: Ato do MMº Juiz da 67ª Vara do Trabalho de São Paulo - Litisconsorte: Vander Franchi dos Santos - Indicação de seguro fiança judicial para garantia da execução. Possibilidade. O ordenamento jurídico viabiliza ao devedor a indicação de bens para garantir a execução (art. 882, da CLT), desde que observada a ordem de gradação prevista no artigo 835, do CPC, que equipara a fiança bancária e o seguro garantia judicial a dinheiro (parágrafo 2º do dispositivo referenciado). Destarte, plenamente aceitável a garantia da execução por meio de apólice de seguro judicial, desde que em valor superior ao débito e acrescido de 30%, nos termos do § único do art. 848, do CPC e da OJ 59, da SDI-II, do TST. A decisão que recusa seguro garantia judicial oferecido dentro dos parâmetros traçados pela legislação e jurisprudência apontadas viola direito líquido e certo. Segurança concedida.
[iv] RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ATO COATOR CONSUBSTANCIADO NO INDEFERIMENTO DE GARANTIA DO JUÍZO POR MEIO DE SEGURO FIANÇA. DECISÃO PROFERIDA EM EXECUÇÃOPROVISÓRIA. ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL 59 DA SBDI-2, DO TST. Trata-se, a hipótese, de mandado de segurança impetrado contra decisão proferida na reclamação trabalhista matriz, em execução provisória, que rejeitou a oferta formulada pela executada de garantia do juízo por meio de seguro garantia. Observe-se que nos termos do art. 835 do CPC/2015, a garantia da execução por meio de seguro fiança bancário é eficaz. Nesse contexto, ainda que o seguro ofertado tenha data de validade, a rejeição da oferta de seguro garantia, em execução provisória, fere direito líquido e certo de que a execução seja processada da forma menos gravosa ao executado. Incide à hipótese o óbice contido na Orientação Jurisprudencial 59 da SBDI-2, do TST. Dessa forma, constata-se que a decisão proferida pelo Tribunal Regional, que denegou a segurança, afrontou direito líquido e certo do impetrante. Precedentes desta SBDI-2. Recurso ordinário conhecido e provido. (RO - 20247-73.2017.5.04.0000 , Relatora Ministra: Maria Helena Mallmann, Data de Julgamento: 10/10/2017, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 13/10/2017). (g.n)