Brunno Ribeiro Lorenzoni

Mariana Zechin Rosauro

Recentemente tivemos grande repercussão midiática com o julgamento da denominada “tese do século”. Especialmente por ocasião do julgamento dos embargos de declaração opostos pela Fazenda Nacional no RE 574.706, e que todos acompanharam voto a voto o desfecho de um “filme” que poderia ter sido intitulado A História sem fim, dados os anos de julgamento e todas as peculiaridades só conhecidas nesse país, como nessa obra cinematográfica dos anos 80.
O enredo para lá de peculiar foi desgastante para os contribuintes. Mas, ao final, acabou prevalecendo depois de mais de 20 anos de julgamento (considerando que o RE 240.785 foi distribuído em 1999 perante o Supremo Tribunal Federal) o respeito à Constituição Federal.
<a href="https://www.jota.info/produtos/tributos?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Tributos_materias" rel="attachment wp-att-291213"><img class="size-medium wp-image-291213 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-tributos-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a>Aliás, extraímos do acórdão dos embargos de declaração publicado no dia 12.08.p.p. importantes premissas que impactam, nesse momento, o julgamento do RE 592.616 no qual o plenário virtual voltará a examinar se o montante do ISS pode compor a base de cálculo do PIS e da Cofins no próximo dia 20 de agosto, até o presente momento sem tanta mídia e histeria como outrora. Senão vejamos.
Ao apreciar os embargos de declaração opostos no RE 574.706 o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) proclamou inexistir omissão, obscuridade ou contradição no que tange à análise do conceito constitucional de faturamento e receita bruta, como se verifica dos termos do voto da min. relatora Cármen Lúcia, no que foi acompanhada pela maioria dos seus pares:
“O que ficou decidido no julgado embargado foi que a definição constitucional de receita, acolhida na al. b do inc. I do art. 195 da Constituição do Brasil não se confunde com o conceito contábil de receita.
O fundamento adotado pela corrente majoritária e expressamente constante do voto condutor, e dos que o acompanharam, é o de que a definição constitucional de faturamento/receita, base de cálculo para incidência de tributos específicos, alinha-se ao conceito adotado, por exemplo, por Aliomar Baleeiro, segundo o qual a receita (para esse específico fim) é o ingresso financeiro que se integra no patrimônio na condição de elemento novo e positivo, sem reservas ou condições. Esta inteligência está na linha de precedentes deste Supremo Tribunal. Nas palavras da ministra Rosa Weber: (...)”. (Destacamos).
Ao final, no entanto, o plenário entendeu pela necessidade de modular os efeitos da decisão. E, sobre tal ponto, chamamos a atenção do leitor para a premissa estabelecida.
Ao dissecarmos o acórdão supra, nos deparamos com o entendimento de que, para maioria dos ministros, teria havido mutação jurisprudencial no dia 15 de março de 2017, quando julgado o mérito do aludido RE 574.706, porquanto o RE 240.785, do mesmo tema, não teve repercussão geral e, assim, prevaleceria até aquela data o entendimento adotado pelo STJ (não vamos opinar sobre tal questão, eis que irrelevante ao presente artigo). Nesse sentido foi o voto condutor da min. Cármen Lúcia seguido pela maioria dos ministros presentes no plenário:
“Tem-se, das discussões postas no Recurso Extraordinário nº 240.785, que o plenário deste Supremo Tribunal, naquele julgamento, optou por não dotar o julgado de efeitos erga omnes, aguardando para fazê-lo neste processo, que, naquela data, tinha tido a matéria nele constante reconhecida como de repercussão geral.
(...)
Foi esta circunstância de busca de se evitar insegurança jurídica decorrente de modificação na jurisprudência que conduziu à autocontenção deste Supremo Tribunal no julgamento daquele recurso extraordinário nº 240.785. Se no novo julgamento se concluísse contrariamente à interpretação dada majoritariamente pelos atuais e pelos ex integrantes deste Supremo Tribunal Federal, que tinham proferido seus votos no recurso extraordinário nº 240.785 haveria nova mudança de entendimento, em detrimento do princípio da segurança jurídica.
(...)
A atual incidência da sistemática de repercussão geral, com efeitos erga omnes e vinculante aos órgãos da Administração Pública e ao Poder Judiciário, recomenda o balizamento dos efeitos do que decidido neste processo, para preservar a segurança jurídica dos órgãos fazendários, ressalvados os casos ajuizados até a data da sessão de julgamento, em 15 de março de 2017. 
Admissível a produção de efeitos retroativos para os cidadãos que tinham questionado judicial ou administrativamente a exação, até a data daquela sessão de julgamento. 
Como enfatizado em alguns dos votos vencidos, a orientação deste Supremo Tribunal, em sede de repercussão geral, rompe com a jurisprudência até então consolidada no Superior Tribunal de Justiça”.
A premissa adotada pelos julgadores, portanto, foi a de que em 15 de março de 2017 houve alteração jurisprudencial com relação ao que o STJ havia estabelecido anteriormente.
E por que tal premissa já conhecida e salientada nesse texto é tão significativa?
Porque no caso da exclusão do ISS da base do PIS e da Cofins, não há qualquer modificação jurisprudencial!
O plenário da Corte Maior entendeu que há 4 (quatro) anos e 5 (cinco) meses foi alterada uma jurisprudência que, desde lá, se mantém sólida. Tanto assim, que no dia 12.08.p.p. foi publicado acordão demonstrando inexistir qualquer vício do julgamento do RE 574.706. E, ademais, desde março de 2017 muitos processos foram julgados pelos demais órgãos do Poder Judiciário com a aplicação da tese fixada no tema 69 de repercussão geral e tiveram seu trânsito em julgado. Logo, a jurisprudência se mantém estável, íntegra e coerente deste então e, evidentemente, não pode de forma alguma ser alterada com o julgamento do RE 592.616.
Até mesmo porque, e sem maiores delongas, consoante amplamente sabido, o RE 592.616 sempre foi atrelado ao desfecho do RE 574.706.
Nesse sentido, quando do reconhecimento da repercussão geral, o então min. relator Menezes Direito fez constar do seu voto: “[...] Entendo que a matéria constitucional discutida nestes autos, porque trata de tema análogo ao RE Nº 574.706/PR, relatora a ministra Cármen Lúcia, que discute a constitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo da contribuição ao PIS e da Cofins, cuja repercussão geral foi reconhecida no plenário dessa Corte, transcende o interesse subjetivo das partes e possui relevância suficiente para viabilizar o julgamento do recurso extraordinário por este Supremo Tribunal Federal [...]”.
Na mesma assentada, o min. Marco Aurélio fez constar: “[...] No mais, bem disse o proficiente ministro Menezes Direito sobre a relevância do tema de fundo. Incumbe ao Supremo definir o alcance dos vocábulos “receita” e “faturamento” contidos na Constituição Federal. Cabe a esta Corte manifestar-se a respeito da inserção, na base de cálculo da contribuição para o PIS e da Cofins, de tributo da competência do município – o Imposto sobre serviços [...]”.
Como se vê, o RE 592.616 teve a repercussão geral reconhecida com base no RE 574.706, por serem as matérias neles circunscritas exatamente similares (conceito constitucional de faturamento e receita – art. 195, I, ‘b’ da CF).
Tanto assim, que em fevereiro de 2012 o RE 592.616 acabou sobrestado para se aguardar a decisão final a ser proferida na ADC nº 18 (que versava exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins), que era, naquele momento de alteração legislativa e, sobretudo, de entendimento do plenário do STF, a ação que detinha prevalência sobre os processos de controle difuso do mesmo tema. Veja-se a decisão do então relator, ministro Celso de Mello:
“A existência de nexo de prejudicialidade entre a matéria versada na presente sede recursal extraordinária e o tema objeto de indagação na ADC 18/DF justifica o acolhimento do parecer da douta Procuradoria-Geral da República, cujos fundamentos adoto como razão de decidir.
 Sendo assim, determino o sobrestamento dos presentes autos, na Secretaria Judiciária desta Corte, até o julgamento, que deverá ocorrer brevemente, da mencionada ADC 18/DF, de que sou relator”. (destaques do original)
<blockquote class="jota-article__eye">Tal fato, agora, demonstra-se relevantíssimo pois, como restou assentado, o RE 592.616 só seria examinado após o STF definir o conceito constitucional de faturamento/receita nos casos que tratavam do ICMS.</blockquote>
Vale dizer, se até aquela data existia dúvida acerca da matéria de mérito, deviria o aludido recurso (do ISS) aguardar a solução definitiva de outra ação (do ICMS) que se daria com efeitos erga omnes.
Logo, o entendimento fixado quando do julgamento do RE 574.706 deve ser aplicado ao caso do ISS, de modo a manter íntegra a jurisprudência, consoante expressam os artigos 926<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> e 927<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, do CPC. Nesse sentido, inclusive, o min. Celso de Mello provocou as partes no RE 592.616: “Ouçam-se as partes, considerado o julgamento, pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, do RE 574.706-RG/PR, rel. min. CÁRMEN LÚCIA, no qual esta Suprema Corte reconheceu a inconstitucionalidade a inclusão do valor do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins”.
Não há que se cogitar alteração jurisprudencial neste momento, haja vista que, como muito bem esclareceu o min. Celso de Mello em seu voto substancial proferido no início do julgamento virtual do RE 592.616, o STF definiu ser incompatível com a Constituição a inclusão do ISS na base de cálculo do PIS e da Cofins, por violar o conceito constitucional de faturamento disposto no artigo 195, inciso I, “b” da Carta da República.
Mas não é só! Mais relevante ainda é observar que não há, por decorrência lógica, qualquer efeito de surpresa com a decisão a ser proferida no RE 592.616 capaz de atrair uma modulação.
O § 3º do artigo 927 do CPC é claro ao dispor que poderá haver modulação na hipótese “de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos”, naturalmente se preservando o interesse social e a segurança jurídica.
Considerando que a replicação do julgamento do RE 574.706 (ICMS) para a solução do RE 592.616 (ISS) não implica alteração jurisprudencial, mas, pelo contrário, reafirmação do quanto resolvido há 4 anos e meio, não existirá qualquer surpresa para os jurisdicionados, Fisco e Contribuintes, especialmente diante do vínculo estabelecido pelo STF entre os dois casos, cujo resultado de um ficou desde o início atrelado ao desfecho do outro.
Aqui vale abrir um parêntese para lembrar que o RE 592.616 teve o seu julgamento iniciado em 14 de agosto de 2020, ou seja, 3 anos e meio depois de “alterada a jurisprudência”, tendo sido suspenso em 24.08.2020 (há um ano) por pedido de vista do ministro Dias Toffoli.
Isso significa dizer que o argumento posto para modulação dos efeitos do julgamento do RE 574.706 não pode ser estendido para esse novo julgamento (do RE 592.616), pois não se terá, aqui, a lá alegada ruptura jurisprudencial, mas, sim, a aplicação do entendimento que tem vigência há mais de 4 anos, ou seja, há longa data conhecido de todos. Vejam, quem pronunciou que a alteração jurisprudencial se deu em 15 de março de 2017 foi o próprio plenário do STF.
O acima exposto demonstra robustamente inexistir qualquer possibilidade de alteração da jurisprudência nesse momento, afastando-se por completo a modulação de efeitos nessa fase do RE 592.616. Entendimento contrário ferirá de morte a segurança jurídica, abalando os critérios capazes de permitir e nortear o jurisdicionado para uma compreensão do significado desse princípio da confiança legítima de valor constitucional.
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<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:
I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
II - os enunciados de súmula vinculante;
III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;
V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.
§ 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.

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JOTA

Recurso julga a exclusão do ISS da base do PIS e da Cofins

Segurança jurídica: princípio a ser preservado na conclusão da tese do século

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