Marlene de Fátima Ribeiro Silva

Como cediço, a segurança jurídica deve ser a palavra de ordem e a balizadora para qualquer relação jurídica, incluindo-se neste contexto a previdência complementar.
Não por outro motivo, a segurança jurídica deve ser pautada em regras estáveis, certas, previsíveis e calculadas, por ser o mecanismo eficiente e o critério de certeza de que o contrato será executado na conformidade dos seus termos, elidindo a instituição de custeios adicionais provocados por interpretações em dissenso ao contexto legal e regulamentar.
Neste viés da segurança jurídica, rememore-se que as entidades fechadas de previdência complementar passaram a contar com os efeitos de uma decisão fixada em repercussão geral pelo <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stf">Supremo Tribunal Federal</a> (STF), decorrente da afetação dos Recursos Extraordinários 586.453 e 583.050, em que, após os correspondentes julgamentos, foi atribuída a competência exclusiva da Justiça Comum para processar as controvérsias oriundas e fundadas no contrato previdenciário.
Tal decisão mereceu aplausos por se coadunar com a própria dicção da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/constituicao-federal">Constituição Federal</a> e da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp109.htm">Lei Complementar 109/2001</a>, prestigiando o custeio devido pelas partes (individual e patronal) e a própria preservação do contrato previdenciário, onde as relações jurídicas firmadas estão submetidas a regime de direito privado, baseado na autonomia da vontade e na força obrigatória contributiva, tudo exercido nos limites pactuados.
Nada obstante a pacificação do referido conflito pelo STF, a questão da segurança jurídica do contrato de previdência de plano multipatrocinado, sem embargo, não vem sendo observada em suas especificidades, notadamente no tocante à segregação de obrigações entre os diversos patrocinadores que se submetem a um mesmo arcabouço previdenciário, mesmo quando estabelecido pela LC 109/2001, no § 1º, art. 13, que a admissão da solidariedade entre os patrocinadores somente é admitida se ajustada essa condição em convênio de adesão.
Embora a solidariedade não se presuma, percebe-se que o mecanismo está ameaçado no caso envolvendo o Plano de Benefícios 1 administrado pela Previdência Usiminas e patrocinado por duas empresas – Cofavi e Usiminas –, objeto do Recurso Especial nº 1.964.067/ES, cujo julgamento foi sobrestado pela 2ª Seção do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stj">Superior Tribunal de Justiça</a> (STJ), na sessão do último dia 23 de março, a partir da divergência inaugurada pela ministra Maria Isabel Gallotti, ocasionando o pedido de vista do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.
O caso da Previdência Usiminas chamou a atenção de todo o segmento previdenciário pela interpretação de presunção de solidariedade entre patrocinadoras, mesmo diante da inexistência de previsão contratual para este propósito. Em assim sendo, não poderia uma patrocinadora em situação de regularidade contratual, inclusive sob o prisma contributivo, assumir o conjunto de obrigações a que se submeteu a outra patrocinadora, ainda que se trate de mesmo plano de benefícios e com uma única inscrição no Cadastro Nacional de Plano de Benefícios (CNPB), característica dos planos multipatrocinados.
O caso envolvendo as patrocinadoras Usiminas e Cofavi é típico de duas relações jurídicas distintas e com obrigações específicas para cada qual, o que, portanto, não autoriza que o inadimplemento de uma possa projetar seus efeitos para outra, principalmente quando não ajustado tal compromisso entre elas em instrumento contratual próprio, no caso, no convênio de adesão ao plano de benefícios.
Em que pese as particularidades intrínsecas a essa discussão, no ângulo de visão do ministro Luis Felipe Salomão (relator do caso), a insurgência da entidade de previdência recorrente (Previdência Usiminas) seria um mero inconformismo seu, diante da compreensão de que o convênio de adesão permitiria o pagamento de benefícios sem a formação da respectiva reserva garantidora.
De fato, o contrato previdenciário em questão prevê a possibilidade de pagamento de benefícios sem que o custeio tivesse integralmente formado, mas isso tinha uma razão de ser: os empregados da Cofavi já se encontravam envelhecidos no momento em que a referida empresa decidiu patrocinar um plano de benefícios para eles e, justamente para permitir que esses já pudessem se aposentar logo após o ingresso no plano, ela se comprometeu, por meio de outro instrumento contratual (que deve ser lido conjuntamente com o regulamento do plano), a verter, de forma exclusiva, ao fundo/submassa as contribuições necessárias para constituir a reserva garantidora do pagamento desses benefícios. Tais contribuições extraordinárias ocorreriam até o ano de 2009, mas a referida patrocinadora deixou de contribuir no ano de 1990, de modo que o custeio a que se obrigou não foi formado.
Diante da ausência de solidariedade entre as patrocinadoras no aludido plano de benefícios e considerando que uma delas faliu e deixou de aportar as contribuições a que se obrigou contratualmente, não se pode permitir a utilização do patrimônio do fundo patrocinado pela empresa saudável, no caso a Usiminas, para pagamento de prestações previdenciárias de responsabilidade da patrocinadora falida.
Deste modo, é perceptível que o pensamento de forma distinta é propiciar o enriquecimento sem causa de um grupo de participantes e assistidos em detrimento daquele outro em que o esforço contributivo para a constituição das reservas matemáticas nunca foi interrompido, condição da consecução final do contrato previdenciário.
Repise-se que o fundo/submassa da Cofavi nasceu sem tempo hábil para a formação de reserva pelos seus participantes e assistidos (que já se encontravam envelhecidos), motivo pelo qual a patrocinadora (falida) assumiu exclusivamente o compromisso de contribuir extraordinariamente para o custeio dos benefícios previdenciários de seus empregados, fato este que sequer vem sendo considerado pelas decisões que imputaram o ônus das prestações à Previdência Usiminas e, consequentemente ao conjunto dos participantes e assistidos da submassa saudável, uma vez que entidades fechadas de previdência complementar, por serem meras gestoras fiduciárias do patrimônio previdenciário de terceiros, não possuem patrimônio próprio para arcar com quaisquer condenações judiciais (art. 31, §1º e art. 32 da LC 109/2001).
Não se desconsidere também que o conjunto de problemáticas atribuídas à Previdência Usiminas exala o risco sistêmico pela tendência de idêntico tratamento para as outras entidades com planos multipatrocinados, além de evidente desestímulo para patrocinadores que pretendem ofertar um plano já em funcionamento para os seus empregados. Isso se torna mais grave quando consideramos que o país está neste momento implementando a previdência complementar dos municípios.
Todas as questões suscitadas pelos tribunais de origem e agora no STJ precisam ser sopesadas, de modo que subsista a continuidade das atividades das entidades de previdência, principalmente da Previdência Usiminas, à luz do que fora pactuado, conduta que se espera com o pedido de vista formulado pelo ministro Cueva, a fim de que seja preservada a segura jurídica e sem a afetação de um patrimônio regularmente constituído (da submassa/fundo saudável).
A matéria ventilada em recurso e que, na verdade, discute a existência de duas submassas com patrocínio distintos e segregadas contabilmente dentro de um mesmo plano de benefícios não confere o postulado de desrespeito à independência patrimonial, assim como a dispensa do custeio, não comportando também a tese de que a atividade de uma entidade é submetida ao risco da atividade empresarial.
Com todo o respeito aos nobres julgadores que assim pensam, a matéria previdenciária do segmento previdenciário fechado, por própria disposição de lei e de seus estatutos, não prevê fins lucrativos pela especialidade da lei que a rege (os já citados arts. 31 e 32 da LC 109/2001), inexistindo amparo para o voto que caminhou no viés do risco do negócio jurídico. Acredito que o alerta da ministra Isabel Gallotti, na linha da já pacífica jurisprudência do STJ, foi fundamental por afastar a atividade empresária que não se compatibiliza com as características de uma entidade fechada de previdência complementar.
Exsurge uma luz no final do túnel com a possibilidade do enfrentamento da matéria com o enfoque da independência patrimonial das submassas e demais peculiaridades, o que poderá colaborar para o afastamento da obrigação solidária imputada a um patrocinador que respeita a contratualidade. Aguardemos para, se for o caso, brindar e usufruir de mais um acerto da Corte responsável por uniformizar a legislação federal.

previdência complementar

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JOTA

Caso da Previdência Usiminas no STJ chama atenção por presunção de solidariedade entre patrocinadoras, que inexiste

Segurança jurídica na previdência privada complementar

Segurança jurídica do contrato de previdência complementar não vem sendo observada em suas especificidades. Clique aqui para saber mais