Letícia Soares Peixoto Aleixo

Lívia Lima Costa

Sofia Ayres da Cunha

Às vésperas do 30º aniversário da Conferência Eco 92, circula, em fase de coleta de assinaturas, a chamada PEC do Clima, proposta de emenda à Constituição que busca firmar a segurança climática como direito fundamental assegurado pela Constituição Federal.
Trata-se de iniciativa que segue as tendências traçadas por tratados e acordos internacionais, tal como o Acordo de Paris, alinhando todo o espectro legislativo nacional, por meio de seu mais importante instrumento normativo à agenda climática e de proteção ao meio ambiente.
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>
Há cerca de um mês, o IPCC, Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, publicou o relatório "<a href="https://www.ipcc.ch/report/ar6/wg1/downloads/report/IPCC_AR6_WGI_SPM.pdf">Climate Change 2021 - The Physical Science Basis</a>", que apresenta um compilado de evidências científicas que indicam a realidade da crise climática, bem como seus perigos intrínsecos para o meio ambiente, para a população mundial e para outros animais não humanos. Dentre os itens elencados estão o aumento sucessivo da temperatura média global nas últimas quatro décadas, o derretimento de geleiras, aquecimento da camada mais externa do oceano, elevação do nível dos mares, deslocamento em direção aos polos das zonas climáticas, intensificação de eventos climáticos extremos, cuja frequência também deve aumentar, e outros impactos ambientais.
Nesse sentido, não são poucas as evidências científicas de que a população mundial vive uma crise ambiental. No entanto, ao que tudo indica, algumas regiões do globo estão sujeitas a impactos notadamente mais severos, em decorrência das alterações climáticas. Em <a href="https://www.nytimes.com/article/climate-change-global-warming-faq.html">reportagem publicada pelo jornal americano The New York Times</a> em abril de 2021, a geóloga Julia Rosen, cuja tese de doutorado buscou compreender o histórico das alterações climáticas, com base em estudos das geleiras da Groenlândia e da Antártica, aponta que, em suma, a crise do clima vai exacerbar desigualdades já existentes. Em outras palavras, vai atingir países em desenvolvimento, sobretudo aqueles localizados em regiões tropicais, de maneira proporcionalmente superior se comparado aos países desenvolvidos, ainda que os primeiros tenham contribuído menos para as emissões de gases do efeito estufa ao longo da história.
Este é o caso do Brasil. Em <a href="https://www.camara.leg.br/evento-legislativo/63112">Audiência Pública Extraordinária</a> realizada pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados em 17 de setembro de 2021, Márcio Rojas, diretor do Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, apontou que não só a temperatura do Brasil vai esquentar acima da média da temperatura global, mas o país também sofrerá mais intensamente os demais efeitos das mudanças climáticas, como a diminuição dos índices de precipitação em território nacional.
Nesse sentido, a PEC que busca consagrar a segurança climática como direito fundamental parece pertinente. Afinal, apesar de a Constituição brasileira já prever institutos que reverberam a preocupação com a proteção ao ecossistema, não há de se falar em um direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225 CR/88) sem que exista um correspondente direito fundamental à segurança climática. É justamente sob este aspecto que se debruça a PEC do Clima.
A proposta foi concebida pelo deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), presidente da Frente Parlamentar Ambientalista, com apoio do Grupo de Trabalho Socioambiental da Rede de Advocacy Colaborativo (RAC), que trata a PEC como "a lei mais urgente do mundo". O projeto elenca três alterações no texto constitucional, em seu artigo 5º, bem como nos artigos 170 e 225, incorporando o que havia sido proposto pela <a href="https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/140340">PEC 233, de 2019</a>.
O artigo 5º, que inaugura o capítulo de Direitos e Garantias Fundamentais, passaria a vigorar com a seguinte redação:
"Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, à propriedade, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e à segurança climática".
Ao art. 170, seria acrescido o inciso X, que estabelece como princípio da ordem econômica nacional a "Manutenção da segurança climática, com garantia de ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas”.
Por fim, ao art. 225, seria adicionado o §1º, inciso VIII, que incumbe ao poder público o dever de "adotar ações de mitigação às mudanças climáticas, e adaptação aos seus efeitos adversos”, de modo a garantir o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Conforme aponta a exposição de motivos da PEC, alinhado ao que foi previamente abordado, em meio aos riscos comprovados, decorrentes e relacionados às mudanças climáticas, já observáveis hoje, a exemplo da ocorrência cada vez mais frequente de eventos climáticas extremos, existe a necessidade de que a Constituição, como documento que orienta todo o ordenamento jurídico brasileiro, garanta uma interpretação ecologicamente orientada da legislação estatal, bem como das políticas públicas, visando a estabelecer um padrão de boa governança ecológico-climática. Assim, o reconhecimento do direito fundamental à segurança climática se firma como possível alternativa para a harmonização das políticas nacionais de combate à crise climática.
Em âmbito nacional, a PEC se adequa à ideia de desenvolvimento sustentável, em que há a compatibilização entre desenvolvimento econômico-social e a preservação do meio ambiente. Nesse sentido, destaca-se que, por meio dos aditivos aos artigos 170 e 225, articulados entre si, integra-se a questão climática à organização da ordem econômica brasileira, o que vai ao encontro das bases da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm">Política Nacional do Meio Ambiente</a>, estabelecida pela Lei 6.938/81.
Ao partirmos de uma premissa comparativa para compreender os fatores que rodeiam a PEC da Segurança Climática, é interessante levar em consideração, principalmente, as influências exercidas não somente pelo robusto ordenamento de Direito Internacional Público, mas também por aqueles casos de Litigância Climática, que trazem à luz entendimentos específicos em cada Estado. É com base nos entendimentos dados pelas cortes internas de inúmeros países que podemos obter informações significativas sobre os impactos do ordenamento internacional nas políticas públicas nacionais.
Dessa forma, destrinchando as justificativas do documento que será apreciado pela Câmara dos Deputados, logo de imediato, o apoio de razão apresentada na Convenção Quadro das Nações Unidas de Mudanças do Clima (UNFCCC) e no Acordo de Paris, assinado em 2015. Apesar de o Brasil ser um Estado marcado pela sua riqueza natural, pelo uso majoritário de energia renovável em sua economia, com a defesa ao meio ambiente presente desde a promulgação de nossa Constituição Federal e até mesmo de algumas previsões legislativas quanto à preservação contra mudanças climáticas, essas medidas não têm se mostrado suficientes para a garantia da segurança climática na prática. Com a aprovação da referida PEC, o direito a uma condição climática íntegra e segura passaria a ser algo ainda mais concreto, de fato fundamental.
Mas, afinal, como os demais países incorporam e entendem essas previsões internacionais?
Em casos como Urgenda Foundation v. State of the Netherlands, na Holanda; People v. Arctic Oil, na Suprema Corte norueguesa; Friends of the Irish Environment v. Government of Ireland, julgado pela Suprema Corte da Irlanda; e Neubauer, et al. v Germany, na Alemanha, é notável as semelhanças argumentativas e de sentenças proferidas em cada Estado.
De uma forma geral, todos esses referidos casos marcam de maneira revolucionária a litigância climática europeia, ao fazerem uso de discursos contra as medidas adotadas em cada país em relação à defesa climática. Em suas justificativas, os direitos humanos, as obrigações obtidas em tratados internacionais e as legislações constitucionais e infraconstitucionais de cada Estado são utilizados como fatores que estão intrinsecamente interligados e que, portanto, devem ser defendidos para a garantia dos direitos individuais.
<a href="https://brill.com/view/journals/cjel/2/2/article-p131_2.xml?language=en">Trabalho desenvolvido pelo juiz galês Brian Preston </a>demonstra que, a nível nacional, os casos mais relevantes de litigância climática estão geralmente consolidados em três pilares: “(i) os direitos do público de acordo com a doutrina da confiança pública; (ii) direitos constitucionais, particularmente o direito à vida e o direito a um meio ambiente de qualidade; e (iii) direitos humanos".
Além disso, a clara percepção de ajuizamento das ações por organizações da sociedade civil é baseada em mais uma carta de direito internacional, a Aarhus Convention de 1998, que institui o amplo acesso à informação e participação pública em processos decisórios ligados a matérias do meio ambiente, ou seja, em vista à democracia ambiental.
Assim, nota-se que as cortes, de maneira recorrente, têm se visto na posição de alargar conceitos constitucionais de defesa ao meio ambiente e de direitos humanos, para que caibam nas atuais discussões climáticas. Nesses casos, o alargamento dos direitos à vida ou à integridade física podem não se adequar, e restar demasiadamente alargados, sem a previsão de uma robusta segurança jurídica nesse sentido.
Em meio à crise climática, parece imperativo e urgente que a realidade legislativo-regulatória brasileira reflita a busca pela segurança climática e ambiental, de modo a possibilitar o planejamento e a elaboração de um sistema político normativo que esteja alinhado à proteção do meio ambiente e de toda a população, frente a riscos como o aquecimento exacerbado da temperatura, eventos ambientais extremos, a elevação do nível dos mares e demais efeitos negativos desta crise.
A PEC, de fato, apresenta-se como iniciativa inovadora e como possibilidade de que seja estabelecido um padrão de interpretação ecologicamente orientado da legislação estatal e da elaboração de políticas públicas. Porém, ainda há um longo caminho a ser percorrido até que haja uma decisão acerca de sua aprovação. Como já indicado, a PEC do Clima ainda está em fase de coleta de assinaturas, sendo necessário o apoio de pelo menos 171 deputados para sua propositura de fato. Aos simpatizantes e críticos, resta esperar o desenrolar da proposta.
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segurança climática

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JOTA

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