Alexandre Costa Rangel

Recentemente, tive o privilégio de participar de evento promovido pela Associação Brasileira das Companhias Securitizadoras no qual foram discutidos diversos temas relevantes para a indústria de securitização. Um deles tratou da extensão do direito e da possibilidade jurídica de os investidores deliberarem pela substituição da companhia securitizadora emissora dos Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) e do Agronegócio (CRA). 
Cuida-se de assunto de destacada importância. Estamos falando de um mercado em franca expansão, fonte de financiamento de setores estruturais da economia e com crescente participação de investidores pessoas físicas. O arcabouço regulatório também passará em breve por uma atualização promovida pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que iniciou uma audiência pública em 27/08/2020 sobre o tema. O momento, assim, é bastante oportuno.
Sobre a possibilidade de substituição das securitizadoras, existem duas principais correntes com opiniões divergentes. A primeira defende o direito amplo, geral e irrestrito dos investidores de substituição da securitizadora. A segunda entende que esse direito apenas poderia ser exercido de forma limitada e excepcional, mediante concordância da securitizadora substituída ou em situações extremas de inadimplência.
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Este artigo posiciona-se em defesa do livre direito de os investidores optarem pela substituição da securitizadora em uma emissão de CRI ou CRA. Nesse sentido, são apresentados cinco argumentos, os quais podem ser resumidos da seguinte forma: 
(1) a essência da securitizadora consiste, notadamente, em uma prestadora de serviços do mercado de capitais e, como tal, pode ser substituída a qualquer tempo pelos investidores; 
(2) podar a extensão do direito do investidor de escolher e trocar a qualquer tempo os agentes contratados pode sujeitar a poupança popular em caráter definitivo a agentes de mercado que, eventualmente, não estejam realizando um trabalho satisfatório; 
(3) a realidade comercial da indústria costuma antecipar para o momento da emissão dos financiamentos montante substancial da remuneração devida aos players envolvidos, independentemente do adimplemento financeiro da operação; 
(4) a regulação do mercado de capitais tem como uma de suas principais funções prestigiar um ambiente competitivo e de maior concorrência entre todos os seus participantes;
(5) o livre direito dos investidores tem convivência harmônica com o regime jurídico atribuído às securitizadoras como companhias abertas emissoras de valores mobiliários. Passo a comentar em maiores detalhes, na sequência, cada um desses pontos.
<h3 align="justify">1) Securitizadora como prestadora de serviços e administradora fiduciária de patrimônios separados</h3>
A essência jurídica e econômica das atividades da securitizadora está consubstanciada em uma prestação de serviços no mercado de capitais. A securitizadora desempenha, primordialmente, a relevante função de administrar fiduciariamente um patrimônio separado que não é de sua titularidade, mas de terceiros. 
As securitizadoras possuem inegável semelhança com os administradores fiduciários, com relação aos quais não há qualquer impedimento para que os investidores deliberem pela respectiva substituição. Essa semelhança foi acertadamente reconhecida na audiência pública pela CVM, que, por exemplo, sugeriu que sejam replicadas às securitizadoras diversas regras aplicáveis aos administradores fiduciários de fundos de investimento. Além disso, a CVM também delegou as atribuições de registro das securitizadoras internamente à área técnica da autarquia responsável por fundos de investimentos.
Sendo a securitizadora uma prestadora de serviços, os investidores devem ter o livre direito de escolher e substituir a qualquer tempo os agentes de mercado responsáveis pela administração do patrimônio separado do seu CRI ou do seu CRA.
<h3 align="justify">2) Relacionamento forçado com agentes de mercado expõe a poupança popular a serviços que eventualmente não estejam sendo bem conduzidos</h3>
Qualquer limitação ao direito de os investidores optarem por outra securitizadora durante a vida útil de uma emissão sujeitaria a poupança popular, indevidamente e de modo contínuo, à deficiência das atividades de uma determinada securitizadora que, porventura, não esteja realizando um trabalho adequado. Verifica-se aqui até mesmo um especial apelo democrático, considerando a crescente participação de pessoas físicas no mercado de capitais. 
A amarra inexaurível a instituições não é saudável em qualquer ambiente de negócios e não se verifica em nenhuma outra posição que envolva a prestação de serviços no mercado de capitais, como administradores fiduciários, gestores de recursos, agentes fiduciários, custodiantes e auditores independentes. Essas posições ostentam um caráter relevante de fidúcia e dependem da confiança mútua para que continuem a se justificar. Justamente por isso, todos podem ser substituídos a qualquer tempo e é saudável que assim o seja.
<h3 align="justify">3) Aspectos comerciais da indústria de securitização</h3>
Outro elemento relevante a ser considerado reside na mecânica de remuneração usualmente implementada pelos participantes do setor. Geralmente, as propostas comerciais dos prestadores de serviços desse setor (securitizadoras, inclusive) preveem o pagamento de parcela substancial da remuneração no momento da emissão. 
Existe uma cadeia extensa de importantes agentes responsáveis pela estruturação, emissão, coordenação e distribuição que são remunerados em larga medida no início da operação. Comissão de estruturação, taxas de emissão, finders fee e remuneração de colocação são alguns dos nomes utilizados. Trata-se de opção legítima e perfeitamente regular, não cabendo qualquer juízo de valor e muito menos qualquer interferência sobre o livre exercício da autonomia privada das partes para contratarem como bem entenderem.
De todo modo, é evidente que essa prática pode representar um desalinhamento de interesses e um indesejado risco moral. O moral hazard, nas palavras uníssonas da doutrina especializada, representa um obstáculo para que as respectivas atribuições dos agentes sejam desenvolvidas da melhor forma possível.
Os investidores percorrerão todo o período de duração do ativo já tendo remunerado de forma preponderante os players atuantes no âmbito do financiamento. Os riscos de inadimplemento do CRI ou do CRA passam a ser suportados pelo investidor, não pelos agentes que atuam na indústria. Não é usual no mercado de securitização a utilização de uma taxa de performance ou qualquer outro mecanismo que compartilhe com a securitizadora ou com o agente fiduciário (principais núcleos de responsabilidade da indústria) eventuais benefícios financeiros decorrentes do adimplemento da operação.
Sendo o investidor o principal beneficiado (com o adimplemento) e prejudicado (com o default), deve ser prestigiado o seu livre direito de troca da securitizadora a qualquer tempo.
<h3 align="justify">4) Questão concorrencial como pressuposto da regulação</h3>
A regulação de toda e qualquer atividade privada apenas se justifica para fins de correção de eventuais falhas de mercado, objetivando a redução das assimetrias informacionais, das externalidades, dos riscos morais e dos abusos decorrentes de posições dominantes de mercado, sendo fundamental o estímulo da concorrência.
Tais objetivos funcionam como mecanismos de deferência, respeito e proteção à vontade do público investidor. Consolidando em plano legal esse conceito, a Lei n° 13.874/19, conhecida como Lei de Liberdade Econômica, impôs expressamente à administração pública o dever de evitar abusos de poder regulatório que prejudiquem a concorrência ou impeçam a entrada de novos competidores no mercado.
A competição entre as melhores opções disponíveis em termos de prestação de serviços é sempre bem-vinda. Esse mantra tem especial relevância no mercado de capitais. Nada mais natural que os investidores possam escolher e trocar a qualquer tempo o gestor de recursos ou o administrador fiduciário do seu fundo de investimento, o agente fiduciário da sua debênture, o seu agente autônomo de investimentos e a sua plataforma de investimentos. 
<h3 align="justify">5) Harmonia entre o livre direito dos investidores e o regime jurídico das securitizadoras como companhias abertas</h3>
Entre aqueles que advogam pela limitação do direito dos investidores, é comum ouvir que a definição jurídica da securitizadora como uma companhia aberta emissora de valores mobiliários impediria a troca do veículo. O argumento tenta se sustentar no fato de que não existe qualquer outro valor mobiliário que possa ter seu emissor substituído por deliberação dos investidores.
Respeitosamente, não se verifica muito sentido nessa proposição. As mesmas normas que supostamente impediriam a troca de securitizadora, na verdade, tratam expressamente de algumas possibilidades de substituição (inadimplência ou concordância do veículo, por exemplo). A discussão correta a rigor não deveria ficar circunscrita à possibilidade jurídica ou não da substituição, uma vez que o próprio arcabouço normativo já permite esse movimento. 
A abordagem mais adequada, na verdade, consiste em avaliar se faz algum sentido jurídico, regulatório e até mesmo moral embutir em uma emissão de CRI ou de CRA um relacionamento forçado, coagido e submisso entre investidores eventualmente insatisfeitos e qualquer prestador de serviço que porventura não esteja fazendo um bom trabalho.
Além disso, a categorização regulatória das securitizadoras como companhias abertas jamais justificaria a criação de uma externalidade tão grave como a limitação do direito soberano do investidor de escolher e mudar a qualquer tempo os prestadores de serviços contratados para uma dada operação de financiamento.
<blockquote class="jota-article__eye">A forma técnica e sistemática de compreender a natureza jurídica das securitizadoras como companhias abertas consiste em interpretá-la como um regime legal e regulatório de natureza especial, sujeito a regras próprias e algumas particularidades aplicáveis aos prestadores de serviços e não extensivas às demais companhias abertas.</blockquote>
A realidade do mercado de capitais e a essência dos fatos sustentam esse entendimento e devem ser considerados na edição das normas aplicáveis. São inegáveis os efeitos colaterais de estruturas normativas construídas com base em premissas desconectadas do ambiente regulado. 
Como exercício de analogia, deve ser evitado aqui um dos mais notórios problemas que acometem a regulação dos fundos de investimentos, cujas normas ainda enunciam que compete ao administrador fiduciário contratar o gestor de recursos – com todas as consequências de responsabilidades decorrentes dessa opção – quando na verdade, como todos sabem, em sentido contrário é o gestor de recursos que contrata o administrador fiduciário.
Por tais motivos, deve ser assegurado em todas as esferas o livre direito de os investidores deliberarem, a qualquer tempo, pela substituição da companhia securitizadora, cabendo aos agentes envolvidos a obrigação de dar cumprimento à deliberação soberana dos titulares do CRI ou do CRA, observados os procedimentos, prazos e demais mecanismos previstos na legislação e regulamentação aplicáveis.

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JOTA

Breves notas sobre a possibilidade jurídica de substituição da securitizadora após a emissão do CRI ou do CRA

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