Elysangela Rabelo

Recentemente, o debate acerca do fenômeno da verticalização de operadoras de saúde ganhou notoriedade devido às denúncias feitas na CPI da Covid no Senado Federal. Dentre as falas dos senadores participantes, houve menção à necessidade de uma postura mais atuante da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), em promover uma regulamentação desta prática para se evitar uma possível inversão de prioridades no que tange à qualidade do atendimento, visando à redução de custos.
Os senadores também argumentaram sobre a necessidade de uma regulamentação específica para tratar com mais transparência a relação entre a operadora e sua rede de prestação de serviços própria, bem como da criação de padrões de qualidade para a verticalização.
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A Constituição de 1988 dispõe que a saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas (art. 196). Com a Lei 8.080/1990, o Sistema Único de Saúde (SUS) foi criado com o objetivo de promover a saúde da população brasileira de forma universal, equânime e integral.
No entanto, a Assembleia Constituinte, consciente dos grandes desafios a serem enfrentados para prover acesso à saúde nos moldes idealizados pela Constituição – notadamente considerando a falta de recursos públicos, a abrangência territorial e populacional do Brasil –, determinou que a assistência à saúde fosse livre à iniciativa privada, permitindo sua participação de forma complementar ao SUS (art. 199, §1º). Assim, hospitais e serviços privados de saúde passariam a atuar no sistema de saúde público, prestando assistência a pacientes do SUS, através de contratos de direito público ou convênios.
Além disso, a Constituição também autorizou outra modalidade de participação da iniciativa privada na área da saúde – a suplementar, que abrange as atividades exercidas por profissionais de saúde, clínicas, hospitais e operadoras no sistema privado (ou particular) e sem relação contratual com o poder público. No sistema suplementar, a atuação das operadoras e a oferta de planos de saúde são reguladas pela Lei 9.656/98 (Lei dos Planos de Saúde) e subordinadas à fiscalização e normas da ANS.
De acordo com os dados<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> da ANS, atualmente há cerca de 48,4 milhões de beneficiários de planos de saúde, o que representa uma cobertura de cerca de 25% da população brasileira. Essa representatividade evidencia a importância estratégica do setor em meio a um contexto de restrição do orçamento da saúde, alterações no perfil epidemiológico e populacional, bem como da pandemia de Covid-19.
O crescimento exponencial do setor de saúde suplementar no Brasil nas últimas décadas foi impulsionado por tendências de mercado e alterações regulatórias, como o aumento da demanda pela contratação de planos de saúde e a ausência de restrições para o investimento estrangeiro.
Com efeito, desde a promulgação da Lei 9.656/98, os planos de saúde gozam da plena liberdade de receber investimentos estrangeiros e participar do capital de outros serviços de saúde, como hospitais e clínicas médicas, daí o surgimento do fenômeno da verticalização das operadoras<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>. Isso, ao passo em que os hospitais independentes, filantrópicos ou não, não podiam ter acesso a esses recursos<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> até a publicação da Lei 13.097/2015, que permitiu a abertura ao capital estrangeiro na oferta de serviços de saúde de uma forma mais ampla ao alterar o disposto da Lei 8.080/1990 (art. 23).
Neste sentido, a verticalização é uma estrutura adotada pelas empresas privadas na área de saúde como uma estratégia de negócio que viabiliza, no caso das operadoras, um maior controle da rede hospitalar, ambulatorial e de exames utilizada pelos beneficiários de planos de saúde. Dentre as justificativas para a observação deste fenômeno, estão os inequívocos benefícios em termos de cobertura, escala e controle de custos, que podem representar uma maior eficiência na assistência aos pacientes do sistema suplementar. Tal forma de organização propicia à operadora o controle sobre todo o procedimento de atendimento e serviços pelos quais o paciente irá passar durante o seu tratamento. Assim, lhe permite promover políticas de contenção de gastos e disponibilizar preços mais atrativos ao consumidor em meio a um cenário de aumento vertiginoso dos custos do setor de saúde.
A discussão apresentada pela CPI da Covid está pautada na hipótese de que o controle dos serviços hospitalares, ambulatoriais e de exames pode significar uma ameaça à autonomia dos profissionais de saúde e à qualidade dos serviços.
Mas será que desvios de condutas acontecem em razão da falta de leis ou regulação? Neste caso, parece-nos que não. Os direitos e garantias dos usuários dos planos de saúde são albergados por uma ampla legislação, pois tanto a oferta de produtos de planos de saúde quanto de serviços de saúde são atividades altamente reguladas, de um lado pela ANS, responsável pela fiscalização de produtos e operadoras, e de outro por diplomas como Constituição Federal, Código Civil, Código Penal e Código de Defesa do Consumidor.
Por outro lado, o Ministério da Saúde, por meio do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária e da Anvisa , exerce função fiscalizadora de todas as atividades de interesse à saúde. Além disso, e não menos importante, o exercício das atividades dos profissionais da área da saúde também deve ser pautado pela ética profissional e pelas obrigações previstas na legislação brasileira, em seus respectivos Códigos de Ética e normas específicas emanadas dos conselhos profissionais, como o Conselho Federal de Medicina (CFM).
Diante disso, é preciso que haja cautela e ponderação sobre a real necessidade de uma maior interferência do poder público nas atividades privadas desenvolvidas pelas empresas de saúde de estrutura verticalizada, sob uma ótica capaz de balizar quais os reais e efetivos benefícios ou interesses em impor controles adicionais a um sistema já altamente regulado.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Disponível em: <a href="https://www.ans.gov.br/images/stories/Materiais_para_pesquisa/Perfil_setor/sala-de-situacao.html">https://www.ans.gov.br/images/stories/Materiais_para_pesquisa/Perfil_setor/sala-de-situacao.html</a>
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Lei nº 9.656/1998, art. 1º, § 3º.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Constituição Federal, art. 199, § 3º.

saúde suplementar

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JOTA

É preciso ponderação sobre a real necessidade de mais interferência do poder público em um sistema já altamente regulado

A verticalização na saúde suplementar

Deve-se ponderar a real necessidade de mais interferência do poder público em um sistema já altamente regulado