Luciene Machado

Luciana Capanema

Desde a publicação da <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l14026.htm">Lei 14.026/2020</a>, conhecida como Novo Marco Legal do Saneamento, muito tem se discutido sobre o desafio e os caminhos para a universalização dos serviços públicos de saneamento no Brasil. 
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A nova lei estabeleceu metas de acesso aos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário que devem ser cumpridas pelos titulares, respectivamente, de 99% e 90% até 2033. Nos casos em que esse prazo se mostrar inviável por questões econômico-financeiras, foi permitida a sua dilação até 1º de janeiro de 2040. Segundo o Plano no Nacional de Saneamento Básico (Plansab), a universalização prevista na lei de 2020 demanda R$ 598 bilhões, a preços de dezembro de 2021, o que equivale a R$ 46 bilhões anuais até 2033, sendo que nos últimos anos o patamar anual não chegou a atingir nem 40% desse valor.
Segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS 2021), ainda há mais de 35 milhões de brasileiros sem acesso ao abastecimento de água potável, <a href="https://www.gov.br/mdr/pt-br/assuntos/saneamento/snis/painel/ab">o que corresponde ao atendimento de 84,2% da população brasileira</a> e <a href="https://www.gov.br/mdr/pt-br/assuntos/saneamento/snis/painel/es">96 milhões sem esgoto coletado e tratado</a>, o que corresponde ao atendimento de 55,8% da população brasileira. Mas será que os números nacionais são representativos das realidades locais e regionais?
Sem surpreender o senso comum, há grande heterogeneidade nos índices de acesso aos serviços de saneamento no Brasil, refletindo nossa desigualdade regional. Conforme dados do SNIS 2021, os índices de acesso ao abastecimento de água variam de 60% na Região Norte a 91,5% na Região Sudeste. Descendo ainda mais um nível para a unidade federativa estadual, variam de 33% no Amapá a 97% em São Paulo. Já os índices de acesso a esgoto coletado e tratado variam de 14% na Região Norte a 82% na Região Sudeste, e no nível estadual de 6% em Rondônia a 92% em São Paulo. Por aqui, mesmo se desconsiderarmos o nível de qualidade dos serviços oferecidos, já se percebe o quanto varia o grau de dificuldade para atendimento das metas de universalização em termos de investimentos a serem realizados nas diferentes unidades federativas brasileiras.
Se a distribuição do déficit de serviços de água e esgoto é grandemente desigual pelo país, o mesmo acontece com o perfil de renda e de capacitação institucional. Tomando-se como exemplo os estados que apresentam os maiores e menores déficits de água e esgoto, seus respectivos rendimentos nominais mensais domiciliares per capita (IBGE, 2022) são: Amapá: R$ 1.177, Rondônia R$1.365 e São Paulo: R$ 2.148. A capacidade de pagamento dos usuários é um parâmetro essencial com o qual a proposição de soluções para cada realidade tem que lidar, o que inclui a maior ou menor necessidade de participação do poder público no equacionamento dos déficits. Logo, tendo em vista as disparidades socioeconômicas presentes no país é forçoso constatar que delas decorrerão diferentes modelos de universalização dos serviços.
Adicionalmente, tomando-se como proxy da capacidade institucional no saneamento a comprovação da capacidade econômico-financeira das empresas estaduais de saneamento para a universalização dos serviços de água e esgoto nos municípios, em atendimento ao Decreto Federal 10.710/2021, substituído pelo Decreto Federal nº 11.598/2023 tem-se que: as agências reguladoras infranacionais aceitaram a comprovação financeira de contratos dos prestadores de serviços em 2.766 municípios de 18 estados, <a href="https://arquivos.ana.gov.br/saneamento/recebimento-entidades-reguladoras.html">conforme informações</a> da Agência Nacional de Águas e de Saneamento Básico (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/ANA">ANA</a>). Com isso, há mais de mil municípios com regularização dos contratos pendentes.
O perfil de capacitação das empresas estaduais de saneamento varia em um amplo espectro de situações, desde empresas deficitárias, estruturalmente dependentes do governo estadual, ineficientes e com baixa execução de investimentos até empresas abertas com ações negociadas em bolsa, com bons indicadores financeiros, eficientes, com boa capacidade técnica e operacional e bons índices de investimentos.
Esse cenário ilustra o tamanho do desafio da universalização bem como a heterogeneidade com que esse se distribui entre os diferentes estados brasileiros. A pergunta que surge na sequência é: Diante desse panorama tão diverso de déficit de atendimento, perfis de renda e capacidade institucional das empresas estaduais, faz sentido uma única solução que atenda a todos?
Na nossa visão, Não! Cada estado brasileiro precisa de um diagnóstico individualizado e de soluções que atendam suas necessidades e superem suas dificuldades específicas. Aqui não desconhecemos o papel central do poder concedente (municipal), mas nos referimos aos estados porque o marco legal delegou a eles a prerrogativa de pensar em estratégias de regionalização dos serviços que otimizassem sua prestação da forma mais inclusiva possível (lógica do subsídio cruzado), reconhecendo-se o interesse comum presente ou futuro no compartilhamento de infraestruturas e na viabilização econômico-financeira nos diferentes tipos de arranjos regionais previstos em lei. Esse desafio, 3 anos após a edição do novo marco legal, permanece ainda incompleto, quer pela falta de normativos que estabeleçam a estrutura de regionalização ou, mais frequentemente, pelo fato de que, mesmo na existência dos referidos arranjos, sua mera existência formal não significa necessária funcionalidade, que aperfeiçoe as sistemáticas existentes de prestação dos serviços.
O volume de recursos necessários para a universalização não conseguirá ser viabilizado exclusivamente com fontes públicas. A solução passa pela busca de equilíbrio entre o financiamento dos investimentos por meio da cobrança de tarifas realistas e o aporte de recursos públicos, alocados prioritariamente onde a primeira alternativa se mostrar insuficiente para promover o acesso de toda a população aos serviços de água e esgoto. 
A solução também passa por se avaliar a capacitação das empresas estaduais, das autarquias municipais e das prestações realizadas pela administração direta municipal para implementarem os investimentos necessários à universalização, bem como pelas possibilidades e arranjos de ampliação da participação privada como alternativa para acelerar, trazer mais eficiência e efetividade a esse processo.
Sendo assim, os modelos possíveis para ampliação da participação privada na prestação de serviços de saneamento podem variar amplamente, desde a delegação total dos serviços a operadores privados, passando por modelos híbridos em que prestadores privados convivam de forma complementar com a prestação pública em modelos de concessão ou de parcerias público-privadas. Ademais, é necessário reconhecer que para usufruir dos ganhos de escala que a atividade pode proporcionar caso alcance diversos municípios, a dimensão da cooperação interfederativa precisa ser considerada, o que interfere, na nossa experiência, na escolha do modelo a ser proposto, negociado e, por fim, adotado. Nesse sentido, é fundamental que o arcabouço legal e regulatório seja suficientemente flexível para acomodar as diferentes alternativas que viabilizam o acesso em cada localidade.
O que de fato importa é que a solução escolhida seja suficiente para promover a tão desejada e urgente universalização dos serviços de saneamento básico com qualidade e com a menor tarifa possível.
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Este artigo é de exclusiva responsabilidade das autoras, não refletindo, necessariamente, a opinião do BNDES.

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JOTA

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