Pedro Paulo

O Congresso Nacional discute a criação de um choque de profissionalismo no futebol, uma pauta que não é mais possível adiar. O objetivo principal é melhorar a gestão dos clubes, aumentar a receita, ampliar o valor de mercado do Campeonato Brasileiro e demais competições, incrementar a cotação das marcas das agremiações, induzir o segmento econômico do futebol a ter maior participação no Produto Interno Bruto nacional, gerando cada vez mais empregos e, consequentemente, beneficiando a economia com um todo.
Como é natural, propostas legislativas sobre o tema começam a proliferar e modelos concorrentes para a organização do futebol profissional estão na mesa de discussões. É essencial, porém, que o debate seja democrático, abrangente e atento à realidade e à tradição do futebol brasileiro. Ademais, a proposta legislativa resultante desse debate deve necessariamente prezar pela melhor técnica jurídica e econômica.
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Atualmente, na Câmara do Deputados, tramitam os PLs nºs 6.461/2005, 2.104/2015, 5.082/2016, 2.758/2019, os quais, na essência, apresentam a criação, respectivamente, da Sociedade Empresária Desportiva, Sociedade Anônima Desportiva (SADES), Sociedade Anônima do Futebol (SAF) e Sociedade Anônima de Futebol (SAFUT). E para completar, no último dia 15 de outubro, foi proposto o PL 5.516/2019, sugerindo, agora pelo Senado Federal, a criação da Sociedade Anônima do Futebol (SAF). 
Todos esses Projetos de Lei se preocupam precípua e unicamente em criar um tipo societário específico para o futebol, com mecanismos de organização e funcionamento tão complexos que talvez nenhum dos clubes brasileiros tenha condições de atender. 
Ou seja, a multiplicação de projetos sobre o mesmo tema e a falta de efetividade, até o momento, demonstram que este caminho está equivocado e insistir nele pode ser ainda pior.
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A proposta de criação de uma sociedade anônima específica do futebol, a SAF ou qualquer outro nome e/ou sigla que venha a se perfilhar, não resolve, por si só, os atuais e mais graves problemas do futebol brasileiro, como (i) o elevado e crescente endividamento (fiscal, cível e trabalhista) dos clubes - a dívida total dos 20 clubes da Série A do Campeonato Brasileiro chegou a R$ 6,9 bilhões em dezembro de 2018, o que representa um acréscimo de 8,7% em relação a 2017, quando eram R$ 6,2 bilhões -; (ii) o regime tributário; (iii) a proteção à marca no caso de falência irreversível; (iv) a possibilidade de requer eventual recuperação judicial para reestruturar o passivo dessas entidades; dentre outros aspectos. Ou seja, propõe-se criar um novo tipo societário que não oferece alternativas para solução dos problemas do presentes e também não cria qualquer cenário minimamente otimista para atrair eventuais investidores.
Vale ressaltar que o Código Civil Brasileiro já regulamenta pelo menos cinco tipos societários empresariais no Brasil: sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita simples, sociedade limitada, sociedade anônima e sociedade em comandita por ações. 
Nenhum dos cinco tipos societários empresariais é exclusivo para qualquer setor da economia. E todos esses agentes econômicos, dos mais distintos segmentos, se adequam a qualquer um deles. Os tipos de sociedade empresariais já admitidos no Direito brasileiro tratam de um rol definido e genérico, ou seja, esses tipos societários pré-determinados se prestam a atender todo o universo de atividades econômicas de forma indistinta. Convém ressaltar que os cinco tipos societários existentes já oferecerem o arcabouço legal suficiente para oferecer segurança jurídica aos sócios/acionistas, credores e investidores, além de meios de responsabilizar os administradores em caso de eventuais irregularidades na gestão.
Portanto, ainda que o segmento desportivo tenha particularidades, em razão das paixões humanas envolvidas e da intangibilidade de alguns ativos, indo além de uma atividade econômica pura e simples, a necessidade de conter travas em lei, por meio da criação de um novo tipo societário empresarial, não se revela medida indispensável. 
Todas as disposições da dita “Sociedade Anônima do Futebol” podem estar disciplinadas em instrumento jurídico particular a ser celebrado entre a associação civil desportiva e os investidores, nos atos constitutivos do clube-empresa ou em regramentos infralegais. Ou até mesmo discutindo-se a incorporação de algumas das disposições no texto do clube-empresa, todavia sem a necessidade de se confeccionar um novo tipo societário empresarial.
Setores econômicos altamente complexos e intrincados como o de energia elétrica, o aéreo, o agronegócio, o de petróleo e gás e o de telecomunicações não possuem sociedade anônima própria ou qualquer outro tipo societário específico. Falhas de mercado ou necessidade de alinhar incentivos ou de endereçar especificidades de um setor são itens que se resolvem via regulação setorial. Educação, Saúde, Cultura e tantos outros setores com especificidades e funções econômicas e sociais relevantes, também não necessitam de tipo societário próprio e exclusivo.
O movimento de instituição de um novo tipo societário empresarial específico para o segmento econômico do futebol, com engessamentos, também caminha na contramão das últimas leis aprovadas pelo Congresso Nacional. Ou seja, atualmente, privilegia-se a desregulamentação da economia brasileira, com iniciativas legislativas e executivas que simplificam e desburocratizam o ambiente de negócios e garantam mais segurança jurídica aos agentes do mercado, privilegiando a autorregulamentação, a autofiscalização e a livre iniciativa. 
Nesse sentido, não restam dúvidas de que os tipos societários melhor vocacionados a atender a atividade futebolística são a sociedade limitada e a sociedade anônima, sendo que esta última já conta com uma legislação específica, a Lei nº 6.404/1976. Limitada e anônima, cada qual apresentam vantagens e peculiaridades. 
É fundamental facultar a escolha por uma ou outra ao clube que decidir abandonar o modelo associativo. Sociedade limitada é um modelo mais flexível e menos custoso, todavia que não viabiliza a captação de recursos junto ao público.
Por outro lado, clubes que queiram emitir debêntures ou mesmo listar ações em bolsa de valores podem optar pelo modelo de sociedade anônima vigente na Lei nº 6.404/1976. A Lei de Sociedades Anônimas é exemplo de legislação de sucesso - resistente à prova do tempo e objeto de pouquíssimas reformas desde sua edição.
A clareza, calculabilidade e estabilidade de regras societárias é essencial para atração de investimentos e para o acesso à capitalização dos clubes de futebol via venda de participação. A constituição da Sociedade Anônima do Futebol se situa no sentido contrário a esse objetivo, por ser um modelo exótico e de necessidade altamente questionável.
A dita “Sociedade Anônima do Futebol” se mostra um modelo excludente, pois gera vantagem competitiva aos poucos clubes grandes que puderem arcar financeira e burocraticamente com sua adoção, ao passo que não apresenta alternativas mais acessíveis. 
Vê-se, portanto, que a retomada recente da discussão da Sociedade Anônima do Futebol se trata de mero lobby, que não resolverá nenhum dos principais problemas do setor, resultando tão somente na criação de um mercado de atuação quase exclusivo para poucos advogados de Direito Societário, principalmente, aqueles que auxiliaram na elaboração desses projetos de lei.
Sendo assim, não há como concordar com um modelo que amplia a desigualdade do esporte, privilegia estritamente os clubes mais ricos, não endereça os principais problemas do setor, caminha no sentido contrário da visão econômica do atual momento do país, não observa minuciosamente as experiências internacionais congêneres e que é desatento à beleza da diversidade configuracional do futebol brasileiro.

ceara

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JOTA

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