A reboque do parágrafo único do artigo 265 do Decreto Estadual nº 45.490/00 (Regulamento do ICMS do estado de São Paulo), disciplinado pela Portaria CAT nº 25, de 30 de abril de 2021, a Sefaz do estado de São Paulo tem oferecido aos contribuintes paulistas que atuam no segmento varejista a prerrogativa de aderirem ao chamado Regime Optativo de Tributação da Substituição Tributária (ROT-ST).
De acordo com o parágrafo 1º do artigo 1º da portaria em questão, “o ROT-ST consiste na dispensa de pagamento do complemento do ICMS retido antecipadamente por substituição tributária, nas hipóteses em que o valor da operação com a mercadoria for maior que a base de cálculo da retenção do imposto, compensando-se com a restituição do imposto assegurada ao contribuinte”.
Em contrapartida, o substituído tributário que aderir ao ROT-ST não poderá, “relativamente ao período em que estiver credenciado no ROT-ST, exigir o ressarcimento do valor do imposto retido a maior, correspondente à diferença entre o valor que serviu de base à retenção e o valor da operação com consumidor ou usuário final”.
À primeira vista, pode parecer um “fair trade-off”, ou seja, uma justa renúncia ao direito ao ressarcimento do ICMS-ST nos casos em que o substituído praticar vendas a preços inferiores àqueles que serviram como base de cálculo presumida para a retenção do ICMS-ST, em troca de não lhe ser exigido o complemento do ICMS-ST nas hipóteses inversas, ou seja, naquelas em que o fato gerador presumido for inferior ao efetivamente praticado pelo contribuinte na venda final a varejo.
No entanto, essa iniciativa esconde um ardil fazendário que tem passado despercebido dos contribuintes.
Explicamos: ao julgar o mérito do Recurso Extraordinário nº 593.849/MG, em sede de repercussão geral (Tema 201), o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu ser “devida a restituição da diferença do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) pago a mais no regime de substituição tributária para frente se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida”, nos exatos termos da ementa.
Ao assim decidir, o STF, valendo-se do instituo processual do “overriding” — ou revogação parcial de precedente — alterou em parte o entendimento da ADI 1.851/AL para manter o entendimento pela definitividade da base de cálculo do ICMS-ST, preservando o funcionamento da substituição tributária do ICMS, mas admitindo a hipótese de restituição do imposto pago a maior apenas nos casos em que o valor da operação efetiva for inferior ao montante da base de cálculo presumida do ICMS-ST, nos moldes do artigo 150, §7º da Constituição Federal.
Trata-se, portanto, de mera limitação da abrangência dos efeitos do entendimento da ADI 1.851/AL, o qual, todavia, permanece regularmente vigente para as demais circunstâncias fáticas não abarcadas pelo escopo do RE 593.849/MG, como por exemplo os casos em que o valor da operação efetiva for superior ao montante da base de cálculo presumida do ICMS-ST.
No entanto, mesmo sem respaldo algum no entendimento do STF, que sequer endereçou a questão do complemento do ICMS-ST, os estados-membros passaram a modificar suas legislações para exigi-lo nessas hipóteses em que o valor da operação de venda for superior ao montante da base de cálculo presumida do imposto, sob o falacioso argumento de que a exigência do complemento de ICMS-ST seria uma medida isonômica e simétrica.
A nosso ver, trata-se de entendimento bastante equivocado e sofístico, pois não existe tributação por analogia, isonomia ou por simetria, mas tão somente por legalidade.
O estado de São Paulo, a partir da constatação de que o cenário jurídico lhe era desfavorável, fez editar a Lei 17.293, de 15 de outubro de 2020, promovendo a um só tempo a revogação expressa do §3º do inciso III do artigo 66-B da Lei Estadual nº 6.374/89, cuja inconstitucionalidade havia sido recém-declarada pelo TJ/SP no Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade nº 0033098-49.2018.8.26.0000 por restringir indevidamente as hipóteses de restituição do ICMS-ST; e a introdução do artigo 66-H à Lei Estadual nº 6.374/89, veiculando o dever de recolhimento quanto ao complemento do ICMS-ST.
Na esteira desse permissivo, em 14 de janeiro de 2021 veio a lume o Decreto nº 65.471, que passou a prever o dever de complemento do ICMS retido anteriormente por substituição tributária quando “o valor da operação ou prestação final com a mercadoria ou serviço for maior que a base de cálculo da retenção”, em qualquer hipótese, e não mais apenas aquela prevista no art. 40-A do RICMS/SP (quando a base de cálculo do ICMS-ST for pautada, ou seja, o preço final ao consumidor, único ou máximo, autorizado ou fixado por autoridade competente).
Com isso, a disciplina da Portaria CAT 42/18, que já falava em complemento e fazia alusão expressa ao art. 265 do RICMS/SP, já se presta ao papel de regulamentar por recepção o complemento do ICMS-ST em todas as hipóteses, trazendo inclusive recentíssima disposição expressa (art. 35-A, introduzida pela Portaria CAT 79, de 14-10-2021) no sentido de que o complemento de ICMS-ST, tão logo apurado pelo contribuinte, deve ser lançado a débito na escrita fiscal, a menos que promova sua adesão ao ROT.
Ora, a exigência do complemento do ICMS-ST não foi legitimada pelo STF, o que demandaria a edição de lei complementar, até hoje inexistente. Com base no princípio da estrita legalidade, previsto nos artigos 150, inciso I e 155, §2º, inciso XII da Constituição Federal e no artigo 97 do Código Tributário Nacional, é possível defender que não há dispositivo legal na LC 87/96 que autorize os estados e o Distrito Federal a exigir complementação do ICMS nos casos em que a base de cálculo presumida seja superior à real praticada.
Daí decorre a conclusão de que, ao aderir ao ROT, o contribuinte varejista renunciará a um legítimo direito a pleitear o ressarcimento do ICMS-ST para os casos em que pratique vendas cuja base de cálculo do ICMS foi menor que a presumida para fins de retenção do ICMS-ST, em troca de não lhe ser exigido o complemento do ICMS-ST nas hipóteses opostas, como se tal cobrança fosse lídima.
Assim, apenas nos raríssimos casos em que o contribuinte varejista pratica unicamente operações sujeitas a complemento do ICMS-ST é que a adesão ao ROT seria interessante, até mesmo para evitar dores de cabeça junto à fiscalização. Para todas as demais, estará certamente “comprando gato por lebre”.