José Eduardo Guimarães Barros

Julya Sotto Mayor Wellisch

A Comissão de Valores Mobiliários editou, no dia 10 de julho de 2017, a Deliberação CVM nº 775, que cria o rito simplificado de processo administrativo sancionador, alterando a Deliberação CVM nº 538, de 2008.
Antes de analisar a Deliberação em si, cumpre relembrar, também, a recente publicação da Medida Provisória nº 784, de 7 de junho de 2017, que dispõe sobre o processo administrativo sancionador na esfera da CVM, principalmente com o significativo incremento do valor das penalidades aplicáveis e com a inserção da figura do Acordo de Leniência no âmbito do mercado de capitais.
Outra alteração que merece ser especificamente citada, para os fins da presente manifestação, é a alteração do § 4º do art. 9º da Lei nº 6.385, de 1976, conforme quadro comparativo abaixo:
<table width="566">
<tbody>
<tr>
<td width="283">Redação anterior</td>
<td width="283">Redação dada pela MPV</td>
</tr>
<tr>
<td width="283">§ 4º Na apuração de infrações da legislação do mercado de valores mobiliários, a Comissão priorizará as infrações de natureza grave, cuja apenação proporcione maior efeito educativo e preventivo para os participantes do mercado.</td>
<td width="283">§ 4º Na apuração de infrações da legislação do mercado de valores mobiliários, a Comissão priorizará as infrações de natureza grave, cuja apenação proporcione maior efeito educativo e preventivo para os participantes do mercado, e poderá deixar de instaurar o processo administrativo sancionador, consideradas a pouca relevância da conduta, a baixa expressividade da lesão ao bem jurídico tutelado e a utilização de outros instrumentos e medidas de supervisão que julgar mais efetivos.</td>
</tr>
</tbody>
</table>
&nbsp;
A bem da verdade, tal alteração legitima a adoção de outras respostas ao mercado e à opinião pública em geral, como o já utilizado ofício de alerta, previsto na Deliberação 542, de 9 de julho de 2008, que dispõe sobre a adoção de procedimentos preventivos e orientadores no âmbito da atividade fiscalizadora da CVM.
Pela regra acima apontada, “uma vez constatada a ocorrência de irregularidade praticada no âmbito do mercado de valores mobiliários”, as Superintendências podem “alertar a pessoa física ou jurídica fiscalizada para o desvio observado, assinalando-lhe, se for o caso, prazo razoável para a devida correção”. Outrossim, “corrigida a irregularidade apontada, a Superintendência afeta ao mérito do processo poderá, diante das circunstâncias do caso, promover o arquivamento do feito”.
Assim, doravante, a CVM, que já adotava tal forma de atuação, ganha legitimação legal específica para deixar de instaurar processo sancionador considerada a pouca relevância da conduta, a baixa expressividade da lesão ao bem jurídico tutelado e a utilização de outros instrumentos e medidas que julgar mais efetivos.
Por outro lado, parece-nos relevante registrar, também inicialmente, que, em nosso entender, o novo rito, ainda que destinado a trazer maior celeridade ao julgamento dos processos que não exijam dilação probatória ordinária, pelo seu grau de complexidade, possa, além de ensejar maiores discussões acerca do devido processo legal substantivo no âmbito dos processos administrativos sancionadores, aumentar suas fases e complexificar o procedimento.
Pelo rito atual, a linha do tempo ordinária pode ser assim demonstrada:
<ol>
<li>Irregularidade detectada;</li>
<li>Solicitação de manifestação prévia do Investigado (art. 11 da Deliberação CVM nº 538/2008);</li>
<li>Elaboração do Termo de Acusação (art. 8º da Deliberação CVM nº 538/2008);</li>
<li>Manifestação da PFE (art. 9º da Deliberação CVM nº 538/2008);</li>
<li>Intimação do Acusado Investigado (art. 13 da Deliberação CVM nº 538/2008);</li>
<li>Apresentação de Defesa (art. 13, § 2º da Deliberação CVM nº 538/2008);</li>
<li>Eventual produção de prova (arts. 19 a 24 da Deliberação CVM nº 538/2008); e</li>
<li>Julgamento (art. 27 da Deliberação CVM nº 538/2008).</li>
</ol>
Com a alteração, basicamente inserem-se duas novas fases nesse iter:
<table width="566">
<tbody>
<tr>
<td width="283">Sistemática anterior</td>
<td width="283">Sistemática proposta</td>
</tr>
<tr>
<td width="283">Irregularidade detectada</td>
<td width="283">Irregularidade detectada</td>
</tr>
<tr>
<td width="283">Solicitação de manifestação prévia do Investigado</td>
<td width="283">Solicitação de manifestação prévia do Investigado</td>
</tr>
<tr>
<td width="283">Elaboração do Termo de Acusação;</td>
<td width="283">Elaboração do Termo de Acusação;</td>
</tr>
<tr>
<td width="283">Manifestação da PFE</td>
<td width="283">Manifestação da PFE</td>
</tr>
<tr>
<td width="283">Intimação do Acusado</td>
<td width="283">Intimação do Acusado</td>
</tr>
<tr>
<td width="283">Apresentação de Defesa</td>
<td width="283">Apresentação de Defesa</td>
</tr>
<tr>
<td width="283">Eventual produção de prova</td>
<td width="283">Baixa dos autos à Superintendência que
houver formulado a acusação para elaboração de relatório</td>
</tr>
<tr>
<td width="283"></td>
<td width="283">Manifestação do acusado sobre o Relatório</td>
</tr>
<tr>
<td width="283">Julgamento</td>
<td width="283">Julgamento</td>
</tr>
</tbody>
</table>
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Como constou expressamente do Edital de Audiência Pública, “será garantido aos acusados o direito de se manifestar sobre o referido relatório previamente ao julgamento do processo administrativo sancionador pelo Colegiado”.
Portanto, na prática, ainda que haja a previsão de prazos para a elaboração do relatório e prazos para a inclusão em julgamento, tais prazos são impróprios, não preclusivos. Assim, o não julgamento no prazo previsto, ou a não elaboração do relatório pela Superintendência acusadora nesse prazo, não trará qualquer consequência jurídica para o processo, dependendo, pois, da eficiência das áreas envolvidas para seu atendimento.
Entendemos, sob esse prisma, que não é a fixação normativa de prazos curtos que gerará para o mercado e a opinião pública em geral a confiança de um julgamento tempestivo e justo, mas sim a demonstração de efetividade de tais prazos e julgamentos. O mesmo já ocorre com o prazo previsto, atualmente, no caput do art. 4º da Deliberação 538, para término dos trabalhos de investigação dos inquéritos administrativos, prazo esse rarissimamente observado (o que, aliás, é compreensível, tendo em vista que o inquérito busca, exatamente, um aprofundamento na análise dos fatos, com a produção de elementos probatórios geralmente impossíveis de serem produzidos em tão curto período). Se for feito um levantamento criterioso, acreditamos que nem mesmo os termos de acusação são formulados, na prática e em média, em período inferior a 90 (noventa) dias do início das investigações!
Na nossa opinião, para se obter os resultados pretendidos deveriam ser  inseridas consequências pelo descumprimento dos prazos definidos, bem como o estabelecimento de prazos mais factíveis e realistas (como no caso do inquérito administrativo, que está muito aquém do minimamente necessário para a conclusão dos trabalhos investigativos). Caso contrário, tratar-se-á de mais uma norma de conteúdo programático, que poderá ser sempre desatendida, principalmente ante a escassez atual de recursos orçamentários e de pessoal da Administração Federal como um todo e, no especial, da CVM, inclusive porque trará, para as Superintendências da CVM, um novo e complexo trabalho de análise – quiçá com a necessidade de aprofundamento sobre temas jurídicos, ante as teses que possam ser apresentadas pela Defesa, ensejando, inclusive, a potencial necessidade de consultas à Procuradoria Federal Especializada junto à CVM.
Além disso, pensamos que, embora a norma proposta acabe viabilizando um saudável, e antes inexistente, contraditório entre a Superintendência acusadora e acusado, a possibilidade de utilização pelo Diretor-Relator do Relatório da área técnica pode afetar o procedimento e a própria imparcialidade necessária ao julgamento, dada a característica naturalmente enviesada da área técnica<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> e a equidistância que se espera do Diretor-Relator, que deve ler e entender as provas e argumentos de forma isenta, o que, consequentemente, se refletirá na forma como os fatos serão descritos para os demais membros do Colegiado.
Por tal motivo, e, mais uma vez, reconhecendo o seu espírito e sua finalidade de trazer maior celeridade, não vemos na nova norma uma efetiva evolução no sentido da celeridade pretendida, mas talvez uma medida que pode acabar por onerar, ainda mais, as áreas técnicas da CVM e trazer à tona maiores discussões jurídicas – especialmente acerca da ampla defesa e do contraditório –, aumentando, inclusive, o potencial de judicialização da atividade de enforcement da CVM.
A propósito, vale lembrar que a Deliberação CVM nº 775/2017 revogou integralmente a Instrução CVM nº 545/2014, pondo fim, assim, à limitação de penalidade ali estabelecida<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> e, como consequência, viabilizando, ao menos em tese, a imposição de penas mais severas, especialmente se se considerar os valores previstos na já citada Medida Provisória nº 784/2017.
Por óbvio, qualquer eventual decisão condenatória em procedimento de rito simplificado que aplique pena superior àquela antes prevista deverá ser devida e especificamente fundamentada, dado que, muito embora o Relatório de Audiência Pública da norma tenha afirmado que “aplicabilidade do rito simplificado não leva em consideração a gravidade das condutas ou infrações em si, mas o nível de complexidade probatória da questão”, o fato é que as infrações ali previstas, afora algumas inclusões, sempre foram consideradas, pelo menos desde 1989, como de menor potencial ofensivo e, portanto, sujeitas a penalidades mais brandas.
Parece-nos inevitável, portanto, que o regulador justifique, em cada caso específico, essa mudança de entendimento em relação a condutas que, por quase trinta anos, justificaram a imposição de pena máxima de cem mil reais e agora permitem, por meio de um procedimento simplificado, a aplicação, em tese, de pena pecuniária de 500 milhões de reais, por exemplo.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Não há aqui, é bom ressalvar, qualquer cunho pejorativo na qualificação das áreas técnicas da CVM como enviesadas. A propósito, vale transcrever a seguinte decisão de lavra do então Presidente da Autarquia, Marcelo Fernandez Trindade, que bem esclarece a utilização do termo em questão: “[d]essa forma, a utilização, pelas defesas, de termos como "enviesada" e "tendenciosa" para referir-se à Comissão de Inquérito, parece-me absolutamente sem sentido, porque é claro que a Comissão de Inquérito é enviesada mesmo: é ela quem acusa. Quem julga, e por isso não pode ser enviesado, é o Colegiado da CVM” (PAS 18/2001, Diretor Relator Eli Loria, julgado em 04/11/2004).
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> No Rito Sumário somente poderiam ser aplicadas as penalidades de advertência ou multa de até R$ 100.000,00 (cem mil reais).

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O novo rito simplificado do processo sancionador da CVM

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