Mariana Saragoça

Julia Barker

Carina Montenegro

Paula Mariotti Feldmann

Dentre as principais novidades decorrentes da publicação da Lei nº 14.026/2020 destaca-se o artigo 10-A<a href="applewebdata://76421FC3-DCB8-4B1B-BE3F-8FD99769ABCA#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, que dispõe sobre o aprimoramento das cláusulas contratuais essenciais relativas às obrigações de investimentos e desempenho e, em particular, sobre a repartição de riscos entre o poder concedente e o concessionário. A tendência é de que o setor de saneamento se torne menos discricionário, passando a lançar mão da regulação contratual de forma mais acentuada, o que é um convite e um apelo para a modernização dos instrumentos jurídicos utilizados no setor.
De forma geral, os riscos são aqueles relacionados à ocorrência de eventos desfavoráveis ou de difícil previsão que oneram os encargos contratuais de uma ou de ambas as partes, afetando, portanto, a rentabilidade e as metas do projeto previstas no contrato. Historicamente, o Brasil modela a alocação de riscos baseado na teoria das áleas ordinárias e extraordinárias – como regra geral, os riscos inerentes à atividade são suportados pelo concessionário e as áleas extraordinárias deveriam ser suportadas pelo Poder Concedente.
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No caso das atividades de saneamento básico, os contratos celebrados são, por diversas vezes, deficitários em relação à matriz de risco e, por consequência, ao equilíbrio econômico-financeiro. Como os contratos não apresentam com clareza quais os riscos alocados ao contratado e quais devem ser assumidos pelo poder concedente, muitos dos riscos são comumente alocados ao privado por padrão, sob o pretexto de ser a parte mais bem posicionada para suportar os custos.
Ainda que não exista um rol taxativo, dentro da lógica de distribuição de riscos no Novo Marco do Saneamento, podemos destacar os seguintes riscos como aqueles que devem ser devidamente detalhados e repartidos: (i) risco de demanda; (ii) risco de alteração da área da concessão; (iii) risco de assunção do sistema existente; (iv) risco de inadimplência; (v) risco de vícios ocultos; (vi) risco de desapropriação/desocupação; (vii) risco de obras do poder público; (viii) riscos ambientais; e (ix) riscos de perda/furto de água. Em um cenário ideal, é fundamental tentar antever de forma objetiva o universo de riscos conhecidos, prevendo também contratualmente medidas para sanar as controvérsias nos casos de omissão.
Em estudo recente<a href="applewebdata://76421FC3-DCB8-4B1B-BE3F-8FD99769ABCA#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, a Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon) pormenorizou os critérios teóricos que devem orientar a repartição dos riscos, sendo o primeiro a ideia de que o risco deve ser alocado à parte que, a um menor custo, pode reduzir as chances de ocorrência do evento indesejável, levando em consideração a capacidade das partes de adotarem ações preventivas. O segundo critério considera a capacidade de gerenciar as consequências danosas quando da ocorrência de um evento indesejado e o terceiro é relativo à capacidade das partes de externalizarem o custo de prevenir os eventos, devendo o risco ser repassado à parte que tem menores possibilidades de repassar para terceiros os custos associados.
A despeito dos critérios supracitados, vemos hoje um cenário no qual diversos contratos atribuem demasiadamente ao concessionário riscos que ou são controláveis pelo poder concedente ou não são controláveis por nenhuma das partes. Com efeito, não só os riscos de álea extraordinária que produzem impactos do ponto de vista tarifário devem ser alocados ao poder concedente – questões ambientais e aquelas relativas à desocupação/desapropriação, por exemplo, que não são controláveis pela concessionária, também podem ter a responsabilidade atribuída ao poder concedente se as particularidades do caso concreto indicarem ser essa a melhor alocação.
Do ponto de vista ambiental, os custos decorrentes de regularização de licenciamento ambiental de estruturas e atividades irregulares, bem como a responsabilidade ambiental e os custos decorrentes da recuperação, remediação e compensação de contaminações e/ou danos ambientais com fato gerador prévio ao edital e ao contrato de contrato de concessão, quando conhecidos, devem ser considerados na modelagem dos projetos. Quando desconhecidos, devem configurar no edital e no contrato de concessão como hipótese de álea econômica extraordinária e, portanto, sujeitos à recomposição do equilíbrio econômico-financeiro.
Ainda nessa linha, diante do cenário de morosidade do licenciamento ambiental no Brasil – que, de acordo com uma análise realizada com base nos dados púbicos do Portal Nacional de Licenciamento Ambiental (PNLA), leva um tempo médio de 631 dias (1 ano e 9 meses) para ser concluído<a href="applewebdata://76421FC3-DCB8-4B1B-BE3F-8FD99769ABCA#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> –, e tendo em vista as metas agressivas e curtos prazos estabelecidos no artigo 11-B, o novo marco legal do saneamento trouxe uma importante alteração na redação do artigo 44 da Lei Federal nº 11.445/2007, que trata especificamente sobre licenciamento ambiental. Nos termos da nova redação, a autoridade ambiental competente assegurará prioridade e estabelecerá procedimentos simplificados para o licenciamento ambiental de unidades de tratamento de esgotos sanitários, de efluentes gerados nos processos de tratamento de água e das instalações integrantes dos serviços públicos de manejo de resíduos sólidos, em função do porte das unidades, dos impactos ambientais esperados e da resiliência de sua área de implantação, estabelecendo metas progressivas para que a qualidade dos efluentes de unidades de tratamento de esgotos sanitários atenda aos padrões das classes dos corpos hídricos em que forem lançados.
Apesar da iniciativa absolutamente salutar trazida pelo novo marco, é inegável que se trata de um sistema de complexa estruturação, com interdependência dos atores envolvidos e, consequentemente, traz riscos de atrasos no atingimento das metas por questões absolutamente alheias às concessionárias, que dependem das entidades reguladoras e dos órgãos ambientais.
Para que os riscos ambientais sejam devidamente direcionados no âmbito do edital e do contrato de concessão e valorados nas propostas comerciais a serem apresentadas pelos potenciais interessados é imprescindível que a sua alocação entre poder concedente e concessionárias esteja estabelecida de forma clara nos instrumentos, inclusive com marcos temporais precisos, de forma a definir as responsabilidades e limites de cada parte.
Em uma situação de desequilíbrio econômico-financeiro sem uma matriz de riscos bem delineada, são maiores os desafios para gerenciamento dos riscos e definição objetiva dos efeitos causadores do desequilíbrio para fins da recomposição. Os efeitos de uma matriz de risco pouco detalhada e excessivamente alocada ao privado são diversos, tais quais: (i) distorções na licitação com a ampliação da insegurança dos players; (ii) alocação dos riscos ex post pelo judiciário; e (iii) aumento dos custos para o poder concedente e/ou usuários.
<blockquote class="jota-article__eye">A conclusão, portanto, é de que em uma zona de risco médio (quando não é possível aferir objetivamente o responsável pelo evento), ambas as partes podem responder, mas em intensidades diferentes.</blockquote>
A Agenda Regulatória da Agência Nacional de Águas (ANA) para o setor de saneamento básico, nessa toada, debaterá as normas de referência relativa ao conteúdo mínimo dos contratos, prevista ainda para o primeiro semestre de 2021, e à matriz de risco contratual, durante o segundo semestre do ano de 2021. A expectativa é de que a nova metodologia regulatória e contratual garanta a prevenção e redução dos riscos, orientando não só a adequação dos contratos vigentes como também dos novos instrumentos. É preciso aprimorar o nível de detalhamento da matriz de riscos, observados os modelos estabelecidos pela ANA com base nas melhores práticas de alocação de riscos, buscando estabilidade e previsibilidade. Na seara da matriz de riscos, deve-se aproveitar o momento de mudanças para discutirmos como endereçar os eventos na chamada zona de penumbra, de forma a estabelecer alternativas à judicialização de controvérsias – tal como a criação de comitês de diálogo entre o concessionário e o poder de concedente, tendo a figura da ANA como intermediadora, sem prejuízo do fortalecimento dos mecanismos de resolução de conflitos (arbitragem e mediação).
A expectativa é de que com a publicação das normas de referência da ANA e a adoção de boas práticas pelos agentes do setor, seja possível abandonar o modelo binário hoje posto, sopesando as responsabilidades, dividindo e compartilhando os riscos entre as partes – tornando, assim, os projetos mais atrativos. Ainda, alocação clara e objetiva dos riscos do contrato de concessão é fundamental para que os agentes ajam adequadamente para a prevenção e redução dos riscos ou se planejem para a eventual mitigação de prejuízos resultantes de eventos indesejáveis.
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<a href="applewebdata://76421FC3-DCB8-4B1B-BE3F-8FD99769ABCA#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Dispõe que os contratos devem incluir dispositivos sobre a repartição de riscos incluindo os referentes a (i) caso fortuito (ocorrência de evento que não se pode prever e evitar); (ii) força maior (ocorrência de fato humano ou natural que se pode prever ou não, mas não se pode evitar); (iii) fato do príncipe (ocorrência de ação do Poder Público de ordem geral que, mesmo não estando diretamente relacionada com o contrato administrativo,  gera efeitos negativos sobre este, onerando, dificultando ou impedindo o cumprimento das obrigações nele estabelecidas); e (iv) álea econômica extraordinária (ocorrência de oneração imprevisível, inevitável e superveniente que impede a manutenção do contrato nos termos originais).
<a href="applewebdata://76421FC3-DCB8-4B1B-BE3F-8FD99769ABCA#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> ABCON, Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto, em parceria com a consultoria Pezco Economics e Portugal Ribeiro Advogados. Regras Padronizadas sobre Distribuição de Riscos, Equilíbrio Econômico-Financeiro e Modelos Regulatórios. Disponível em: https://conteudo.abconsindcon.com.br/estudo-regulacao. Acesso em: 10 abr. 2021.
<a href="applewebdata://76421FC3-DCB8-4B1B-BE3F-8FD99769ABCA#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> De acordo com a análise realizada pelo Licentia com base nos dados púbicos do Portal Nacional de Licenciamento Ambiental (PNLA), considerando o período entre 01 de outubro de 2009 e 01 de outubro de 2019, esse é tempo médio de um processo de licenciamento ambiental trifásico (licença prévia, licencia de instalação e licença de operação) no Brasil. <a href="https://www.licentia.digital/painel-do-licenciamento" target="_blank" rel="noopener noreferrer">https://www.licentia.digital/painel-do-licenciamento</a>

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JOTA

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Riscos nos contratos de saneamento

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