Marcelo Dias Freitas Oliveira

Temos visto, ao longo dos anos, alguns dos instrumentos do Código de Defesa do Consumidor (CDC) sendo limitados, mitigados ou até mesmo jogados ao desuso. Infelizmente é o que vem ocorrendo com comando legal de devolução dobrada dos valores pagos pelo consumidor, quando estes são cobrados indevidamente.
Perceba-se que o CDC detém uma série de princípios e bases para efetivar a proteção do consumidor, que é a parte mais fraca da relação jurídica entre ele e o fornecedor, seja este de serviços ou bens.
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Proteção esta, por sinal, que é disposta expressamente na constituição Federal no artigo 5º, que contém os Direitos e Garantias da pessoa (XXXII) assim como no artigo 170, que dá diretrizes da Ordem Econômica (V).
Daí se observa a importância dada pelo Legislador Constituinte à defesa do consumidor, colocando-a como Garantia do ser humano e como pilar da Ordem Econômica Brasileira.
Nessa lógica, foram criadas diversas disposições legais que devem ser aplicados pelos juízes e tribunais, a fim de dar verdadeira efetividade aos princípios e diretrizes do CDC, o que inclui a chamada “Repetição do Indébito Dobrada”, inserida no parágrafo único do artigo 42 do CDC: “O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.”
<blockquote class="jota-article__eye">A redação é clara e demonstra claramente a intenção do Legislador consumerista: se o consumidor for cobrado indevidamente, deverá ser ressarcido em dobro, a não ser que tenha havido um engano justificável do fornecedor.</blockquote>
Contudo, parte considerável das decisões recentes dos tribunais estaduais e regionais, vem tratando o tema de maneira divergente, contrariando a literalidade do artigo 42, ou seja, ignorando o comando legal inserido no CDC.
Vale lembrar que os agentes públicos em geral são obrigados a respeitar a Lei e segui-la, a não ser que haja decisão pela inconstitucionalidade desta, o que não é o caso do artigo em comento. Não cabe interpretação de comandos, não existe espaço para entendimento diverso se a própria norma não o deixa.
Em resumo, o Judiciário só poderia afastar a aplicação da dobra no ressarcimento se a parte contrária, fornecedora de bens e serviços, parte mais forte da relação, provasse um erro justificável, obedecendo, assim a inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII).
Contudo, nestas citadas decisões divergentes, os magistrados têm descumprido a Lei de defesa do consumidor e aplicado o entendimento de que deve haver prova da má-fé do fornecedor de serviços ou bens.
Tal afirmação é incorreta, vez que mitiga, que diminui o alcance da norma especial, a de defesa do consumidor, em prol de norma comum, contida no Código Civil. 
Note-se que o termo correto, contido no CDC é o “engano justificável”, que podemos dar como exemplo: erro material de digitação, atraso na entrega de boleto, que se assemelham erro “perceptível a pessoa comum”.
Entretanto, as decisões continuamente afastam a condenação de empresas e fornecedores que não dão às suas operações a segurança necessária e acabam gerando danos imensos, cobrando e “negativando” consumidores, que, por vezes, sequer têm relação com a empresa.
<blockquote class="jota-article__eye">Ou seja, não se trata de “erro justificável”, mas falta total de segurança nas operações e contratações, o que levaria à aplicação do ressarcimento em dobro.</blockquote>
Vale ressaltar que, a partir da inversão do ônus da prova, ficaria à cargo da própria empresa autora do ilícito civil fazer prova da sua má-fé, se acompanhado o raciocínio das decisões aqui criticadas, pois, como é claro da relação consumerista, não seria minimamente possível ao consumidor comprovar que a empresa agiu de má-fé para cobrar o valor indevido.
A própria hipótese é absurda em si, pois, como é presumida a boa-fé, o consumidor, que normalmente se utiliza dos Juizados Especiais para dirimir essas questões, não teria os mínimos indícios para iniciar a discussão.
Ainda quanto à comprovação da má-fé da empresa, é necessário indicar que o STJ entende que a prova é impossível, dita “prova diabólica” pela mesma corte. Ou seja, não existe qualquer possibilidade do consumidor demonstrar a má-fé da empresa, que não vai confessar tal fato mesmo se verdadeiro for. Não se vislumbra a oitiva de funcionários ou diretores da empresa para comprovar que foi cobrado indevidamente imbuído de má-fé.
Neste sentido o Legislador já se antecipou ao incluir no CDC a disposição sobre “erro justificável” e não “má-fé”, como consta na Lei Comum (Código Civil), que, repise-se, é inaplicável quando se falar em direito do consumidor por força das regras constitucionais de hierarquia das normas especiais, o que é básico no sistema Jurídico Brasileiro.
Dessarte, percebe-se que o citado parágrafo único do artigo 42 do CDC está sendo, na prática, revogado por meio de decisões que aplicam outras Leis, hierarquicamente inferiores por assim dizer, o que é inconstitucional e fere o princípio da separação dos poderes e furta a Competência legiferante do Poder Legislativo.

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JOTA

CDC está sendo, na prática, revogado por meio de decisões que aplicam outras leis, hierarquicamente inferiores

Revogação judicial da repetição dobrada ao consumidor

CDC está sendo, na prática, revogado por meio de decisões que aplicam outras leis, hierarquicamente inferiores