Mônica Mendonça Costa

Ana Cândida de Mello Carvalho

Extremamente frequentes nas contratações com o Poder Público, os consórcios congregam uma união de esforços de duas ou mais empresas para execução de um determinado empreendimento[1]. Resultam de contratação particular entre as empresas consorciadas, que entre si são livres para pactuar suas obrigações e responsabilidades.  
É também sabido – e absolutamente justificável e razoável – que os participantes do consórcio são solidariamente responsáveis perante o Poder Público pelas obrigações assumidas no âmbito do contrato administrativo[1].  Trata-se de uma proteção concedida ao Poder Público enquanto contratante contra eventual inexecução ou execução defeituosa do contrato, pela qual todo e qualquer consorciado deve ser integralmente responsabilizado. 
Uma leitura rápida ou superficial da Lei 8.666/93 poderia levar à falsa impressão de que a solidariedade das empresas consorciadas perante o Poder Público é, na realidade, mais ampla do que a efetivamente posta, particularmente para fins de responsabilização com base na Lei de Improbidade Administrativa[3]. 
Em tempos de Lava Jato, a antes quase desconhecida Lei de Improbidade Administrativa se torna uma das pautas obrigatórias de discussão à medida que o número de ações propostas cresce exponencialmente. Embora exista desde 1992, a entrada em vigor da Lei Anticorrupção brasileira (Lei Federal nº 12.846/2013) obriga a uma releitura da Lei de Improbidade, trazendo à tona uma série de discussões sobre outros temas atinentes às relações entre Poder Público e iniciativa privada, a exemplo da responsabilidade dos consorciados em contratos administrativos.
Nesse contexto, relevante investigar se a responsabilidade solidária decorrente do contrato firmado com o Poder Público, prevista na Lei de Licitações, deve ser transposta ao campo das improbidades.
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Responsabilidade no contrato de consórcio
Os consórcios são contratos plurilaterais, regidos por normas de direito privado e sujeitos ao princípio da autonomia da vontade das partes contratantes. Podem as partes contratantes do consórcio ajustarem de que maneira distribuirão os ônus e responsabilidades decorrentes da associação, inclusive limitando a responsabilidade de uma delas. 
Aliás, no contrato de consórcio, além das obrigações e responsabilidades de cada sociedade consorciada e das prestações atribuídas a cada uma delas, há que se definir também a contribuição de cada consorciado para as despesas comuns, conferindo-se ao consórcio autonomia patrimonial, destacado do patrimônio de cada sociedade consorciada[4].
Tais previsões alinham-se com a ausência de presunção de solidariedade entre as empresas consorciadas, sendo, em princípio, possível que terceiro que mantenha relações jurídicas com o consórcio possa demandar o adimplemento de obrigações ou ressarcimento por atos ilícitos diretamente da empresa consorciada responsável.  
Responsabilidade do Consórcio perante o Poder Público
Sob o regime da Lei de Licitações, a contratação com o Poder Público por meio de consórcio impõe responsabilidade solidária entre as sociedades consorciadas pelos atos praticados em consórcio, tanto na fase de licitação quanto na fase de execução do contrato.  
Isso significa dizer que o Poder Público, na qualidade de contratante do consórcio, pode demandar de qualquer das entidades consorciadas a responsabilização pela integralidade das obrigações contratuais e pelos atos praticados na fase de licitação. 
Assim, aos olhos do Poder Público, os membros do consórcio se apresentam como ente único, cuja reunião de esforços é capaz de atender o objeto da contratação. Nessas condições, seus integrantes devem responder solidariamente pelo cumprimento do contrato administrativo. 
Responsabilidade por ato de improbidade administrativa
A Lei de Improbidade Administrativa tem por objetivo precípuo a responsabilização do agente público por atos de improbidade. Secundariamente, também autoriza a responsabilização do particular que tiver concorrido ou se beneficiado da prática do ato de improbidade. 
Em relação ao particular, essa responsabilização contempla o ressarcimento integral do erário pelos prejuízos causados em decorrência do ato de improbidade, além da sujeição às sanções ali previstas, tais como pagamento de multa, proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente. São penas severas, resultantes de um processo de contorno eminentemente sancionador e que, não raro, podem resultar na aniquilação completa das atividades do particular.
A caracterização do ato de improbidade depende, necessariamente, de um elemento subjetivo. Trata-se de um ilícito primordialmente civil, podendo, em alguns casos, caracterizar também um ilícito penal e administrativo. Como tal, requer o elemento subjetivo, mais precisamente, a existência de intenção deliberada de praticar o ilícito ou, no mínimo, de assumir os riscos dele decorrentes.  
Integração dos conceitos 
À luz dessas diversas perspectivas, revela-se inviável a responsabilização solidária de empresas consorciadas por ato de improbidade administrativa. 
Pela perspectiva da Lei de Improbidade, a responsabilização depende necessariamente da verificação do elemento subjetivo, do dolo, para que se caracterize a prática de um ato de improbidade. 
Deve haver a intenção, ou ao menos a assunção de risco deliberado, de causar lesão ao patrimônio público, para que haja responsabilidade. Sem o concurso de vontade, inviável a responsabilização por ato de improbidade. Como já reconhecido pelo Poder Judiciário, o ato de improbidade nada mais é do que um espelho da desonestidade, sendo que não há “desonesto por acidente”. 
A essencialidade da existência do elemento subjetivo para a caracterização da improbidade administrativa impede que se transporte a regra de solidariedade entre os membros do consórcio, prevista na Lei de Licitações, para o campo das improbidades. Se o dolo ou culpa são necessários à configuração da improbidade, não há como se imputar improbidade a um consorciado por ato praticado por outro. 
Ademais, pelo viés da Lei de Licitações, a responsabilidade solidária aos membros de consórcio está evidentemente atrelada às obrigações decorrentes do contrato administrativo e não podem extrapolar tais limites contratuais. 
A Lei de Licitações não impõe aos consorciados responsabilidade solidária por todo e qualquer ato ilícito praticado por um determinado membro do consórcio, sem a participação dos outros. O dispositivo legal é claro ao limitar a responsabilidade solidária por “atos praticados em consórcio” e não por atos isolados de quaisquer de seus membros. 
Congregando esses conceitos, parece clara a inviabilidade de se responsabilizar uma consorciada por ato de improbidade praticado por outro membro do consórcio. 
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[1] Lei das Sociedades Anônimas, art. 278, caput. 
[2] Lei de Licitações, art. 33, V.
[3] Lei n.º 8429/92.
[4] Lei das Sociedades Anônimas, art. 279.

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JOTA

 Inviabilidade de se responsabilizar uma consorciada por ato de improbidade praticado por outro

Responsabilidade do consorciado e atos de improbidade

Inviabilidade de se responsabilizar uma consorciada por ato de improbidade praticado por outro