O redirecionamento de execuções fiscais para a pessoa de seus sócios, gerentes ou administradores é um dos poucos temas que nunca deixou de ser atual. De tempos em tempos, novos capítulos da jurisprudência trazem à tona o assunto e revigoram o interesse pelo debate.

Há alguns anos, publiquei um artigo na Revista Tributária e de Finanças Públicas nº 100 (set./out. 2011) sobre a jurisprudência do STJ naquele momento, na qual abordei todos os entendimento firmados até então. Fiz também uma pequena análise de direito comparado, especialmente com as regras do direito português, alemão, francês e argentino.¹

Atuando em diversos casos sobre o assunto desde recém-formado, tive a oportunidade de verificar decisões (Poder Judiciário), reações (dos empresários) e desfechos (consequências) dos mais variados; essa curta experiência levou-me a refletir sobre algumas questões, dentre elas a que chamei no título do artigo de “psicologia fiscal”.

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É curioso notar a completa ausência no debate jurídico nacional sobre essas questões de psicologia ou psicosociologia no âmbito do direito tributário, ao contrário do que ocorre em países como França e Alemanha. O primeiro autor a aprofundar, na França, o tema das relações psicosociológicas entre os contribuintes e a administração foi Henry Laufenburger, na obra intitulada Teoria Econômica e Psicológica das Finanças Públicas, publicada em 1956. O autor indica, contudo, que já havia tratado do assunto em 1947, em três conferências proferidas na Universidade de Istambul. Mas os primeiros trabalhos são de Günter Schmöelders, que elaborou dois estudos sobre o tema: Steuermoral und Steuerbelastung, Berlin, 1932; e Finanzpsychologie, Archives des Finances, NF, vol. 13, Tübingen, 1951².

Foi Schmöelders quem trouxe a primeira reflexão que eu gostaria de tratar no presente texto. Ele aponta que as investigações no terreno psicológico demonstraram que o dever fiscal aparece separado da moral do indivíduo. Dessa lição podemos concluir que nem todo indivíduo que deixa de pagar tributos devidos ou mesmo o sócio, gerente ou administrador que busca afastar de si o dever de pagá-los deve ser tratado como mau caráter, criminoso ou cidadão sem consciência cívica.

A apelação do Estado por um dever fiscal mais consciente se dirige tão somente à razão pura do indivíduo e à boa vontade latente nessa razão. Por outro lado, a oposição ao imposto surge da esfera mais vital do ser humano, em seus instintos e tendências naturais, que neutralizam e vencem esse dever racional, muito menos poderoso.

Ainda segundo Günter Schmölders, o fato de o imposto aparecer como algo que é exigido coercitivamente, sem especial contraprestação, desperta no indivíduo um dos seus instintos mais potentes: o instinto de dominação, que inspira o cidadão a defender a posse de seus próprios bens. A menos que um temor ancestral de raiz religiosa ou também de natureza patrimonial (multa) nele inspire a necessidade de contribuir de algum modo ao bem-estar geral, os deveres fiscais encontram no homem as mais poderosas resistências.³ Isso ocorre no mundo inteiro, não é exclusividade brasileira.

Essas percepções fazem muita diferença e podem influir no modo com que as regras de responsabilização são interpretadas. A ideia de um sócio que leva uma empresa à insolvência e depois some sem pagar os tributos devidos - essa é a visão da Fazenda em muitos casos - não traz ao magistrado o mesmo espírito de boa-vontade, por exemplo, que o caso da pessoa com câncer diagnosticado que solicita a isenção do imposto de renda.

Na minha opinião, a responsabilização do sócio, a partir de determinado momento - por conta dessa percepção equivocada apontada no parágrafo anterior -, passou a ser considerada como uma das possíveis soluções para o baixo índice de sucesso obtido pelas Fazendas nos processos de execução fiscal. Em alguns casos, passou-se por cima da lei e do bom senso para justificar a cobrança de sócios, gerentes e administradores.

Prova disso era o entendimento, hoje ultrapassado, de que o mero inadimplemento já fazia incidir a regra de redirecionamento (STJ, 2ª Turma, REsp nº 7.303/RJ, Rel. Min. José de Jesus Filho, DJ 03/08/1992; 2ª Turma, REsp nº 1.674/GO, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ 06/11/1995). Esse entendimento, se mantido, facilitaria muito o processo de cobrança do crédito tributário; mas foi posteriormente afastado pelo STJ.

Outro ponto que chamou muito a atenção dos empresários de maneira geral foi o entendimento de que quando o sócio é inscrito na CDA cabe a ele o ônus da prova de que não agiu ilicitamente, consolidado no acórdão proferido no REsp nº 1.104.900/ES, julgado de acordo com o rito do art. 543-C, do CPC/1973. No precedente, a Corte entendeu que, no caso relatado, cabe ao sócio o ônus da prova de que não agiu ilicitamente. Quando na CDA não consta o seu nome, o ônus da prova é da Fazenda Pública.

Ora, qualquer advogado que milita na área defendeu clientes em que a Fazenda incluía o nome dos sócios na CDA sem nenhum tipo de apuração anterior, sem nada que apontasse para qualquer infração à lei ou contrato / estatuto. Era mais fácil dessa forma, pois assim fazendo imputava-se ao contribuinte o ônus da prova. E como o contribuinte poderia provar que não agiu ilicitamente? Que tipo de prova poderia ser útil nesse sentido? Deveria o contribuinte juntar todos os documentos contábeis da empresa no prazo prescricional para cobrança de tributos? Ou deveria ser no prazo prescrição para apuração de eventual crime? Enfim, ao contribuinte ficou o dever de produzir prova negativa (diabolica probatio). Nunca vi alegação ou prova ultrapassar o muro kafkiano colocado por esse entendimento esdrúxulo.

Atualmente, encontra-se sobrestado o REsp nº 1.645.333, de relatoria da Ministra Assusete Magalhães, em que será analisado: (i) se o sócio, gerente ou administrador poderá ser responsabilizado mesmo que não tenha feito parte da sociedade na época dos fatos geradores, bastando, para tanto, que tenha nela permanecido quando do encerramento irregular; (ii) se o sócio, gerente ou administrador poderá ser responsabilizado se apenas tiver feito parte da sociedade na época da dissolução irregular, sendo irrelevante o fato de tê-la integrado na época do fato gerador; ou (iii) se a responsabilidade somente pode ser reconhecida se o sócio fizer parte da sociedade nos dois momentos indicados.

Nesse caso, pretende a Fazenda o overruling do entendimento anterior, que era no sentido de que a responsabilização demandava a presença do interessado tanto na época dos fatos geradores, quanto na dissolução ilícita. A ideia aqui, mais uma vez, é salvar o processo de cobrança, independentemente das regras simples do senso comum.

Basta pensar no simples exemplo do sócio que se retira da sociedade quando todos os tributos devidos estão sendo devidamente questionados em sede administrativa. Posteriormente a sua saída, a empresa recebe a resposta negativa a suas impugnações e os sócios remanescentes fecham as portas do estabelecimento. Quando o sócio dissidente saiu da empresa, ela estava plenamente regular; mesmo assim, poderá responder com seu patrimônio pessoal, a depender do entendimento da Fazenda.

Outro exemplo. O sócio entra na empresa, que tem contra si alguns tributos lançados, também em discussão administrativa; evidentemente, o novo sócio em nada contribuiu para o surgimento dessas dívidas. Por qualquer tipo de adversidade econômica, a empresa não consegue seguir adiante e, junto com os demais sócios, ele decide encerrar as atividades, ainda que sem comunicar aos órgãos oficiais. Ou seja, agem contra legem, mas isso não depõe contra sua moral, não o torna sonegador, conforme disse Günter Schmölders. Supondo que ele aceite pagar pelos tributos que decorreram de sua gestão, isso não será suficiente; porque poderá arcar com os tributos que lhe antecederam.

Há também o entendimento contra legem, que é o caso do redirecionamento contra sócio, gerente e administrador no caso de encerramento irregular da empresa, entendimento que restou sumulado (cf. verbete nº 435 do STJ). Veja-se a redação clara do art. 135 do CTN: “São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos”. O termo “resultantes” foi destacado para demonstrar que a responsabilização do agentes previstos em lei requer necessariamente um nexo causal, ou seja, o tributo deve resultar daquele ato ilícito praticado. A lei não poderia ter sido mais clara. A pergunta que cabe aqui é se do encerramento irregular de uma empresa pode resultar tributo que possa ser cobrado dos sócios, gerentes e administradores. Óbvio que não.

A responsabilidade de sócios, gerentes e administradores não é a salvação de execuções perdidas; para o aumento da eficiência e eficácia da cobrança da dívida ativa deve-se focar em outras questões, como v.g. o uso de meios alternativos de resolução de litígios (transação, arbitragem, conciliação, mediação, etc.); privatização de alguns procedimentos de cobrança de créditos tributários, etc.

O princípio do consentimento ou adesão ao imposto tem fundamental importância na diminuição de sua rejeição, atuando no âmago psicológico do contribuinte. Certamente, por adesão ao imposto não se quer dizer vontade de pagá-lo. Os significados de tais expressões são completamente diferentes. Ao passo que a adesão se reporta à noção de concordância, aprovação ou assentimento, a vontade é a manifestação expressa do desejo. E ninguém deseja pagar tributos.

No entanto, a cobrança de tributos com regras claras traz a aceitação resignada, segundo a expressão utilizada por Lucien Mehl, Jean-Claude Martinez e Pierre Di Malta.⁴ A resignação representa com exatidão o espírito daquele que paga impostos sem, todavia, desejá-lo.

Há casos em que a irresignação do contribuinte decorre de tributos criados sem o necessário respeito às regras postas e também de entendimentos absurdos firmados pelo Poder Judiciário. Essa irresignação tem como consequência a fuga do contribuinte com menos recursos, bem como a criação de estruturas de bloqueio - caso dos contribuintes com apoio jurídico.

Conheço vários casos de contribuintes que, alertados sobre as consequências de uma dissolução irregular, mantêm a empresa em funcionamento, mesmo que sem receita, numa pequena sala, com apenas uma pessoa para fazer atendimento. O contador entrega todas as declarações contábeis e cumpre todas as regras existentes. O contribuinte mantém essa estrutura pelo prazo da prescrição intercorrente, findo o qual o advogado pede a extinção do processo. E o crédito tributário permanecerá incobrável.

Não há dúvida de que determinados atos e entendimentos firmados pelo estado favorecem a fraude, a sonegação, o abuso do direito, pois eles acabam fazendo ultrapassar, além do limite aceitável, o que Jean Dubergé chamou de custos psicológicos do imposto.⁵

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1 FILIPPO, Luciano Gomes. “Da Responsabilidade do Sócio na Jurisprudência do STJ: Erros e Acertos. Considerações de Direito Comparado”, Revista Tributária e de Finanças Públicas, n° 100, Out./Nov. 2011, p. 325/347.

2 LAUFENBURGER, Henry. Théorie économique et psychologique des Finances publiques. Paris: Sirey, 1956, p. 233 e ss.

3 SCHMÖLDERS, Günter. Lo irracional en la hacienda pública. Madrid: Editorial de Derecho Financiero, 1965, p. 113.

4 MEHL, Lucien. “Le principe du consentement à l’impôt et autres prélèvements obligatoires. Mythe et réalité”. Revue Française de Finances Publiques, 1995, p. 72; MARTINEZ, Jean-Claude; DI MALTA, Pierre. Droit fiscal contemporain. Tome 1. Paris: Litec, p. 31.

5 DUBERGÉ, Jean. Les français face à l’impôt. Essai de psychologie fiscale. Paris: LGDJ, 1990; e DUBERGÉ, Jean. La psicologia social del impuesto en la Francia contemporanea. Madrid: Editorial de Derecho Financiero, 1965.

Responsabilidade de sócios, gerentes e administradores: questões de 'psicologia fiscal'

É curioso notar ausência no debate jurídico sobre questões de psicologia ou psicosociologia no âmbito do direito tributário