André Roberto de Souza Machado

Com o advento da Lei 13.303/2016, cuja eficácia plena se dá em 2018, a questão da responsabilidade contratual dos fornecedores e prestadores de serviços que celebram contratos com as empresas estatais tornou-se objeto de preocupação, em razão do teor do seu artigo 76.
Por responsabilidade contratual denominamos o conjunto de regras e princípios que disciplinam as causas, pressupostos e consequências do inadimplemento, em sua mais ampla acepção. Diferente da responsabilidade civil extracontratual, que está alicerçada no dever geral de conduta, de não causar dano injusto a outrem (alterum non laedere), atribuído a todos os membros da sociedade e que tutela os interesses das vítimas de práticas ilícitas e abusivas, a responsabilidade contratual pressupõe a existência de uma relação negocial antecedente entre as partes, de onde derivariam as obrigações e os deveres anexos.
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Nesse contexto, é importante destacar que a evolução da responsabilidade civil extracontratual com o advento do Código Civil de 2002 mostrou-se bem mais significativa do que a referente à responsabilidade contratual. Assim, por exemplo, o CC/2002 previu solidariedade legal entre os diversos coautores de condutas ilícitas, na forma do artigo 942, independentemente do grau de participação culposa de cada um, bem como a responsabilidade solidária e objetiva dos pais pelos atos ilícitos praticados pelos filhos incapazes (artigo 928).
A responsabilidade contratual, por outro lado, permaneceu tratada como subjetiva, na regra geral do CC/2002<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote1sym" name="sdfootnote1anc">1</a>, dependendo da verificação (ou presunção) de culpa do devedor<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote2sym" name="sdfootnote2anc">2</a> inadimplente, sendo excepcional a sua responsabilidade objetiva (artigo 393), assim como a solidariedade permaneceu dependente de previsão contratual ou normativa expressa (art. 265). 
Por vezes, como nas obrigações de resultado, a referida culpa se presume dispensando o credor de fazer a sua comprovação, de modo que é invertido o ônus da prova para que o próprio devedor afaste a sua responsabilidade pela demonstração de inexistência de culpa.
Veja-se que a referida presunção de culpa pela simples ausência do resultado contratado não torna a responsabilidade objetiva, mas conduz a um diferimento na distribuição do ônus probatório quanto a essa culpa.
Já nas obrigações de meio o devedor é responsabilizado quando demonstrada a sua culpa na prestação inadequada ou defeituosa dos meios, não se presumindo a culpa apenas pela ausência de um resultado desejado, pois que sequer obrigatório.
A especial responsabilidade contratual objetiva e solidária ficou dependente da autonomia privada dos contratantes (art. 393, do CC), de fazerem inserir este tipo de assunção de risco pelo devedor, ou de comandos legais específicos baseados na gravidade do risco ou na vulnerabilidade de uma das partes, a exemplo do Código de Defesa do Consumidor.
Recentemente, no entanto, o novo regime legal das empresas estatais (Lei n. 13.303/2016) trouxe uma nova hipótese de responsabilidade contratual, estabelecendo que aquele que celebrar contrato com a empresa estatal ficará obrigado a reparar, corrigir, remover, reconstruir ou substituir, às suas expensas, no total ou em parte, o objeto do contrato em que se verificarem vícios, defeitos ou incorreções resultantes da execução ou de materiais empregados, e responderá por danos causados diretamente a terceiros ou à empresa pública ou sociedade de economia mista, independentemente da comprovação de sua culpa ou dolo na execução do contrato (art. 76).
Tal inovação legislativa foi recebida com estranheza pela comunidade jurídica, pois que, até agora, a imputação de responsabilidade objetiva no âmbito contratual estava reservada às relações assimétricas, em que a vulnerabilidade manifesta de um dos contratantes mereceria tutela excepcional.
Ocorre que, no caso das estatais, não se verifica posição de vulnerabilidade a justificar que ela, estatal, seja equiparada ao consumidor, muito pelo contrário, já que a estatal tende a possuir amplo poder de barganha na contratação com seus fornecedores de produtos e de serviços.
Em outra medida, também não se pode afirmar que a maioria dos produtos e serviços contratados pelas estatais sejam fonte de risco excepcional, a justificar o enquadramento no rol das atividades de risco do artigo 927, Parágrafo Único, do Código Civil, de modo que o enquadramento da responsabilidade, no âmbito da lei 13.303/2016, como objetiva nos parece um corpo estranho no sistema de responsabilidade contratual.
Já se cogitou<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote3sym" name="sdfootnote3anc">3</a>, inclusive, que a referida regra legal importará em uma maior oneração à própria empresa estatal, uma vez que seus fornecedores necessitarão incluir em seus custos o incremento de risco estabelecido pela legislação, o que impactará certamente nas apólices de seguro e nos custos das garantias. 
Além do problema da maior oneração da própria estatal, há ainda o problema da assimetria concorrencial, uma vez que os fornecedores das estatais poderão contratar, com os concorrentes destas, em condições menos gravosas. Afinal, como dito acima, a regra geral da responsabilidade contratual é a sua natureza subjetiva, o que importará menor risco ao fornecimento no mercado em geral do que para empresas estatais. Nesse aspecto, aliás, há um desvio em relação ao comando contido no art. 173, §1º, II, da Constituição, que determina a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários.
Outro aspecto que deve ser observado respeita à inexistência de ressalva legislativa para os casos de fornecedores aos quais o ordenamento jurídico confere tratamento próprio no campo da responsabilidade. Observando-se especificamente o caso de profissionais liberais, não organizados sob a forma empresarial, cuja responsabilidade é subjetiva inclusive no âmbito das relações de consumo, como estatui o art. 14, §4º, do CDC.
Ora, se o sistema de proteção e defesa do consumidor, que tem na vulnerabilidade do consumidor um princípio de ordem pública, prevê responsabilidade somente mediante culpa para tais profissionais, não se pode admitir que em proveito da empresa estatal esta responsabilidade seja ampliada; seria um verdadeiro contrassenso e um desrespeito ao diálogo das fontes.
Ademais, há atividades cuja prestação do serviço é compulsória, não se permitindo ao prestador recusar a contratação, como é o caso dos serviços de praticagem realizados nos portos brasileiros, de modo que obrigar tais prestadores a um regime diverso de responsabilidade tão somente por ter como tomador uma empresa estatal seria, sem dúvida, uma solução não dialógica com o sistema.
Há um aspecto da lei, porém, que pode vir a minimizar os problemas anteriormente apontados, e está na interpretação da redação do art. 76, da Lei 13.303/2016 em confronto com a redação de outros dispositivos legais semelhantes. Senão vejamos:
Ao tratar da responsabilidade do fornecedor por fato do produto, a lei 8.078/1990, cujo art. 12 prevê que o fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos (grifo nosso).
Observe que o legislador neste caso, sem sombra de dúvida, excluiu a culpa como pressuposto da responsabilidade, ao afirmar que a responsabilidade independe da existência de culpa.
No mesmo sentido observamos o teor do artigo 14, caput, da Lei 8.078/1990 que dispõe que o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos (grifo nosso).
Também o Código Civil, ao tratar da responsabilidade objetiva nas atividades de risco, estabelece que haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, (grifo nosso).
De outro modo é a redação do artigo 76, da Lei 13.303/2016, que estabelece:
Art. 76. O contratado é obrigado a reparar, corrigir, remover, reconstruir ou substituir, às suas expensas, no total ou em parte, o objeto do contrato em que se verificarem vícios, defeitos ou incorreções resultantes da execução ou de materiais empregados, e responderá por danos causados diretamente a terceiros ou à empresa pública ou sociedade de economia mista, independentemente da comprovação de sua culpa ou dolo na execução do contrato. (grifo nosso)
Como se nota, a Lei 13.303/2016 utiliza a expressão comprovação e não existência, o que pode remeter então a uma outra conclusão, mais coerente inclusive, quanto à regra de responsabilidade contratual nos contratos celebrados com as empresas estatais, qual seja: o prejudicado pelo dano não precisará comprovar a culpa do ofensor, presumindo-se esta, cabendo ao próprio ofensor produzir a prova da inexistência de conduta culposa, na mesma lógica das obrigações de resultado.
Caso esta seja a interpretação conferida ao art. 76, melhor cenário dialógico teremos tanto em relação ao Código Civil, quanto em relação ao Código de Defesa do Consumidor, para ficar apenas nestes dois diplomas mais abrangentes.
Temos que, diante da problemática introduzida pela Lei 13.303/2016, no campo da responsabilidade contratual, deve-se interpretar a responsabilidade como baseada em culpa presumida iuris tantum, a qual poderá ser afastada pelo contratado quer por prova da inexistência de culpa, quer da inexistência de nexo causal. Se, por outro lado, o entendimento for pela responsabilidade objetiva como regra legal, esta deverá ser afastada quando em conflito com outra norma que dê tratamento diverso e mais específico à atividade desempenhada pelo contratado, mantendo-se um diálogo de coerência entre os sistemas, a fim de evitar o agravamento injustificado e insuportável dos riscos nestas situações.

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<div id="sdfootnote1">
<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote1anc" name="sdfootnote1sym">1</a> Nesse sentido ver GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, vol.2. São Paulo: Saraiva, p. 350; BEVILÁQUA, Clovis. Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Rio, 1977; GOMES, Orlando. Obrigações...., RODRIGUES, Silvio...., VENOSA..., MONTEIRO....
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<div id="sdfootnote2">
<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote2anc" name="sdfootnote2sym">2</a> Mesmo para aqueles que defendem a imputabilidade como elemento, no lugar da culpa, tal elemento também é analisado de forma subjetiva, isto é, o fato imputável ao devedor não se verifica em circunstâncias como o caso fortuito, a força maior, o fato de terceiro, a culpa da vítima etc.
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<div id="sdfootnote3">
<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote3anc" name="sdfootnote3sym">3</a> BONELLI, Claudia Elena e Mello, MAYNA Dias. A responsabilidade objetiva no Estatuto das Estatais - Lei nº 13.303/2016 em <a href="http://www.swisscam.com.br/a-responsabilidade-objetiva-no-estatuto-das-estatais-lei-n-13.3032016.html">http://www.swisscam.com.br/a-responsabilidade-objetiva-no-estatuto-das-estatais-lei-n-13.3032016.html</a>, acessado em 05.05.2018. 
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Responsabilidade contratual nos contratos com as estatais

Objetiva ou por culpa presumida?