Rony Tahan

Marcia Harue I. de Freitas

Num cenário de globalização cada vez mais acentuado, com a dissolução das sólidas barreiras antes existentes entre os países, em ambientes agora raramente adstritos a rígidos limites territoriais, proliferam inúmeras circunstâncias fáticas inéditas, carentes ainda de um esteio jurídico acurado e definitivo, em que pese o constante esforço dos órgãos legislativos e regulamentares de acompanhar, no plano hipotético, todas essas transformações.
Uma das questões afetadas por essas transformações diz respeito à diferença entre a nacionalidade e residência fiscal e os seus distintos efeitos jurídicos.
A nacionalidade brasileira, nos termos da Constituição Federal, pode ser obtida de dois modos: originariamente – adquirida com o simples nascimento, preenchidos alguns requisitos constitucionais – bem como de forma derivada, a partir de um requerimento administrativo, ao final do qual o Brasil, à sua discricionariedade, poderá ou não conceder a nacionalidade ao requerente. 
Em que pese a indefinição que ainda gravita em torno da matéria, tanto na prática administrativa e judiciária quanto nos debates acadêmico-doutrinários e com base no posicionamento mais recente do Supremo Tribunal Federal, a nacionalidade brasileira pode vir a ser cancelada pelo Estado brasileiro em algumas situações, ainda que adquirida de forma originária (por exemplo, com o nascimento em território nacional). 
Isso porque a Constituição Federal, no art. 12, §4º, inciso II, alíneas “a” e “b”, estabelece hipótese de perda de nacionalidade por brasileiro que adquire outra. 
As únicas exceções são os casos ressalvados pelo próprio texto constitucional, a saber: (i) se essa outra nacionalidade for adquirida de forma nata, em conformidade com o respectivo ordenamento jurídico (por exemplo, pessoa que nasceu em território brasileiro, cujos pais são nacionais de Estado que prevê a aquisição de nacionalidade nata pelo critério sanguíneo, de forma que ambas as nacionalidades lhe são incorporadas de forma originária, com o nascimento); ou (ii) se a aquisição da nacionalidade é condição para o brasileiro residente no exterior permanecer em Estado estrangeiro ou nele exercer seus direitos civis.
Essas duas exceções são taxativas. Em qualquer outra hipótese de aquisição de nacionalidade estrangeira, nos termos da Constituição Federal, haverá a perda da nacionalidade brasileira.
Não obstante a previsão constitucional expressa, o tema é muitas vezes desconhecido ou encarado com indiferença pela maioria dos nacionais. Não são raros os casos em que brasileiros adquirem nacionalidades secundárias, em contextos não enquadrados nas exceções antes mencionadas e, ainda assim, mantêm o passaporte brasileiro ativo. E a pendência simultânea de ambas as nacionalidades ocorre porque as autoridades nacionais não têm o hábito – e nem o interesse – de se empenhar na fiscalização de eventuais aquisições de nacionalidades estrangeiras por cada um dos detentores da nacionalidade brasileira.
Isso não impede, contudo, que a nacionalidade brasileira venha a ser cancelada uma vez que, de alguma forma, as autoridades tomem ciência da existência da pendência de outra nacionalidade paralela. 
De outro lado, há uma outra figura jurídica, que também pressupõe a formação de vínculo com o estrangeiro, mas que ostenta natureza jurídica distinta da nacionalidade e cuja obtenção gera, por conseguinte, outra espécie de efeito: a residência fiscal. 
A Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal nº 208/2002, nos seus dispositivos iniciais, traz os conceitos de residente e não residente para fins de tributação no País. 
Em termos práticos, se preenchidos alguns requisitos (essencialmente, não habitar no Brasil em caráter permanente, isto é, permanecer no País por menos de 183 dias por ano, consecutivos ou não), a pessoa física pode comunicar sua saída do Brasil, informando os ativos e fontes pagadoras que aqui remanescem, bem como recolhendo tributação até a data de sua saída, quando deixa de possuir deveres perante o Fisco nacional. 
Nos últimos anos, aliás, verifica-se um massivo crescimento na obtenção de residência fiscal em países estrangeiros por parte de muitos brasileiros. Na maioria dos casos, observadas as condições, o nacional comunica sua saída do Brasil, com a perda de sua condição de residente fiscal, para passar a declarar e recolher seus rendimentos perante autoridade tributária de outro Estado.
Nesses casos, é comum que se origine um engano conceitual entre “aquisição de outra nacionalidade” e “obtenção de outra residência fiscal”. No entanto, é preciso deixar claro que se tratam de duas realidades completamente diferentes, com efeitos jurídicos, portanto, distintos. 
A nacionalidade é tema constitucional e questão de soberania do Estado brasileiro e de cada Estado de Direito. Já a residência fiscal tem viés meramente infraconstitucional e, inclusive, em muitos aspectos, infralegal.
Nesse ponto, o já mencionado art. 12, §4º, inciso II, alíneas “a” e “b”, da Constituição Federal, não prevê a comunicação de saída do Brasil (para fins de residência fiscal) como fundamento para cancelamento da nacionalidade brasileira. O dispositivo é claro: perde a nacionalidade o brasileiro que “adquirir outra nacionalidade”. De modo que a comunicação e declaração de saída fiscal do Brasil e obtenção de residência em outro Estado, por si só, não implica qualquer efeito com relação à nacionalidade brasileira. 
Em episódio bastante elucidativo veiculado recentemente pela mídia (Ext 1462/DF), constata-se um caso que exemplifica de forma bastante expressiva a hipótese de perda de nacionalidade, quando os efeitos previstos pela Constituição Federal tomaram proporções sem precedentes, na medida em que o cancelamento de nacionalidade culminou com a autorização para a própria extradição de ex-brasileira nata. 
<a name="_GoBack"></a> A Constituição Federal prevê no art. 5º, inciso LI, a vedação da extradição de brasileiro nato, sob qualquer circunstância, como direito fundamental. A extradição ocorre quando Estado no qual houve a ocorrência de crime reivindica a outro, para o qual o suposto autor da infração fugiu após cometê-la, a competência para julgamento do crime. Assim, solicita o encaminhamento do sujeito para responder pelos seus atos sob a jurisdição do território no qual o evento se consumou, por questão de soberania.
Nesse contexto, no caso submetido a julgamento do Supremo Tribunal Federal, uma brasileira nata mudou-se para os Estados Unidos nos anos 1990 e casou-se com um americano, conseguindo obter, por isso, licença permanente para viver e trabalhar no país (Green Card), que provoca, igualmente, a responsabilidade da brasileira pelo cumprimento de suas obrigações tributárias perante o Estado americano. Todavia, e é aqui que reside a principal diferença entre os dois institutos, após alguns anos nos Estados Unidos, a brasileira resolveu dar início a processo para obtenção de nacionalidade americana – embora o porte do Green Card já lhe garantisse o exercício da maioria de seus direitos civis – o que foi, de fato, obtido em 1999. Em 2007, houve seu retorno ao Brasil, suspeita de ter sido autora do homicídio de seu ex-marido. Desde então, os Estados Unidos pleiteavam sua extradição, para que o crime fosse processado e julgado sob a égide da jurisdição americana. 
O pedido de extradição se arrastou por quase 10 (dez) anos no Brasil, sendo que a baliza para definição da possibilidade ou não de deferi-lo consistiu em perquirir o vínculo jurídico com o nosso Estado: caso fosse brasileira, a extradição restaria vedada por óbice constitucional. 
Em 2017, por maioria de votos, o Supremo Tribunal Federal entendeu que no momento em que optou pela nacionalidade americana a brasileira, automaticamente, mesmo nata, renunciou à nacionalidade originária, já que, ao ver da Corte, nenhuma das exceções autorizadoras previstas na Constituição se aplicariam ao seu caso.
Isto é, a nacionalidade brasileira foi cancelada pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal porque, no caso, outra nacionalidade foi adquirida, o que culminou com a autorização de extradição da brasileira para julgamento perante uma corte estrangeira. O mesmo não se aplicaria se a brasileira tivesse mantido apenas o visto de permanência (Green Card), já que a saída do Brasil e obtenção de residência fiscal no exterior não configuram hipóteses de perda de nacionalidade brasileira.
Como se consignou, muito embora nem sempre se verifique uma fiscalização ostensiva por parte das autoridades para cancelamento de nacionalidades brasileiras, em especial considerando o movimento de muitos brasileiros de emigrar para outros países, é muito importante ter conhecimento de que, em algumas circunstâncias, quando de interesse do Estado, essa condição pode ser investigada, à semelhança do recente precedente comentado, cujo desfecho final levou à extradição de brasileira nata. 
Desse modo, é importante ter em mente que a declaração de saída do Brasil e obtenção de residência fiscal em outro país, embora não demonstre, em princípio, grandes riscos ao declarante, envolve relevantes questões adjacentes que, se mal conduzidas, podem trazer consequências inesperadas e indesejadas em outras esferas. A decisão de emigrar deve envolver, não só uma análise dos seus efeitos fiscais, mas também a confirmação de que a decisão não afetará outros aspectos da vida, inclusive a perda da própria nacionalidade.

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JOTA

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