Carmen Tiburcio

Fabio Zambitte

Em 13 de janeiro, o governo federal promulgou a Lei nº 13.254/2016, que passou a ser conhecida como Lei de Repatriação. O objetivo da Lei consistia em instituir um Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT) de recursos, bens ou direitos de origem lícita, não declarados ou declarados incorretamente, remetidos e mantidos no exterior ou repatriados por residentes ou domiciliados no País. 
Era iniciativa que engatinhava desde 2003 no país. Nos moldes já praticados em outros países (Itália e Alemanha, por exemplo), foram apresentados diversos projetos de lei (PLCs 113/03, 5.228/05 e PLSs 424/03 e 443/08), com características e redações variadas. Sob a perspectiva da Fazenda, a Lei foi importante tentativa de aumentar a arrecadação em tempos de crise. Sob a perspectiva dos contribuintes, a chance de regularizar ativos.
Há alguns anos, era inimaginável que as autoridades de um Estado pudessem ter acesso a informações sobre a existência de bens no exterior, protegidos pelo sacrossanto princípio da territorialidade. As autoridades públicas de um país só tinham jurisdição sobre bens e pessoas situadas no seu território, princípio consolidado pela importante decisão da Corte Permanente de Justiça Internacional da Haia, de 1927, no caso Lotus. 
Mais recentemente, esse cenário mudou de forma drástica. Não só em razão da possibilidade de divulgação de informações por ex-funcionários insatisfeitos – como ocorreu no caso que ficou conhecido como Swissleaks, quando Hervé Falciani, funcionário do HSBC suíço, divulgou lista de depositantes do banco ao jornal francês Le Monde –, mas também em razão de movimento em prol da transparência internacional. 
O movimento se insere num contexto global de moralização da vida econômica e combate à lavagem de dinheiro, que motivou a elaboração de tratados e a criação de grupos específicos sobre o tema – como a Convenção Europeia de 1990 e o Grupo criado no âmbito da ONU (GAFI). Dignos de nota são os acordos entre a Suíça e os Estados Unidos, entre a Suíça e a União Europeia (que entrará em vigor em 2017) e os tratados firmados no âmbito da OCDE que preveem a troca automática de informações fiscais entre autoridades. 
No contexto brasileiro, a redação final da referida Lei previu a redução dos encargos: a alíquota máxima do imposto de 27,5%, aplicável às pessoas físicas, foi reduzida para 15%, adicionando-se 100% de multa pela não declaração, o que gerou o encargo global de 30% sobre os valores regularizados, com a consequente extinção da punibilidade para os crimes de evasão de divisas e de sonegação fiscal.
A sistemática da lei, contudo, não foi perfeita. Como se não bastasse a insegurança sobre qual saldo informar no programa, o legislador houve por bem envolver mais agentes nessa regularização, opção que o tempo revelou ser  mais uma fragilidade do programa. 
No RERCT, não foi suficiente a declaração do contribuinte acerca da existência dos ativos não declarados no exterior, mesmo com extratos da época. A instituição estrangeira também deveria enviar informações sobre a conta bancária para instituição financeira autorizada a funcionar no país. Esta não teria qualquer responsabilidade quanto à averiguação das informações prestadas pela instituição financeira estrangeira (art. 4º, §13 da Lei). 
Mesmo assim, diversos interessados enfrentaram dificuldades para que as instituições brasileiras aceitassem receber as referidas informações.  Estas exigiam a abertura de um processo interno para determinar se as informações poderiam ou não ser recebidas. Mesmo os bancos públicos, que deveriam estar alinhados com o propósito de permitir a consecução dos objetivos da Lei, mostraram grande resistência. 
A falha do sistema criado decorre do fato de que o legislador considerou essencial a participação dessas instituições para a adesão ao programa, mas não estabeleceu deveres para os bancos e tampouco sanção pela recusa no recebimento das informações. Perderam todos: o governo federal que não arrecadou e o particular que deixou de aproveitar os benefícios previstos pelo legislador. 
Pela experiência internacional, não é incomum que tais programas sejam reabertos e propostas neste sentido já estão sendo discutidas no Senado Federal. Assim, em uma próxima oportunidade, bem se faria em consultar as partes envolvidas para que as regras fiquem claras e seja possível que a Lei atinja plenamente os seus objetivos.

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JOTA

Em uma próxima oportunidade, bem se faria em consultar as partes envolvidas para que as regras fiquem claras

A repatriação de recursos – Aprendizado para o futuro

Em uma próxima oportunidade, bem se faria em consultar as partes envolvidas para que as regras fiquem claras