Rodrigo de Grandis

Tudo indica que o Projeto de Lei n.º 186/2015, que possibilita a repatriação de bens não declarados ou declarados incorretamente, remetidos ou mantidos no exterior, por residentes ou domiciliados no Brasil, em breve se transformará em Lei pela sanção presidencial.
Após tumultuado processo legislativo, o Plenário do Senado Federal aprovou a criação de um Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária de Recursos (RERCT), promovendo importantes alterações em relação ao Projeto originário da Câmara dos Deputados.
A versão legislativa do Senado ficou melhor, ao menos sob aspectos penais e de investigação criminal. Em função das modificações conferidas pelo Senado, destaco aqui dois pontos dentre vários do RERCT que merecem atenção: (i) a obrigação de indicação da origem e da titularidade dos recursos na declaração de repatriação (art. 4º, § 1º, II) e (ii) a possibilidade de utilização da declaração de repatriação como elemento probatório para iniciar expediente investigatório ou procedimento criminal, desde que ela não seja o único indício ou elemento probatório (art. 4º, § 12, I).
Pela proposta da Câmara dos Deputados, a adesão ao RERCT e, consequentemente, a extinção da punibilidade em relação aos crimes previstos no rol taxativo do art. 5º do PL n.º 186/2015 (sonegação fiscal, sonegação de contribuição previdenciária, falsidade material e ideológica de documentos públicos e particulares, uso de documento falso, declaração falsa em contrato de câmbio, evasão de divisas, lavagem de dinheiro e descaminho, quando o objeto do crime for bem, direito ou valor proveniente, direta ou indiretamente, dos crimes anteriormente mencionados), exigia do contribuinte tão-somente a sua identificação e o fornecimento de informações necessárias à identificação dos recursos, bens ou direitos a serem regularizados, além, obviamente, do valor dos recursos e a declaração de que os bens ou direitos declarados têm origem em atividade econômica lícita.
Com a nova redação atribuída no Senado, quem busca os benefícios da repatriação deverá fornecer, além de todos esses requisitos, informações sobre a titularidade e a origem dos recursos. Esse é um ponto fundamental. Se fosse mantida a proposta da Câmara dos Deputados, seria impossível demonstrar a origem dos recursos existentes no estrangeiro.
Em outras palavras, a extinção de punibilidade pelo cometimento dos crimes do art. 5º estaria condicionada exclusivamente à declaração do interessado, inclusive aquela que não correspondesse à verdade.
Se alguém, por exemplo, possui no estrangeiro recursos provenientes do crime de extorsão mediante sequestro, que não consta da lista de anistia do art. 5º, e declarasse que esses bens foram obtidos licitamente ou de um crime de sonegação fiscal, seria beneficiado pelo RERCT, sem que houvesse a possibilidade de descobrir a verdadeira origem (ilícita) dos recursos mantidos fora do Brasil.
Sobre a utilização da declaração de regularização para fins de investigação criminal, a proposta legislativa proveniente da Câmara dos Deputados era no sentido de que ela não poderia, de qualquer modo, ser utilizada como indício ou elemento para efeitos de expediente investigatório ou procedimento criminal (art. 4º, § 12).
No Senado, a redação foi flexibilizada, tornando possível a utilização da declaração de repatriação como elemento probatório para desencadear investigação de natureza criminal, desde que ela não seja o único indício ou elemento probatório (art. 4º, § 12, I).
Essa mudança atende, sem dúvida, à necessidade concreta de realizar-se investigação criminal sobre delitos que eventualmente não tenham sido abrangidos pela extinção de punibilidade decorrente da declaração de regularização e à pesquisa da origem dos recursos. Ela prestigia, também, o direito à prova, ao afastar a exclusão absoluta da declaração de repatriação como elemento de convicção, o que deixava a Polícia e o Ministério Público de mãos atadas para desencadear a persecução criminal.
Por fim, a mudança empreendida pelo Senado vai ao encontro de outros dispositivos existentes no ordenamento jurídico que vedam a possibilidade de uma decisão criminal desfavorável proferida exclusivamente com base na palavra da própria pessoa, como acontece com a confissão (art. 197 do Código de Processo Penal) e com a colaboração premiada (art. 4º, § 16 da Lei n.º 12.850/2013).
Enfim, essas duas modificações conferidas pelo Senado tornaram o RERCT mais adequado do ponto de vista da investigação criminal, evitando espaços para a impunidade. Elas representam, sem dúvida, um avanço em relação ao projeto proveniente da Câmara dos Deputados, que permitia, na prática, que os benefícios advindos da repatriação fossem gozados sem uma constatação mais segura e criteriosa da origem dos recursos conservados no exterior.
Resta saber, agora, se a Presidente da República sancionará a proposta legislativa do Senado ou o vetará parcialmente, retrocedendo à redação aprovada na Câmara dos Deputados.

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JOTA

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