Werner Grau

<p>O espinhoso tema da natureza dos direitos derivados de danos ambientais, que gera fervorosos debates, ganha contornos ainda maiores quando inserida uma variável exógena no debate: a possibilidade de o devedor acionar o mecanismo da recuperação judicial como forma de garantir o pagamento de todos – e não apenas de alguns – seus débitos. Por conta de caso rumoroso, veio à tona debate acerca do alcance, pela recuperação judicial, de créditos decorrentes de pedidos de indenização por danos ao <em>meio ambiente e a terceiros.</em></p>
<p>O tema, que parece simples à luz das soluções procedimentais trazidas pela lei para alcance da satisfação do dever de reparação, revela-se complexo quando verificados dois aspectos: de um lado, a multifacetada natureza de danos – e portanto de direitos – decorrentes do genericamente chamado “dano ambiental”; de outro, a postura reiteradamente adotada pelo principal agente, dentre os legitimados à busca pela reparação do “dano ambiental”, quanto à natureza especialíssima, transversal aos demais ramos do direito, e do direito à reparação por danos ambientais.</p>
<p><a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Fundado no que denomina de “princípio da centralidade do sofrimento da vítima”, o “Ministério Público brasileiro” (conforme se autodenominam, quando atuando em conjunto, integrantes do Ministério Público Federal e do Ministério Público de alguns estados) afirma que os direitos decorrentes de danos ambientais, notadamente aqueles que a melhor doutrina denomina de danos ambientais impróprios, que são aqueles de ordem material derivados de condutas lesivas ao meio ambiente, devem ter especial e privilegiada atenção, impondo-se sua célere e livre de obstáculos reparação.</p>
<p>Pois bem. Tomada situação em que o agente causador do dano, pessoa jurídica, aciona o instituto da recuperação judicial, surge um novo desafio aos defensores dessa centralidade, desse privilégio, dessa transversalidade – esta última cantada e decantada na doutrina. Afinal, pau que bate em Chico, bate em Francisco.</p>
<blockquote class="jota-article__eye"><p>O ponto é: o crédito derivado de direito decorrente do dano ambiental sujeitar-se-á à recuperação judicial, ou a ela seguirá alheio?</p></blockquote>
<p>A resposta seria simples: sujeitar-se-á à Recuperação Judicial.</p>
<p>Em parecer precioso de 4 de agosto de 1884, o grande Ruy Barbosa, por ocasião de debate sobre direitos indenizatórios dos senhores de escravos, diante da controvérsia sobre os efeitos da “Emancipação dos Escravos”, defendeu que o ordenamento jurídico, esse bastião inflexível da segurança jurídica, deve, em determinados casos, ceder à necessidade de alcance da pacificação social, do alcance de uma nova realidade que se impõe a todos e a tudo, aí incluídos os efeitos materiais da lei e de institutos por ela trazidos.</p>
<p>Ao que tudo indica, raciocínio semelhante desafia a questão posta. Diante do lançar mão do instituto da recuperação judicial, por empresa que tem contra si obrigação assumida de reparação de danos ambientais, tanto danos ambientais próprios como impróprios, seria cabível manter tais créditos alheios à recuperação judicial, adotado o olhar interpretativo adotado pelo Ministério Público brasileiro, por parte da doutrina, e mesmo por parcela respeitável da jurisprudência, segundo o qual, porquanto transversal aos demais ramos do direito, o direito ambiental teria poder de interferir sobre tais direitos?</p>
<p>Mais ainda, tomada a visão do Ministério Público brasileiro, de que há de se dar centralidade ao sofrimento da vítima, para o que os danos ambientais impróprios travestir-se-iam de verdadeiros direitos humanos, e de que os danos ambientais próprios estariam sob o manto da transversalidade, seria defensável dizer que os créditos daí derivados teriam especial tratamento, desvinculando-se da recuperação judicial?</p>
<p>O tema reclama exame detido. De um lado, institutos pelos quais se estabelece procedimentos voltados à segurança jurídica: a desconsideração da personalidade jurídica, a recuperação judicial; de outro, uma abordagem do direito segundo a qual os institutos não podem desvirtuar um direito que teria uma ordem “maior”.</p>
<p>Em tempos de pós-positivismo, que encontra no ministro Roberto Barroso um expoente em nosso sistema, o tema ganha especial relevância.</p>
<p>Com a palavra, o Ministério Público brasileiro, a quem caberá, até por questão de coerência, instigar o debate.</p>
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JOTA

De um lado, multifacetada natureza de danos decorrentes do 'dano ambiental'; de outro, postura adotada pelo principal agente

A reparação das vítimas deve se sujeitar ao regime da recuperação judicial?

De um lado, multifacetada natureza de danos decorrentes do 'dano ambiental'; de outro, postura adotada pelo principal agente