Conformidade tributária

Remessa Conforme integra plataformas estrangeiras ao mercado brasileiro

Novas regras simplificam burocracia envolvendo tributação e desembaraço de compras internacionais

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Crédito: Unsplash

No final de junho, a Receita Federal publicou a Instrução Normativa RFB 2.146/23, posteriormente regulamentada através da Portaria Coana 130/23, em que formalizou a criação do esperado programa de conformidade tributária destinado a empresas de comércio eletrônico estrangeiras. 

O programa, nomeado Remessa Conforme, visa solucionar intensos debates que se desenrolaram no início de 2023 com relação à tributação de mercadorias importadas por pessoas físicas diretamente de vendedores em plataformas digitais situadas no exterior.

Essas operações se tornaram cada vez mais comuns entre consumidores brasileiros, que passaram a ver os marketplaces estrangeiros como uma alternativa que oferece ampla diversidade de produtos a preços atrativos, incrementada por ofertas de frete gratuito e cupons de desconto.

Por outro lado, a regulamentação até então vigente não se mostrava adequada à nova realidade de centenas de milhares de encomendas ingressando diariamente as fronteiras brasileiras com destino às casas brasileiras, ao estabelecer a cobrança do Imposto de Importação (II) à alíquota fixa de 60% caso os vendedores não fossem também pessoas físicas que praticassem essas operações sem intuito comercial.

Na prática, a reconhecida maioria das remessas postais eram desembaraçadas da alfândega sem a cobrança de impostos. Seja em decorrência de questionamentos quanto à legalidade da regulamentação imposta pela Receita Federal ou da inviabilidade operacional de fiscalização de todos os pacotes, a baixa arrecadação tributária nessas importações gerou um clima de hostilidade geral no mercado brasileiro.

A pressão de varejistas brasileiros para a criação de regras que aumentasse a tributação dos comércios eletrônicos estrangeiros gerou uma comoção pública dos consumidores desses sites e questionamentos sobre as relações comerciais do Brasil no exterior. A situação escalou a ponto de atrair a participação ativa de altos membros do governo federal em discussões em redes sociais.

A incomum participação, e pressão, da população em debates sobre medidas fiscais gerou resultados inéditos.

Buscando conciliar os interesses em jogo, as autoridades fiscais adotaram um caminho intermediário, por meio da criação do programa Remessa Conforme como a alternativa apaziguadora para solucionar a questão da tributação sobre as importações realizadas diretamente por pessoas físicas. 

Assim, a partir de 1º de agosto, as plataformas digitais interessadas poderão se credenciar no novo programa, que além de trazer mais transparência com o fisco brasileiro, permitirá o recolhimento dos tributos devidos já no momento de conclusão das compras no site ou aplicativo.

Por outro lado, a contribuição dos marketplaces com o fornecimento de informações ao fisco e auxílio no recolhimento dos tributos devidos, será recompensada com a isenção dos tributos federais em importações realizadas por seus clientes em valores inferiores a US$ 50 e o desembaraço aduaneiro mais ágil de suas remessas. Sem a incidência de tributos federais, os clientes deverão arcar apenas com o ICMS devido sobre essas operações (à alíquota geral de 17%, a depender da regulamentação de cada estado sobre o assunto). 

Não obstante seja admirável a iniciativa da Receita Federal em promover a conciliação dos diversos interesses em jogo, e a regulamentação pretendida pela Coordenação-Geral de Administração Aduaneira (Coana) tenha esclarecido alguns aspectos práticos, o Remessa Conforme ainda possui lacunas que merecem esclarecimentos para que seja garantido o sucesso do programa. 

O primeiro aspecto a ser esclarecido diz respeito ao prazo para que a Receita Federal publique o Ato Declaratório credenciando as plataformas no programa. Além disso, ainda há dúvidas sobre o reporte das informações solicitadas nas Declarações de Importação. E, o mais importante de tudo, há necessidade de regulamentação da forma de recuperação dos tributos pagos em caso de devolução das mercadorias pelos clientes. Da forma como a legislação é hoje, a recuperação dos tributos pagos não é possível e isso pode representar um custo relevante aos clientes. 

Apesar da necessidade de complementação da regulamentação, o Remessa Conforme se mostra promissor em um novo paradigma de aproximação da Receita Federal com os contribuintes e empresas estrangeiras. O recuo de uma postura litigiosa para resolução de conflitos tributários promove o alinhamento do Brasil às práticas recomendadas por organizações internacionais e aplicadas por países com sistemas tributários altamente eficazes. 

O Remessa Conforme, dentro do contexto de mudanças políticas em âmbito fiscal, pode ser um bom indicativo de como poderá ser o futuro das relações entre o fisco e contribuintes.logo-jota

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