Ademar Borges
Doutor em direito público (UERJ), é professor de direito constitucional do IDP (Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa)

É consagrada na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ)[1] e do Supremo Tribunal Federal (STF)[2] a máxima de que a declaração de nulidade do ato ilegal depende da demonstração de prejuízo à defesa, conforme estipula o art. 563 do CPP: “Art. 563. Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa”.
Trata-se de exigência que sujeita a declaração de nulidade de um ato processual praticado em inobservância às formalidades previstas em lei à prévia demonstração de prejuízo ocasionado ao acusado.
O art. 563 do CPP materializa o princípio da instrumentalidade das formas (pas de nullité sans grief), de origem inquisitorial, que busca preservar, ainda que em detrimento dos direitos fundamentais do acusado, a eficiência do processo penal como instrumento de aplicação da punição criminal.
No paradigma inquisitorial, as formas legais são passíveis de flexibilização em prestígio à busca da verdade real: a declaração de nulidade dos atos processuais praticados em desconformidade à lei era vista, nessa perspectiva, como um excesso de formalismo, um obstáculo à realização da justiça.
Não são poucas, na doutrina, as vozes críticas à alta tolerância da jurisprudência brasileira em relação às violações à lei processual penal mantidas em nome do princípio da instrumentalidade das formas.[3]
Essas críticas têm enfatizado que o princípio da instrumentalidade das formas já não mais ocupa lugar de centralidade no paradigma do processo penal acusatório.[4] Se a legitimidade do processo penal inquisitorial se assentava na descoberta da verdade real e privilegiava o resultado da persecução penal, a legitimidade do processo penal acusatório decorre da estrita submissão dos atos processuais ao parâmetro da legalidade.[5]
O direito comparado tem procurado destacar a necessidade de, sem prejuízo do valor fundamental que assume a legalidade sob o ponto de vista substancial, reivindicar também no plano processual a importância e essencialidade da estrita aderência pelo juiz ao sistema de legalidade processual.[6]
Somente assim o direito processual penal poderá desempenhar adequadamente sua principal função, que é a de limitar o poder punitivo estatal por meio da instituição de parâmetros normativos vinculantes e obrigatórios que garantam o mais amplo exercício do contraditório e da ampla defesa, em procedimento marcado pela paridade de armas e pela imparcialidade do Judiciário.[7]
Ainda que se reconheça, no contexto da atual Constituição, a validade e pertinência do princípio da instrumentalidade das formas no processo penal, uma interpretação constitucionalmente adequada do art. 563 do CPP deve garantir, de um lado, a plena submissão do Judiciário às determinações da lei processual penal;[8] e, de outro, o efetivo exercício pelo acusado dos direitos fundamentais que expressam as diversas dimensões da noção de processo justo.
A interpretação do art. 563 do CPP conforme as exigências da Constituição não pode conduzir à consolidação de uma cultura judicial de desrespeito sistemático à lei.[9]
Se as formas legais que estruturam o processo penal – e concretizam importantes direitos fundamentais do acusado – puderem ser inobservadas sem qualquer consequência, a lei processual deixará de exercer efetivo controle do poder punitivo estatal e se converterá em mera recomendação sem caráter prescritivo, sujeita à constante manipulação e desprovida de aptidão para pautar concretamente a atuação das autoridades estatais.
É o que destacou o ministro Celso de Mello ao afirmar que “a regra inscrita no art. 5º, inciso XXXV, da Lei Fundamental, garantidora do direito ao processo e à tutela jurisdicional, constitui o parágrafo régio do Estado Democrático de Direito, pois, onde inexista a possibilidade do amparo judicial, haverá, sempre, a realidade opressiva e intolerável do arbítrio do Estado ou dos excessos de particulares, quando transgridam, injustamente, os direitos de qualquer pessoa.”[10]
A trajetória da jurisprudência nacional sobre o tema não é exatamente virtuosa. Uma combinação da exigência de comprovação de prejuízo pelo réu, de um lado, com a negação sistemática de que a própria condenação criminal constitui prova suficiente desse prejuízo, de outro, tem produzido um quadro preocupante de altíssima e injustificável tolerância com a violação das garantias processuais no Brasil.
Alguns julgados do STJ já chegaram a afirmar, e.g., que “a condenação, por si só, não pode ser considerada como prejuízo, pois, para tanto, caberia ao impetrante demonstrar que a nulidade apontada, caso não tivesse ocorrido, ensejaria a absolvição do paciente ou a desclassificação de sua conduta, situação que não se verifica nos autos”[11] e que “a alegação de que ele poderia ter alterado seu depoimento se soubesse o teor das declarações das testemunhas é insuficiente, no caso concreto, para justificar o reconhecimento da nulidade”.[12]
Na prática, contudo, essa diretriz jurisprudencial conduz à convalidação de qualquer tipo de ilegalidade eventualmente praticada pelo juiz no curso do processo. É que, por mais grave que seja a afronta à lei processual penal, o standard probatório exigido para a comprovação do prejuízo por parte do acusado – comprovação cabal de que o juiz chegaria a outra conclusão sobre a culpa do réu caso o ato processual tivesse sido realizado em conformidade à lei – é impossível de ser alcançado.[13]
A reprodução dessa orientação jurisprudencial tem conduzido à convalidação de graves ilegalidades que impedem concretamente o exercício de prerrogativas defensivas essenciais à legitimação do exercício do poder punitivo estatal.
Essa interpretação do art. 563 do CPP conduz à imposição de um ônus probatório diabólico ao acusado, pois dele se exige prova de que algo que não ocorreu – um ato inexiste ou um não-ato – teria aptidão para alterar a compreensão do juiz sobre o conjunto probatório.
É impossível, contudo, provar de maneira cabal que a realização daquilo que não ocorreu levaria o juiz a alterar sua conclusão sobre a culpa ou inocência do acusado.[14]
Convém considerar, a propósito, que a apreciação da prova penal se dá em um contexto de livre convencimento motivado do magistrado, que impede que o observador externo formule um juízo definitivo sobre quais elementos probatórios tiveram peso determinante para a conclusão sobre a culpa do acusado.
Por isso mesmo, o STF tem destacado em alguns precedentes que a perda de oportunidade do exercício da ampla defesa e do contraditório são suficientes para invalidar a condenação, especialmente porque a prova de que a observância da lei conduziria à absolvição do acusado é impossível de ser realizada.[15]
Essa é a única solução interpretativa autorizada pela Constituição, já que a eventual existência de dúvida sobre a ocorrência de prejuízo para o acusado deve ser resolvida em seu favor. Trata-se da aplicação da máxima in dubio pro libertate, reconhecida inclusive pela jurisprudência do STF.[16]
Como consignou Jorge Miranda, “na dúvida, os direitos devem prevalecer sobre as restrições”.[17] Na mesma esteira, Gomes Canotilho e Vital Moreira averbaram que, “em caso de dúvida, deve prevalecer a interpretação que, conforme os casos, restrinja menos o direito fundamental, lhe dê maior proteção, amplie mais o seu âmbito, o satisfaça em maior grau”.[18]
Na literatura brasileira, Walter Claudius Rothenburg sublinhou o mesmo ponto: “enquanto a interpretação dos direitos fundamentais deve ser ampliativa, a interpretação das restrições deve ser limitativa”.[19]
Nesse contexto, se houver dúvida sobre se o descumprimento das prescrições normativas pelo Estado-juiz produziu ou não prejuízo ao acusado, deve-se prestigiar, mormente em face da existência de condenação criminal, a solução que favoreça a sua liberdade.[20] Essa é, sem dúvida, a única interpretação constitucionalmente aceitável do art. 563 do CPP.
Um primeiro sinal importante de mudança de postura da jurisprudência brasileira nessa matéria veio com o paradigmático precedente firmado no julgamento do MS 25.647-MC, no qual o STF reconheceu que a inversão da ordem estipulada no art. 400 do CPP, mesmo no âmbito de processo de cassação de parlamentar, ocasiona prejuízo presumido ao direito de defesa do acusado.
Àquela altura, o Ministro Cezar Peluso bem pontuou a impossibilidade de precisar os efeitos do descumprimento da lei processual: “Dependo do que as testemunhas dissessem sobre o depoimento da testemunha que foi ouvida depois. Não sei. Pode ser que não dissessem nada; pode ser que dissessem alguma coisa relevante, assim como, nos processos criminais, não se sabe o que testemunha de defesa vá dizer sobre a prova da acusação. A priori, não se sabe o que dirá.”[21]
Os votos condutores desse importante precedente do plenário do STF advertiram que, na maior parte dos casos, é impossível produzir prova cabal de que o respeito à lei processual penal conduziria necessariamente a outro resultado. Esse precedente, embora baseado na interpretação da lei processual penal, afirmou a nulidade de processo de cassação de parlamentar, o que talvez explique a baixa adesão dos Tribunais a essa compreensão no julgamento de casos penais.
De qualquer modo, a ratio subjacente ao precedente firmado no julgamento do MS 25.647-MC é a de que exigência de demonstração de prejuízo para a decretação de nulidade do ato processo ilegal contida no art. 563 do CPP deve ser interpretada à luz da teoria da perda uma chance processual.[22]
Assim, o requisito imposto pelo art. 563 do CPP para o reconhecimento da nulidade estará satisfeito sempre que a parte puder comprovar que a inobservância das formalidades previstas em lei subtraiu uma oportunidade que a lei lhe assegurava de agir no processo para melhorar a sua situação processual.
A perda de uma chance processual ocorre, por exemplo, quando a inversão da ordem processual preestabelecida na lei impedir o acusado de produzir provas defensivas a propósito do depoimento de testemunhas de acusação (inversão da ordem de testemunhas) ou de se manifestar pessoalmente sobre todo o conjunto probatório dos autos, inclusive sobre o conteúdo do interrogatório de colaborador premiado (inversão da ordem dos interrogatórios).
Há sinais recentes na jurisprudência do STF que mostram uma tendência a interpretar a ideia de prejuízo no processo penal de maneira mais compatível não apenas com o princípio da legalidade como também com a noção de processo justo. Para tanto, a ideia de perda de uma chance processual tem orientado importantes avanços nessa matéria.
Isso ficou bastante claro no julgamento dos HCs n. 166.373 e 157.267 por meio dos quais o STF afirmou a ocorrência de nulidade processual em razão da violação do direito do deletado a falar por último no processo penal.
Basta observar que, no julgamento do HC 166.373, o Plenário do STF afirmou que a própria ordem da inversão processual entre delatores e delatados configura, por si só, “prejuízo efetivo e real para o acusado em questão”.[23]
Confira-se, também nesse sentido, trecho do voto do ministro Ricardo Lewandowski proferido no julgamento do HC 157.627, cujo resultado prenunciou o atual posicionamento do STF sobre o tema: “Logo, a inversão processual consagrada pelo entendimento que prestigia a manifestação final de réus colaboradores por último, ou ainda simultânea, ocasiona um sério prejuízo ao recorrente, que não pode manifestar-se repelindo, mais uma vez, os argumentos eventualmente incriminadores ou mesmo para ampliar e reforçar os que lhe forem favoráveis. Diante desse panorama, mostra-se inafastável a conclusão de que, sob pena de nulidade absoluta, os réus colaboradores não podem expressar-se por último, considerada a carga acusatória que permeia suas informações”.[24]
Nesse mesmo precedente, a Segunda Turma do STF assentou, ainda, que o prejuízo decorre também da própria condenação do delatado, conforme se infere do voto do Ministro Gilmar Mendes, que formou a corrente vencedora naquele caso: “É bem verdade e aí se diz muito sobre essa questão da não declaração de nulidade, ou que não se peça a nulidade, sem que haja prejuízo. E muitas vezes até pode ocorrer esse tipo de situação. Mas um caso que tal, um caso como este, é evidente, Presidente, que o prejuízo é manifesto ou a prova é diabólica. Por quê? Porque já ocorreu a condenação. É preciso que se reforce o direito de defesa”.
Ao aplicar o entendimento firmado pelo STF no julgamento do HC 166.373, o STJ chegou a afirmar que a inversão da ordem das alegações finais entre delatores e delatados constitui “nulidade absoluta”, “não necessitando da comprovação do prejuízo, uma vez que ele está implícito no descumprimento dos preceitos fundamentais”, sendo que “a única exigência, até o momento, para a declaração da nulidade aqui examinada, diz respeito à necessidade de o vício ser alegado a tempo e modo” adequados.[25]
Esses precedentes inauguraram um novo capítulo da jurisprudência brasileira a respeito do tema das nulidades no processo penal. Ao enfatizarem a ideia de perda de uma chance ou de uma faculdade processual – dotada de aptidão mínima para beneficiar a posição processual do acusado – como critério fundamental para o reconhecimento da nulidade decorrente da violação da lei processual, o STF e o STJ dão os primeiros passos no sentido da restauração da noção básica de respeito à legalidade no processo penal.
O abandono da máxima segundo a qual o reconhecimento da nulidade depende de prova cabal, a cargo do acusado, de que, se o Judiciário houvesse respeitado a lei, o resultado do julgamento seria diverso constitui exigência da ideia de Estado de Direito no processo penal brasileiro.[26]
O debate brasileiro sobre o sentido do art. 566 do CPPC – “Não será declarada a nulidade de ato processual que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa” – parece ter dado pouca importância, até aqui, ao conceito de influência na decisão da causa.
Apesar disso, na maior parte dos casos em que o tema é discutido, a determinação da consequência processual do desrespeito à lei depende menos da atribuição de sentido ao conceito de prejuízo – que decorreria, em regra, da própria condenação penal –, e mais da exigência de demonstração de que a ilegalidade teve alguma influência no julgamento.[27]
Não é preciso muito para concluir que a influência, aqui, não significa que a ilegalidade seja claramente determinante ou que seja a única razão para a condenação.[28]
A verdade é que a distribuição do ônus probatório e argumentativo exigido seja para a comprovação do prejuízo seja para a afirmação de que a ilegalidade teve qualquer influência nas decisões judiciais devem ser substancialmente alteradas. Em primeiro lugar, deve-se afirmar uma presunção relativa de prejuízo em favor do acusado sempre a lei processual penal houver sido desrespeitada.
Em segundo lugar, e como consequência dessa presunção, convém imputar ao Poder Judiciário o ônus de demonstração da inexistência de qualquer potencial nexo causal entre a ilegalidade e a sentença condenatória.[29]
E, por fim, como regra de desempate em caso de dúvida sobre se a ilegalidade produziu ou não prejuízo ao acusado, deve-se prestigiar a solução que o favoreça (in dubio pro libertate).
De fato, a exigência de que o acusado prove que se a lei processual penal houvesse sido observada o juiz teria concluído pela sua absolvição faz tábula rasa dos direitos fundamentais à ampla defesa e ao contraditório, institucionaliza uma cultura de desrespeito à lei processual pela magistratura e impede que o processos penal exerça suficientemente sua principal função de contenção do arbítrio do poder punitivo estatal.[30]
Um Estado de Direito não pode conviver com um sistema processual penal que incentiva o desrespeito à lei e esvazia o sentido das garantias processuais do acusado. É preciso reafirmar a noção básica de respeito à legalidade no processo penal brasileiro.
O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça:
[1] STJ. AgRg no HC n° 546.061, 6ª Turma, rel. min. Antonio Saldanha Palheiro, DJe 28/08/2020.
[2] STF. RHC n° 110.623, 2ª Turma, rel. min. Ricardo Lewandowski, DJe 23/03/2012; STF. HC n° 114.787, 1ª Turma, rel. min. Luiz Fux, DJe 13/08/2013; STF. HC n° 82.177, 2ª Turma, rel. Celso de Mello, DJe 31/01/2013; STF. HC n° 114.789, 1ª Turma, rel. min. Roberto Barroso, DJe 29/09/2014.
[3] Cf., por todos, Geraldo Prado. Sistema Acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. 3 ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2005, p. 105.
[4] De acordo com Ricardo Jacobsen Gloeckner, quanto mais rigorosos os limites às práticas dos atos processuais, mais vinculada estará ao sistema acusatório; ao passo que, quanto mais vinculada a um aproveitamento de atos irregulares está a teoria das nulidades, mais próxima de um amorfismo e mais arraigada estará num modelo inquisitório. Cf. Ricardo Jacobsen Gloeckner. Nulidades no Processo Penal. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
[5] É particularmente perigoso o afastamento do Judiciário do cânone da legalidade processual, especialmente quando a criatividade judicial é ditada por necessidades contingentes ou, o que é o mesmo, quando se utiliza o processo penal como um instrumento de controle social. Cf.., sobre o tema, GAROFOLI, Vicenzo. Miopia legislativa e politica dell’emergenza nei falsi equilibri della legge processuale penale. Diritto penale e processo, v. 14, p. 7, 2008.
[6] Cf., a respeito, AMODIO, Ennio. Crisi della legalità processuale, filosofia della rasseagnazione e autorevolezza dei giuristi. Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, p. 432, 2004.
[7] Ferrajoli chega a defender que a finalidade do Estado de direito é, precisamente conter e limitar o punitivo. Cf. Luigi Ferrajoli. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. No mesmo sentido, Jorge Figueiredo Dias: “Diz-me como tratas o arguido, dir-te-ei o processo penal que tens e o Estado que o instituiu” (Direito Processual Penal, 1. v. Coimbra: Almedina, 1974. p. 428).
[8] O direito italiano tem enfatizado, com razão, a necessidade de fiscalizar o respeito à legalidade também em relação à dinâmica com que a prova ingressa no procedimento probatório. Cf., sobre o tema, Tullio Padovani. “Il crepúsculo della legalità nel processo penale”. Indice Penale, vol. 2, n° 2, 1999, p. 527.
[9] Afinal, a fundação do Estado de direito está indissociavelmente ligada à ideia de limitação jurídica do poder punitivo estatal. Cf. Santiago Mir Puig. Bases Constitucionales del Derecho Penal. Madri: Iustel, 2011, p. 16.
[10] STF, AgR na Rcl n° 6.534, Tribunal Pleno, rel. min. Celso de Mello, julg. em 25/09/2008.
[11] STJ. AgRg no HC n° 484.699, 5ª Turma, rel. min. Joel Ilan Paciornik, DJe 20/05/2019.
[12] STJ. AgRg no HC n° 484.699, 5ª Turma, rel. min. Joel Ilan Paciornik, DJe 20/05/2019.
[13] Ao analisar a jurisprudência nacional a respeito do tema no ano de 2000, Jacinto Coutinho advertiu, em lição ainda parcialmente válida para a quadra atual, que “prejuízo, em sendo um conceito indeterminado (como tantos outros dos quais está prenhe a nossa legislação processual penal), vai encontrar seu referencial semântico naquilo que entender o julgador; e aí não é difícil perceber, manuseando as compilações de julgados, que não raro expressam decisões teratológicas” (Jacinto Nelson de Miranda Coutinho. Introdução aos Princípios Gerais do Processo Penal Brasileiro. In Separata do Instituto Transdiciplinar de Estudos Criminais ITEC, 2000, p. 44).
[14] É nesse sentido, aliás, a precisa lição de Ricardo Gloeckner: “Finalmente, mais um problema, desta vez de ordem lógica, se faz presente. A exigência de demonstração de prejuízo é a subordinação da declaração da invalidade do ato a uma verificação de prejuízo, cuja comparação se dá com ato processual não praticado: o ato em conformidade com os elementos normativos. Como seria possível provar hipoteticamente o benefício trazido por um ato não realizado? Na prática se torna indemonstrável o prejuízo, pois se está a fazer comparação entre um ato existente – embora precário – e outro que jamais existiu. [...] De fato, como demonstrar que ato que jamais foi realizado seria mais benéfico do que aquele concretamente realizado? Não se pode comprovar o prejuízo. É empiricamente não demonstrável. Desta arte, percebe-se facilmente que a exigência de demonstração de prejuízo equivale a se deixar as portas abertas à irregularidade processual” (Ricardo Jacobsen Gloeckner. Nulidades no Processo Penal. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017).
[15] Cf. STF. HC n° 69.142, 1ª Turma, rel. min. Sepúlveda Pertence, DJ 10/04/1992).
[16] No RE n° 466.343, o STF averbou: “E é bom não esquecer que a garantia dos direitos individuais deve ser interpretada de maneira a ampliar, em benefício da liberdade, os preceitos de entendimento duvidoso, nem que, desde GAIO, se reconhece que em todos os assuntos e circunstâncias a liberdade é que merece maior favor. É por isso que, como acentua VIEIRA DE ANDRADE, o princípio in dubio pro libertate, cuja fórmula resume tópico ou elemento importante ‘para a tarefa de interpretação das normas constitucionais’, constitui emanação do princípio mesmo da dignidade da pessoa humana e, como tal, ‘deve considerar-se um princípio geral no domínio dos direitos fundamentais’, no sentido ‘de que as restrições aos direitos devem ser expressas ou, pelo menos, poder ser claramente inferidas dos instrumentos normativos aplicáveis’” (STF. RE n° 466.343, Tribunal Pleno, rel. min. Cesar Peluzo, julg. 03/12/2008).
[17] Cf. Jorge Miranda. Direitos Fundamentais. Coimbra: Almedina, 2016, p. 470.
[18] J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra Editora, 1991, p. 143.
[19] Walter Claudius Rothenburg. Direitos fundamentais e suas características. Revista dos Tribunais – Caderno de Direito Tributário e Finanças Públicas, n. 29, 1999.
[20] Aury Lopes Júnior afirma, a propósito: “1. na dúvida, sempre deve-se operar a favor rei , ou seja, acolhendo a irresignação da defesa”. (Aury Lopes Júnior. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. v.II. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 399).
[21] “Em processo parlamentar de perda de mandato, não se admite aproveitamento de prova acusatória produzida após as provas de defesa, sem oportunidade de contradição real” (MS 25647 MC, rel. Carlos Britto, rel. p/ Acórdão Cezar Peluso, Tribunal Pleno, j. em 30/11/2005).
[22] Segundo Gustavo Badaró, “não se pode ignorar que, no caso de uma nulidade, a ‘demonstração’ ou ‘prova’ do prejuízo não se dará da mesma maneira que a ‘prova de um fato’. A alegação de um fato passado poderá ser verdadeira ou falsa. A parte poderá provar, isto é, demonstrar que, na realidade, os fatos se passaram como afirmado. Já o ‘prejuízo’ não é um fato, mas sim uma perda de uma chance de se obter uma melhor posição processual, caso tivesse o processo seguido o modelo legal. Trata-se, pois, de uma ‘prova’ em termos lógico-argumentativos, expondo como poderia haver uma melhora na situação da parte prejudicada pela inobservância da forma ou modelo legal” (Gustavo Irving Badaró. O “colaborador premiado” como figura específica da persecução penal e a necessidade de um regime legal próprio: os problemas da instrução e a ordem de apresentação dos memoriais. Artigo publicado no Conjur em 24/09/2019. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-set-24/gustavo-badaro-figura-especifica-colaborador-premiado>. Acesso em 12 de outubro de 2020).
[23] Informativo 953 do STF. HC n° 166.373, rel. Min. Edson Fachin, Red. p/ Acórdão. min. Alexandre de Moraes, julg. 02/10/2019.
[24] HC 157627 AgR, Rel. Edson Fachin, rel. p/ acórdão Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, j. em 27/08/2019.
[25] STJ. AgRg no RHC n° 119.520, 5ª Turma, rel. ministro Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 31/08/2020.
[26] O constitucionalismo, sob uma perspectiva garantista, indica uma dupla função da Constituição no estado de direito: no plano formal, se trata de subordinar os poderes públicos às leis gerais e abstratas que disciplinam seu exercício; no plano substancial, impõe a necessidade de funcionalização de todos os poderes do Estado a serviço da garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos. Cf., para uma visão completa sobre o tema, Luigi Ferrajoli. Democracia y garantismo. 2ª ed. Madri: Trotta, 2010.
[27] Essa percepção não escapou à atenta observação de Luís Greco e Alaor Leite: O status processual do corréu delator. Disponível em: <https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/penal-em-foco/o-status-processual-do-correu-delator-30092019>. Acesso em 27 de janeiro de 2021.
[28] Essa ideia é correntemente aplicada para interpretar o dispositivo do CPP que define a conexão probatória (“quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração” – inciso III do art. 76).
[29] Aury Lopes Júnior afirma, a propósito: “não havendo dúvida, mas sim divergência entre o alegado pela defesa e a interpretação dada pelo juiz, vale a regra da inversão de sinais: incumbe ao juiz fundamentar porque a atipicidade não impediu a eficácia do princípio constitucional tutelado”. (Aury Lopes Júnior. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. v.II. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 399).
[30] A jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos tem afirmado que a “[p]ara que os princípios da legalidade e reserva de lei constituam uma garantia efetiva dos direitos e liberdade da pessoa humana, se requer não só sua proclamação formal, senão a existência de um regime que garanta eficazmente sua aplicação e um controle adequado do exercício das competências dos órgãos” (CIDH, Opinión Consultiva OC-6/1986).