Vitória Nabas

Com a decisão da Suprema Corte britânica de que todos os pontos do Brexit - saída do Reino Unido da União Europeia – sejam obrigatoriamente submetidos ao voto no Parlamento, o governo da premiê Theresa May sofre um abalo sísmico, ainda que tenha demonstrado abertura para negociação no anúncio de doze termos do divórcio feito em 17/01. May ainda pode recorrer à Corte Europeia de Justiça – o que seria uma ironia do Brexit –, mas o governo disse que vai acatar a decisão.
A primeira ministra parecia preparada para perder a ação judicial coletiva que alegava inconstitucionalidade do Brexit na forma como estava sendo conduzido, movida por pessoas físicas (entre elas, segundo a BBC Brasil, o cabeleireiro brasileiro Deir dos Santos, que tem passaporte britânico e trabalha em um salão em Londres). Foi a primeira vez, desde a criação da Suprema Corte, em 1876, que todos os 11 juízes votam em uma decisão (3 foram contra e 8 a favor). E foi a segunda derrota do governo.
Preparada
May havia sido instruída pela Alta Corte (instância inferior à Suprema Corte) a ouvir o Parlamento, em outubro do ano passado, mas recorreu. Ao anunciar os termos do Brexit antes da decisão da Suprema Corte, May assegurou que "o governo colocará o acordo final que for fechado entre o Reino Unido e a União Europeia em votação em ambas as casas do Parlamento antes de entrar em vigor". 
O tom apaziguador do pronunciamento parecia ter uma clara intenção de que, prevendo que poderia perder a ação na Suprema Corte, pretendia enfraquecer a disputa jurídica então aguardando decisão. Não foi o que se confirmou. Mas agora parece pouco provável que May esteja disposta a correr o risco de ir à Corte Europeia de Justiça (última instância acima da Suprema Corte britânica) e ser obrigada a discutir como sair da União Europeia cabendo à própria entidade decidir como e quando se dará esse processo.
Diálogo
A decisão da Suprema Corte foi  comemorada pela justiça e por todos os setores da sociedade britânica que entendem que assuntos de interesse nacional devem ser, além de amplamente discutidos, votados pelos seus representantes – o Parlamento. É, sem dúvida, uma vitória da democracia. O fato de May já ter afirmado que o governo está aberto à discussão também foi interpretado como um diminuidor, ainda que superficial, da tensão entre o executivo e o legislativo britânicos. 
Apesar de criticado por aqueles que querem saber efetivamente como o Brexit – previsto para começar em março de 2017 – se dará em detalhes, o anúncio de doze termos do divórcio feito por May, evocando o Artigo 50 do Tratado de Lisboa, prevê que “a implementação do Brexit será concomitante com os interesses do Reino Undo, das instituições europeias e dos países membros da UE”. 
No entanto, está longe de prover certezas, dada a complexidade dos termos a serem discutidos e aprovados pelo Parlamento – instituição que é historicamente soberana desde o longevo e sólido estabelecimento da Constituição do Reino Unido, que, por não ser constituída de um único documento, é dito que o país tem uma constituição "não escrita" ou De facto ("na prática”), existindo na forma de estatutos, e cujos alicerces são a soberania parlamentar. Talvez por isso mesmo, a primeira-ministra tenha desistido de iniciar o processo sem anuência dos parlamentares. 
Imigração e direito de circulação
Embora May tenha enfatizado que o governo britânico pretende “garantir os direitos dos cidadãos europeus vivendo no Reino Unido e os direitos dos cidadãos britânicos vivendo em países da UE o mais breve possível” e “assegurar os direitos dos trabalhadores que ficarão de fora da legislação europeia”, a premiê deixou claro que haverá controle de imigração após o divórcio da União Europeia para seus cidadãos que queiram entrar para viver e trabalhar no Reino Unido e que, no momento, não pode dar garantias unilaterais, referindo-se aos direitos dos europeus que já vivem no Reino Unido. Afinal, esse é um dos itens que serão colocados na mesa de negociações com a UE e que May espera ter um forte poder de barganha. 
Apesar de May ter dito que “vamos garantir certezas sempre que possível”, é cada vez mais acirrada a pressão para que o governo britânico se pronuncie de maneira assertiva sobre como pretende garantir os direitos dos cidadãos europeus vivendo e trabalhando (3 milhões, segundo declarou o ministro da Economia britânico Philip Hammond ao jornal português Diário de Notícias)  no Reino Unido e os próprios britânicos com relação à Europa. 
Política interna
A negociação de Londres com os países que compõem o Reino Unido, além da Inglaterra – Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte –, também promete surpresas. A Suprema Corte ouviu partes contrárias ao Brexit na Irlanda do Norte e na Escócia, países que votaram majoritariamente por permanecer na UE e que têm fortes movimentos separatistas (independência da Escócia e unificação da Irlanda do Norte com a República da Irlanda).  
É importante frisar que a saída do Reino Unido da UE não está sendo questionada – isso foi decidido pelo voto popular e o governo vai acatá-la. O que está em pauta é modus operandi constitucional sobre como será desencadeado o Brexit. Na dúvida, nossa orientação é que todos os cidadãos com passaporte europeu vivendo e trabalhando no Reino Unido tenham seu status imigratório e situação fiscal regularizada o mais breve possível.

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JOTA

O que está em pauta é modus operandi constitucional sobre como será desencadeado o Brexit

Reino Unido - Um Brexit constitucional

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