Daniel Pinheiro Viegas

O Amazonas, com seus 155,9 milhões de hectares de terras, é o estado brasileiro com maior extensão territorial, concentrando a maior porção da floresta amazônica dentre os estados brasileiros da Amazônia Legal e dentre os países amazônicos (Peru, Colômbia, Venezuela, Equador, Bolívia, Guiana, Suriname e Guiana Francesa). Tal fato, por si só, o coloca como o ente subnacional central no debate sobre mudança climática.   
Entretanto, o avanço de políticas econômicas ambientais, desde o pagamento por serviços ambientais, manejo florestal, cadeias produtivas sustentais, até medidas legais e estruturantes que garantam o pleno acesso aos mercados de carbono, encontram na ineficiente regularização fundiária um de seus maiores obstáculos.   
Além desse problema econômico, a ausência de uma política territorial traz consequências gravíssimas aos amazônidas, principalmente aos povos indígenas e comunidades tradicionais. Estes grupos acabam sofrendo com os conflitos fundiários causados por madeireiros e garimpeiros ilegais que, consorciados com facções criminosas, avançam na grilagem de terras públicas, conforme denuncia o relatório final “Cartografias das violências na região amazônica"[1], elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).   
Nesse contexto, de acordo com o relatório “Leis e Práticas de Regularização Fundiária no Estado do Amazonas”[2], produzido pelo Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), o Amazonas é o estado com a maior área pública ainda não destinada, ou sem informações de destinação, dentre os nove estados que compõem a Amazônia Legal.   
São 58,2 milhões de hectares, que compreendem 37,5% do território amazonense, uma área equivalente a todo o estado de Minas Gerais, que são de domínio público estadual ou federal, cuja ausência de uma atuação estatal tornou-se estímulo ao processo de grilagem e às ações de desmatamento.   
A União, nos últimos seis anos, abandonou a demarcação de terras indígenas e não realizou nenhuma criação de unidades de conservação. Em contrapartida, fomentou uma legislação de regularização fundiária de fomento aos invasores de terras públicas, que podem se regularizar com ocupações feitas até 22 de julho de 2008, com desconto na aquisição.  
A legislação federal permite ainda que as áreas ocupadas até 22 de dezembro de 2011 ainda sejam passíveis de regularização, contudo, apenas sem os descontos sobre os valores cobrados.  
O estado do Amazonas, em sua legislação, não fez qualquer menção a marco temporal, exigindo apenas a demonstração da ocupação por cinco anos. Mais grave ainda, a legislação estadual, até o ano de 2021, não fazia qualquer menção aos povos e comunidades tradicionais que ocupam terras públicas estaduais. 
Contudo, em 2021, a partir de uma articulação da Procuradoria Geral do Estado com a Assembleia Legislativa, foi publicada a Lei Ordinária nº 5.536, de 22 de julho de 2021, que incluiu o parágrafo único no artigo 39 da Lei 3.804 de 29 de agosto de 2012, com o seguinte texto:  
<blockquote class="jota-article__citation">“Artigo 39 
Parágrafo único: A Concessão de Direito Real de Uso poderá se realizada na modalidade coletiva e com prazo indeterminado quando se destinar a regularização fundiária de povos e comunidades tradicionais em terras de domínio público estadual”.</blockquote>
Com este novo marco legal, o Amazonas tem a possibilidade de realizar regularização fundiária, na modalidade coletiva em atendimento às demandas de povos indígenas e comunidades tradicionais que estejam em áreas públicas estaduais, criando os denominados Territórios de Uso Comum, uma modalidade mais plástica de ordenação, que não permite que o imóvel seja privatizado, ao mesmo tempo em que garante a autonomia das comunidades na definição da sua organização territorial.  
Os Territórios de Uso Comum são espaços territoriais especialmente protegidos, concedidos pelo estado do Amazonas aos povos indígenas e comunidades tradicionais, considerando a sustentabilidade social e ambiental, cujo uso pode ser coletivo ou familiar, cuja amplitude conceitual indica um patrimônio, essencial à reprodução física e cultural do grupo, composto por bens materiais e imateriais, escolhidos entre outros motivos, por serem ancestrais, por situarem a identidade social comunitária ou indicados como relevante à escolhas de vida em cooperação, também denominados de Territórios e Áreas Conservadas por Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais, incluindo as terras, terrenos fluviais, lagos, rios, igarapés, igapós entre outras.  
Com este novo instrumento jurídico de regularização fundiária, o Estado do Amazonas poderá levar para os povos e comunidades tradicionais políticas públicas que fomentem as cadeias produtivas sustentáveis já existentes e abrir caminho para que essas comunidades discutam a sua inserção dentro dos mercados de carbono, tornando-se o esteio de uma política mais ampla de desenvolvimento sustentável.  
Nesta terça-feira (22) teremos a oportunidade de debater e aprofundar este tema na continuidade do ciclo de palestras “<a href="https://www.copaibas-dialogospeloclima.com.br/">Diálogos Pelo Clima</a>”, promovido pelo Fundo Brasileiro Para a Biodiversidade (FUNBIO).
<hr />
[1] O Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), com apoio do Instituto Clima e Sociedade (ICS) e parceria de pesquisadores do Grupo de Pesquisa Territórios Emergentes e Redes de Resistências na Amazônia (TERRA), da Universidade do Estado do Pará – UEPA, está desenvolvendo o projeto “Cartografia das Violências na Região Amazônica”, que visa, sinteticamente, cruzar e analisar dados sobre ilegalidades, criminalidade e segurança pública na Amazônia com o debate socioambiental. Disponível em <a class="Hyperlink SCXW24331527 BCX0" href="https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2022/03/violencia-amazonica-relatorio-final-web.pdf" target="_blank" rel="noreferrer noopener">https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2022/03/violencia-amazonica-relatorio-final-web.pdf</a>. 
[2] Disponível em: <a class="Hyperlink SCXW100231056 BCX0" href="https://imazon.org.br/wp-content/uploads/2021/03/LeisRegularizacaoFundiaria_Amazonas.pdf" target="_blank" rel="noreferrer noopener">https://imazon.org.br/wp-content/uploads/2021/03/LeisRegularizacaoFundiaria_Amazonas.pdf</a>

no_amazonas0745_0

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Amazonas poderá levar às comunidades tradicionais políticas públicas que fomentem cadeias produtivas sustentáveis

Regularização territorial de povos tradicionais move economia de baixo carbono

Estado do Amazonas poderá levar para os povos e comunidades tradicionais políticas públicas que fomentem as cadeias produtivas sustentáveis