Caroline Pinheiro

Ana Continentino

Em 15 de maio de 2020, foi publicada a Instrução nº 626 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM)<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, inserindo o sandbox regulatório no ordenamento jurídico brasileiro. Trata-se de um instrumento que poderá ser utilizado por empresas atuantes no mercado de valores mobiliários com propósito de criar um ambiente favorável ao desenvolvimento de novos modelos de negócio.
Sandbox significa, em sua tradução literal, "caixa de areia", e remonta à imagem de que crianças têm liberdade para brincar e vivenciar novas experiências em caixas de areia, comuns em parques e praças, desde que estejam sob a supervisão de um adulto.
<a href="https://conteudo.jota.info/risco-politico"><img class="aligncenter wp-image-244336 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/04/cta-risco-politico.png" alt="" width="1080" height="1080" /></a>
Analogamente, órgãos reguladores de diversos países passaram a adotar esta expressão para designar um novo modelo regulatório, em que organizações com ideias inovadoras poderão receber uma autorização temporária para criar e testar modelos de negócio, sob a tutela de uma entidade supervisora do Sistema Financeiro Nacional (SFN).
No tocante ao mercado de capitais, as sociedades empresárias que o compõem estão submetidas a normas constitucionais, legais e infralegais. Dentre as normas infralegais, existem as resoluções do Conselho Monetário Nacional (CMN), as instruções e deliberações da CVM, as circulares e cartas circulares do Banco Central do Brasil (BCB) e as normas emanadas por entidades autorreguladoras<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>. Assim, a CVM, enquanto autarquia supervisora competente, regulou o sandbox do mercado de capitais na Instrução CVM 626/2020.
Além da CVM e do BCB, a Superintendência de Seguros Privados (Susep) e a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) também supervisionam o SFN.
Destaca-se que a Susep já regulou o sandbox para sociedades seguradoras na  Resolução CNSP nº 381/2020 e na Circular Susep nº 598/2020, e o BCB já submeteu o sandbox para testes de inovações financeiras e de pagamento à consulta pública no Edital nº 72/2019.
A existência de normas emitidas pelos diferentes órgãos pode, em alguma medida, comprometer a segurança jurídica, uma vez que o produto ou serviço financeiro pode ser impactado pela incidência de diversas normas.
Nesse contexto, os participantes do chamado sandbox, ao conseguirem uma autorização temporária, terão a oportunidade de operar a partir de uma normativa específica durante um ano, prorrogável por igual período (art. 12, § 2º, Instrução 626/CVM).
Na prática, a autorização suspende os efeitos das regras que estão em vigor, ao mesmo tempo em que aproxima sociedades empresárias do órgão regulador, trazendo vantagens para ambos, vez que há mitigação de riscos e custos regulatórios para as sociedades empresárias ao mesmo tempo em que o regulador acompanha o funcionamento dos modelo de negócio desde o surgimento, podendo, assim, estabelecer normas mais adequadas em um momento posterior.
Inverte-se, portanto, a lógica usualmente observada no mundo jurídico: um fato acontece, a sociedade o valora, o legislador percebe sua relevância e estabelece as normas que o regerão – o que pode levar um longo período de tempo<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
Ocorre que, em um cenário de revolução tecnológica 4.0, a velocidade com a qual mudanças sociais decorrentes do uso de novas tecnologias vêm acontecendo demanda respostas regulatórias mais ágeis.
<blockquote class="jota-article__eye">Por isso, o sandbox se mostra como instrumento útil para que o regulador atue de forma mais proativa, acompanhando as fases de experimentação de um novo modelo de negócio, antes que ele entre em operação no mercado.</blockquote>
Nesse contexto, vale destacar a emergência das fintechs, empresas caracterizadas pela utilização de tecnologias para a prestação de novos serviços no mercado financeiro.
Ressalte-se que  a Instrução 626 dispõe, em seu art. 5º, I, que basta que o modelo de negócio seja inovador, e não necessariamente a empresa como um todo. Ou seja, a instrução  abriu espaço para que instituições financeiras sólidas e tradicionais também façam uso do sandbox regulatório.
Os sandboxes passaram a ser utilizados, nos últimos anos, em vários países ao redor do mundo, cujas normas e resultados serviram como fundamentos para que a CVM colocasse em prática o sandbox regulatório no mercado de capitais brasileiro.
Importante mencionar, também, as diretrizes gerais formuladas pelo Laboratório de Inovação Financeira (LAB)<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, organização que reúne a CVM, a Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE) e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
A partir das lições de Augusto Coutinho Filho<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>, no texto “Regulação ‘Sandbox’ como instrumento regulatório no mercado de capitais”. Pretende-se analisar como as regras estabelecidas Instrução 626/CVM se relacionam com as expectativas do mercado brasileiro quanto à implementação do sandbox regulatório no Brasil, bem como com a experiência internacional já trilhada por outras jurisdições.
Nesse sentido, vale o destaque para três importantes aspectos: (i) autorização temporária; (ii) critérios de elegibilidade; e (iii) atuação dos reguladores.
A autorização temporária para dispensar a incidência de algumas normas vigentes no ordenamento, de acordo com Coutinho Filho, pode ser entendida como um benefício concedido pelo órgão regulador.
Outros benefícios possíveis seriam uma licença especial para atuar no mercado ou uma manifestação oficial de que a atividade desenvolvida foge ao escopo do órgão regulador (p.276-277).
Todavia, as diretrizes do LAB têm posicionamento contrário, esclarecendo que o sandbox não pode ser entendido como uma “concessão discricionária e exclusiva de um benefício”, mas sim como um instrumento autônomo com uma regulação própria: a Instrução 626 da CVM (p. 12). A autorização temporária é apenas uma de suas etapas.
Quanto aos critérios de elegibilidade, chamados de “barreiras” pelo autor, a maioria dos países permite que tanto sociedades empresárias regulares quanto não regulares participem do sandbox, como forma de incentivo às práticas inovadoras.
A Instrução 626 está em sintonia com o art. 218 da Constituição Federal de 1988, podendo ser vista como um marco regulatório estabelecido pelo Estado para fomentar a inovação, que é requisito imprescindível para a admissão no sandbox regulatório brasileiro, sendo a primeira de suas finalidades (art. 1º, parágrafo único,  I) e o primeiro requisito de elegibilidade (art. 5º, I) .
O LAB também preza para que o projeto seja inovador, além de sugerir alguns requisitos mais específicos, como o desenvolvimento de um serviço a ser oferecido prioritariamente para o mercado brasileiro, o potencial de democratizar o acesso ao mercado, a indicação de quais dispensas regulatórias pretende obter, a aptidão para o início de operações e as capacidades técnicas e financeiras para ofertar o serviço (p. 14-15). Como visto, a Instrução 626 segue a tendência internacional e manteve todos requisitos recomendados pelo LAB (art. 5º e 6º).
Quanto à atuação dos reguladores, Coutinho Filho identifica salvaguardas importantes que podem ser exigidas pelo regulador para atenuar os riscos trazidos pelo projeto participante do sandbox, como seguro que cubra eventuais perdas de um investidor, limitação do número de clientes, suitability para adequação de risco, dentre outras que possam ser estabelecidas em cada caso concreto.
O LAB, de forma semelhante, recomendou que fossem adotadas a limitação de clientes e de recursos, a divulgação de informações aos clientes e a adoção de cobertura ou indenização a eventuais prejuízos (p. 17-19).
Na Instrução CVM 626, tais tendências não apenas foram seguidas, mas ampliadas, tornando requisito mínimo da proposta (dentre outros) que a sociedade empresária candidata à participação no sandbox faça sugestões de salvaguardas para mitigar os riscos (art. 6º, III), as quais serão examinadas pelo Comitê de Sandbox e poderão ser impostas pela CVM, tornando-se obrigatórias quando a proposta for aceita (art. 9º, IV).
É possível afirmar,  ante o exposto, que a Instrução 626 da CVM seguiu as tendências internacionais e também buscou, na medida do possível, através do LAB, estabelecer diálogo com o mercado a fim de formular regras adequadas ao funcionamento do sandbox no Brasil. 
Com isso, há relativa expansão do relacionamento entre sociedade empresária inovadora e órgão regulador, aumentando, assim, a probabilidade de êxito dos projetos participantes do sandbox regulatório, bem como o aprimoramento das regulamentações que os sucederem, o que pode contribuir para o desenvolvimento do mercado de capitais no Brasil.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Instrução 626/CVM. Disponível em: &lt;<a href="http://www.cvm.gov.br/legislacao/instrucoes/inst626.html">http://www.cvm.gov.br/legislacao/instrucoes/inst626.html</a>&gt;.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Estrutura normativa do Sistema Financeiro Nacional. Disponível em: &lt;http://sistemas.cvm.gov.br/port/atos/atos.asp&gt;.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> REALE, Miguel. Fundamentos da concepção tridimensional do direito (p. 84-87). Disponível em: &lt;https://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/download/66372/68982&gt;.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> LABORATÓRIO DE INOVAÇÃO FINANCEIRA. Diretrizes gerais para constituição de sandbox regulatório no âmbito do mercado financeiro brasileiro. Disponível em: &lt;<a href="http://www.labinovacaofinanceira.com/wp-content/themes/enfold-child/pdf/Sand_box_lab_vs8_web.pdf">http://www.labinovacaofinanceira.com/wp-content/themes/enfold-child/pdf/Sand_box_lab_vs8_web.pdf</a>&gt;.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> COUTINHO FILHO, Augusto. Regulação ‘Sandbox’ como instrumento regulatório no mercado de capitais”. 2018. Disponível em: &lt;<a href="https://www.revistas.usp.br/rdda/article/view/141450">https://www.revistas.usp.br/rdda/article/view/141450</a>&gt;.

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JOTA

Análise comparativa entre tendências nacionais e internacionais 

Regulamentação do sandbox no mercado de capitais

Análise comparativa entre tendências nacionais e internacionais