Isadora Fingermann

Nathália Latorre

No último dia 22 de dezembro, o <a href="https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/151264">PL 4401/2021</a>, conhecido como Marco Regulatório dos Criptoativos, foi sancionado sem vetos pelo presidente da República. Além de regulamentar o setor de criptomoedas no país, estabelecendo regras mínimas para os operadores que oferecem serviços de intermediação, custódia e negociação de ativos virtuais, a nova <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/lei/L14478.htm">Lei 14.478/2022</a>, que entrará em vigor após 180 dias, traz disposições com relevantes repercussões na seara do Direito Penal, buscando prevenir que o setor de criptoativos seja indevidamente utilizado para práticas criminosas.
Em atenção à crescente preocupação com o uso de criptoativos como instrumento para a ocultação e dissimulação de valores provenientes de crimes, o texto altera a Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/1998) para incluir as empresas prestadoras de serviços de ativos virtuais (entre elas, as chamadas exchanges) no rol de setores econômicos considerados sensíveis às práticas de lavagem de dinheiro.
Com isso, recairá nos operadores de criptomoedas o dever de adotar mecanismos e procedimentos internos de prevenção a tal crime, tais como a adoção de política específica, a identificação e qualificação de clientes, o registro de transações e o reporte de operações suspeitas ao Coaf. A inobservância dos mecanismos de prevenção à lavagem de dinheiro pode acarretar sanções administrativas tanto à pessoa jurídica quanto aos seus administradores.
O texto prevê ainda que as penas para o crime de lavagem de dinheiro, que atualmente variam de 3 a 10 anos de reclusão, sejam aumentadas de um a dois terços, caso o crime seja cometido por meio da utilização de ativos virtuais.
Em resposta às fraudes financeiras no geral, a lei inova ao introduzir figura especial de crime de estelionato, criminalizando de forma específica as fraudes cometidas na oferta, organização e gestão de carteiras ou intermediação de operações que envolvam ativos virtuais, valores mobiliários ou demais ativos financeiros. Enquanto as penas para o crime de estelionato comum variam de 1 a 5 anos de reclusão, as penas para esse tipo de fraude variam de 4 a 8 anos de reclusão, retirando do réu a possibilidade de se beneficiar de medidas consensuais previstas na legislação processual penal e que excluem o risco de condenação criminal.
Sob a ótica da criminalidade financeira, o texto aprovado também traz disposições de relevo. Ao equiparar as pessoas jurídicas que oferecem serviços de operações com criptoativos às instituições financeiras, a lei permite que seus administradores sejam responsabilizados por diversos crimes financeiros, tais como os delitos de gestão fraudulenta, gestão temerária e apropriação indébita financeira previstos na Lei 7.492/1986 (Lei de Crimes Financeiros).
Por outro lado, os crimes financeiros voltados à tutela do mercado de investimentos, tais como a manipulação de mercado e o uso indevido de informação privilegiada (insider trading), seguem sem aplicação ao setor dos criptoativos, expressamente excluídos da esfera de competência da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e do conceito de ativo mobiliário pelo texto aprovado – sem que, em contrapartida, os tipos penais em questão fossem alterados para abranger também as negociações com ativos virtuais.
Com efeito, o indivíduo que, munido de informação relevante ainda não divulgada ao mercado, vender ou adquirir certo criptoativo visando a obtenção de vantagem a partir da informação privilegiada não poderá ser enquadrado no crime de insider trading, diferente do que aconteceria caso se tratasse de negociações com ativos mobiliários. Da mesma forma, aquele que, visando a obtenção de lucro, realizar operações simuladas ou manobras fraudulentas destinadas a elevar, manter ou baixar o preço ou o volume negociado de certo criptoativo, não cometerá o crime de manipulação de mercado, cuja incidência também se limita à negociação de valores mobiliários.
Na medida em que, mais do que como forma de pagamento, os criptoativos vêm sendo utilizados no país como meio de investimento e aplicação financeira, a ausência de interconexão com as normativas aplicáveis aos valores mobiliários talvez seja o ponto frágil do projeto de lei sancionado.
Por fim, vale destacar que, do texto aprovado, não constou relevante previsão discutida ao longo da tramitação do projeto, consistente na necessária segregação patrimonial entre os recursos financeiros de titularidade das exchanges e aqueles detidos por seus clientes e que não poderiam responder por nenhuma obrigação da prestadora.
Embora ainda passível de incrementos, em boa hora veio o novo marco legal, trazendo mais segurança, transparência e confiabilidade ao mercado de criptoativos brasileiro, que cresce em ritmo exponencial.

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