Energia

Regulamentação da reforma tributária na energia elétrica

Aspectos fundamentais para o consumidor brasileiro

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Crédito: Unsplash

Há décadas discute-se um modelo tributário que irradie sinais corretos para garantir crescimento econômico e redução das desigualdades. Agora, o país conseguiu pavimentar a estrada dessa modernização do sistema tributário com a aprovação da PEC 45, de 2019, promulgada em dezembro de 2023.

De forma geral, a reforma impõe um modelo concentrado no consumo, simplificado, transparente e digitalizado. Contudo, teremos um grande desafio pela frente: a edição das leis complementares – a primeira e mais detalhada delas, apresentada na Câmara dos Deputados na semana passada – e a própria transição para o novo modelo.

Ao acompanhar as questões tributárias que envolveram o setor de energia e o setor elétrico, vemos que as bases aprovadas sinalizam um modelo de tributação mais adequado, considerando a essencialidade da energia para o desenvolvimento do país e prosperidade das pessoas, muito embora não tenha sido garantido um regime especial ou específico.

Precisamos ter atenção às regras que se seguirão para que se garanta a eficácia almejada nas diretrizes da reforma. Não é demais dizer que um país com abundância de energia, como o nosso, e com preços competitivos, torna a nossa economia mais pujante, com bens e insumos mais baratos, alavancando a indústria, a produção econômica, e, claro, gerando desenvolvimento.

Um dos segmentos fundamentais para o desenvolvimento do país é a energia elétrica. Estudos da Fundação Getulio Vargas liderados pelo economista Marcelo Neri indicam que a energia elétrica é o bem que gera maior contribuição e transformação na vida das pessoas, impactando diretamente no desenvolvimento e qualidade de vida.

Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram que uma redução de 10% no valor da tarifa impacta diretamente no aumento do Produto Interno Bruto (PIB) em 0,45% por ano, no mínimo. Ou seja, a redução da tributação sobre o setor elétrico influi diretamente no aumento da riqueza circulando na nossa sociedade.

Além disso, a diminuição da tarifa resulta, comumente, na redução da inadimplência e do furto de energia e, consequentemente no aumento da arrecadação aos cofres públicos.

Nossa sociedade vem demonstrando maturidade e visão nesse debate. Não à toa o Congresso Nacional, em 2022, aprovou a Lei Complementar 194/2022, direcionando a redução da carga tributária sobre a energia elétrica, movimento que está alinhado com o recente reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal em julgados que reconheceram a essencialidade desse serviço.

É a partir do conceito aprovado na emenda constitucional e também de todas as recentes decisões sobre a tributação da energia elétrica que precisamos confiar que as regras que se seguirão resultarão em uma tributação mais racional, justa e correta sobre a energia. Mas alguns pontos de atenção precisam ser destacados em relação ao setor elétrico.

O primeiro é referente à proposta de garantir o cashback ao consumidor de energia atendido pela tarifa social. A EC 132/2023 previu a possibilidade de instituição desse mecanismo para tributos incidentes sobre a energia elétrica fornecida ao consumidor de baixa renda devidamente registrado no Cadastro Único para Programas Sociais (CadUnico).

O Projeto de Lei Complementar (PLP 68/2024) apresentado no final de abril na Câmara trouxe um capítulo específico para tratar da questão. Seu art. 106 define o percentual a ser aplicado de cashback nas operações de fornecimento de energia elétrica: no mínimo de 50% para a CBS (parte federal) e 20% para o IBS (estadual e municipal).

Já o art. 104 prevê que as devoluções ocorrerão no momento da cobrança da operação quando se tratar de fornecimento de energia elétrica, definindo, no parágrafo primeiro, que as devoluções serão concedidas diretamente na cobrança da operação, o que está em linha com o objetivo de simplificação que norteia o novo modelo tributário. Isso é reforçado pelo art. 19, que define a arrecadação de cada ente federado a partir da redução do valor do cashback, sinalizando que, de fato, tais valores não serão considerados na receita pública.

Mas é preciso assegurar ao consumidor de baixa renda o recebimento de seu benefício sem burocracia, diretamente na conta de luz, no momento da cobrança. Caso contrário, corremos o risco de afastar ainda mais essa parcela da sociedade da desejada justiça social, fiscal e energética.

Outro ponto que merece atenção é relativo às alíquotas de IBS e CBS, que serão fixadas por lei específica de cada ente federativo, sendo a alíquota do IBS a soma das alíquotas do estado e do município de destino, em respeito ao federalismo que foi fortalecido no novo modelo.

O mais importante é que a alíquota fixada por cada ente federativo será a mesma para todas as operações com bens e serviços. Segundo informações preliminares, essa alíquota será de 26,5%.

O Ministério da Fazenda e o Comitê Gestor terão um papel fundamental para garantir a simplificação no processo de definição das alíquotas para o serviço de energia elétrica, permitindo uma aplicação segura e simplificada por parte das concessionárias em benefício da transparência, arrecadação e eficácia tributária.

Ainda que o novo modelo tributário provoque um rebalanceamento da tributação, é inegável que a arrecadação sobre energia elétrica representa uma parcela considerável das receitas tributárias dos entes federativos.

Outro ponto relevante diz respeito aos componentes financeiros e encargos que não se relacionam com a atividade do serviço mas estão incluídos na tarifa de energia. Os encargos setoriais, por exemplo, fazem parte de uma política que determina que a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que possui uma série de custos e incentivos que não guardam qualquer relação com o fornecimento de energia, seja arcada pelo consumidor. As distribuidoras funcionam, neste particular, como agentes operadores da política tarifária. E, assim sendo, a inclusão desses custos não correspondem à materialidade de IBS e CBS, que se restringe ao “fornecimento do serviço”.

Algo semelhante ocorre com a cobrança de IBS e CBS sobre a contribuição de iluminação pública. A prestação desse serviço é de competência do município, não tendo relação com a atividade desempenhada pela concessionária de distribuição.

Não menos importante é o debate sobre o estorno de crédito relativo à energia furtada, que ocorre com distribuidoras que sofrem com os chamados “gatos de energia”. A rigor, a base tributária do IBS e CBS deve incidir sobre o fornecimento de energia elétrica, sem que se integre a esta base outras cobranças que acabam por pesar na conta que chega ao consumidor.

É indispensável que as leis complementares em debate tragam regras claras de eficiência e uniformizem conceitos, definindo uma base de cálculo adequada e justa à operação de energia elétrica, sem penalizar o consumidor, que muitas vezes já paga na conta de luz por políticas e encargos que deveriam ser assumidos e custeados pelo Tesouro Nacional.

Muitos elementos em debate ainda serão objeto de leis complementares e inspiram atenção ao setor elétrico. Por exemplo, precisamos avançar em pontos relacionados a biocombustíveis, hidrogênio de baixo carbono, derivados de petróleo, novas tecnologias e aspectos da transição energética.

A transição energética e a reforma tributária devem estar conectadas para servir ao desenvolvimento do país, e principalmente, para que o Brasil reduza as suas duras e visíveis desigualdades, em favor da justiça social e energética. É urgente melhorar a condição econômica e a vida das pessoas. Essa deve ser a nossa missão.

O debate da reforma tributária é uma chance ímpar de aproveitar a confluência de interesses para dar um salto rumo ao futuro do Brasil. Não podemos perder esta oportunidade.