André Cyrino
Professor associado de direito administrativo da UERJ. Mestre e doutor em direito público pela UERJ. Master of Laws (LL.M.) pela Yale Law School
A regulação brasileira está no divã. Reage com hesitação e incerteza diante das inexoráveis transformações tecnológicas. Como é natural, não consegue acompanhar pari passu o avanço da nova economia. Por isso, por vezes, instada a cumprir sua missão, vale-se de antigas categorias para tratar de fenômenos novos. Utiliza-se de molduras barrocas para gravuras modernas. Há exemplos.
Veja-se a tentativa de tratar o Uber como se táxi fosse. Ou de imaginar que o AirBnb deveria receber o regramento conferido aos hotéis. Ou, ainda, mais recentemente, de se buscar sujeitar ao vetusto regime de serviço público, atividades de fretamento de ônibus por meio de aplicativos, como o Buser.
É comum que esse movimento seja provocado por vetores externos ao regulador. Representantes da velha economia têm incentivos para manter o estado de coisas gerado pelo modelo regulatório antigo. Assim, natural que os taxistas pleiteassem que os novos players do mercado de transporte de pessoas se submetessem às mesmas regras. O mesmo se diga das empresas de ônibus em relação ao Buser. O movimento é de tentativa de manutenção das barreiras de entrada – o que foi esvaziado, no caso do Uber, pela recente decisão do STF.
A Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) passa por pressão semelhante.
Atores do mercado de TV por assinatura (hoje denominado serviço de acesso condicionado, conforme a Lei n° 12.485) pleiteiam que a agência utilize as categorias de outrora para impor barreiras de entrada aos serviços OTT (Over the Top). Trata-se de serviços de transmissão de conteúdos via internet tais como o Netflix, HBO Go e Globo Play.
Esses conteúdos podem ser tanto sob demanda (modelo Netflix), como, ainda, por assinatura e transmissão linear (modalidade cada vez mais comum, de que é exemplo o Esporte Interativo). A primeira modalidade (on demand) foi, certo modo, prevista pelo legislador e ressalvada como atividade livre e não sujeita ao marco regulatório da TV por assinatura e à regulação da ANATEL. Já a segunda (transmissão linear de conteúdos) não foi antevista no marco da TV por assinatura, mas claramente também não se sujeita, por inúmeras razões, àquele regime normativo.
Nada obstante, tem-se agora a tentativa de impor a esses serviços todo o arcabouço desenhado para a TV por assinatura. Inclusive a necessidade de autorização para a sua prestação, o que, segundo sustentam, protegeria o consumidor contra serviços supostamente clandestinos.
O regulador brasileiro não caiará na tentação típica de uma interpretação retrospectiva do que é qualitativamente diferente, encarando o novo da forma mais parecida possível com o velho. A internet, tal como indica seu Marco Civil, deve ser um espaço livre para a produção de conteúdos e sua comercialização.
Os serviços Over The Top constituem transformação verdadeiramente disruptiva que incrementa o acesso a conteúdos por mais consumidores a preços mais baixos. Pretender forçar a categorização desse serviço para dentro da moldura de outros tempos não favorece o consumidor. Apenas protege o que, talvez, precise ser superado.