Eduardo Bruzzi

Um dos principais papeis de qualquer regulador é identificar falhas regulatórias que necessitam, em maior ou menor grau, de alguma intervenção, de modo a tornar o setor regulado mais eficiente. A eficiência setorial, principalmente nos dias atuais, pode ser encarada sob os aspectos de competitividade, concentração, barreiras de entrada e inovação.
A abertura e o desenvolvimento do setor de pagamentos brasileiro é um bom exemplo. O marco legal, editado em 2013 por meio da Lei nº 12.865, adveio, se não exclusivamente, em boa parte por conta de estudos concorrenciais realizados pelo Banco Central do Brasil e pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) que deram origem ao Relatório sobre a Indústria de Cartões de Pagamentos.
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Tal relatório identificou pontos relevantes relacionados à falta de competitividade no referido setor, tais como falta de interoperabilidade entre os arranjos de pagamento e a exclusividade existente entre credenciador e instituidor do arranjo.
O diagnóstico retratado nos estudos do BCB/Cade foram, em grande parte, refletidos na Lei nº 12.865/2013 (fruto da conversão da Medida Provisória nº 615/2013). Na exposição de motivos da MP 615, restou consignado o objetivo de se trazer benefícios à economia nacional, maior competição, redução de custos e preços, aumento da conveniência para os usuários, melhoria na qualidade dos serviços e facilitação da inclusão financeira.
Olhando para o retrovisor, oito anos depois da edição na MP 615, e comparando com as transformações no setor financeiro, é possível notar que os objetivos ali traçados, de fato, estão sendo alcançados. E o processo ainda está apenas no início.
Se formos olhar para o mercado de crédito, a criação das fintechs de crédito e a instituição do Open Banking procuram atingir, basicamente, os mesmos objetivos, quais sejam, reduzir a concentração de operações de crédito em apenas um pequeno número de instituições de forma a aumentar a competição e, por consequência, diminuir as taxas de juros praticada. Como se sabe, crédito barato e taxas de juros baixas são importantes pilares de desevolvimento econômico.
Não é por outro motivo que o Banco Central do Brasil (BCB), por meio de sua agenda regulatória BC# (fruto de aprimoramento da agenda BC+ anterior), definiu como pilares estratégicos a Inclusão, a Competitividade, a Transparência e a Educação.
Dentro desse contexto, é possível observar uma série de iniciativas visando o aumento da competição no setor bancário e de pagamentos, a entrada de novas empresas, a melhoria dos serviços ao usuário, a redução de custos e tarifas e a inclusão financeira. Isso tudo acompanhado de uma grande revolução inovadora e digital.
Uma das principais iniciativas do BCB nesse sentido foi adotar estratégias normativas proporcionais, visando romper barreiras de entrada. A criação de um primeiro degrau regulatório, baseado em volumetria de transações, que permitiu que instituições de pagamento de menor porte pudessem funcionar sem necessidade de autorização perante o BCB, é um bom exemplo.
Tal estratégia foi um dos motivos que permitiu a entrada de um sem número de emissores de cartão, fornecedoras de maquininhas de pagamento e wallets digitais. O resultado foi a completa alteração do cenário competitivo, fazendo com que as próprias instituições incumbentes criassem ou adquirissem fintechs, de modo a não sofrer do efeito “blockbuster”. Os maiores beneficiários desse acirramento competitivo foram os usuários, sejam pessoas físicas ou empresas, e a economia como um todo.
Em reunião do Núcleo de Estudos Avançados de Regulação do Sistema Financeiro Nacional (NEASF) da Fundação Getulio Vargas, realizada em 25 de agosto de 2021, o presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Neto, afirmou que a estratégia adotada pela BCB se baseia no primado “same risk, same regulation”, isto é, o peso regulatório imposto a cada modalidade de instituição financeira ou de pagamento corresponde diretamente ao risco que suas atividades trazem para o setor.
<blockquote class="jota-article__eye">Trata-se, em última análise, da aplicação do princípio aristotélico da igualdade material, isto é, do dever de se tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades.</blockquote>
A criação do Sandbox Regulatório, do PIX, do Open Banking, do iniciador de transação de pagamento, do sistema de registro centralizado de recebíveis, da possibilidade bancos 100% digitais, entre outras iniciativas, está ligado a uma agenda de aumento da competição e desenvolvimento do setor.
Cada vez mais o diferencial competitivo se baseará na melhor prestação do serviço e na melhor experiência do usuário, fazendo com que incumbentes e entrantes compitam de igual para igual. Além disso, o peso regulatório sobre cada instituição se baseará, precipuamente, sobre os tipos de atividades desenvolvidas e pelo porte e risco sistêmico envolvido.
Recentemente, instituições financeiras tradicionais se manifestaram na imprensa reclamando de “assimetria regulatória” em relação às fintechs, afirmando que o regulador estaria favorecendo estas últimas.
O termo “fintech” é muito amplo, visto que existem bancos digitais que são instituições financeiras na modalidade banco múltiplo, assim como há instituições de pagamento emissores de cartão que sequer necessitam de licença para funcionar. Há, na verdade, uma série de instituições de diferentes portes, que exercem diferentes atividades e que trazem diferentes riscos para o setor, tais como credenciadores, iniciadores de transação de pagamento, sociedades de crédito direto, banco múltiplo, financeiras, emissores de moeda eletrônica, etc.
É justamente aí que entra a regulação proporcional atualmente adotada pelo BCB, aplicando ônus regulatório de forma equilibrada, de modo a compatibilizar, de um lado, o incentivo à inovação e a competitividade, e de outro, a manutenção da segurança e dos princípios de regulação prudencial e sistêmica decorrentes dos acordos de Basileia.
Prova disso foram as recentes consultas públicas (nº 78 e 80, ambas de 2020) que propuseram aperfeiçoamento das regras prudenciais aplicáveis ao setor de pagamentos.
As iniciativas do BCB, na verdade, têm como objetivo reduzir as assimetrias competitivas identificadas no setor financeiro brasileito, aumentando a eficiência no mercado bancário e de pagamentos no Brasil, mediante a promoção de ambiente de negócio mais inclusivo e competitivo, preservando a segurança do sistema financeiro e a proteção dos usuários e, principalmente, promovendo a cidadania financeira, facilitando o acesso a novos serviços por parte da população.
O BCB tem por norte a democratização financeira, estruturada nos quatro pilares de sua agenda regulatória, fazendo com que as instituições reguladas tenham sucesso em decorrência da excelência na prestação do serviço e não pela dificuldade do usuário em encontrar concorrentes e serviços acessíveis.
O movimento dos incumbentes em face dos entrantes é natural, visto que as transformações inovadoras desafiam o status quo. Tal fenômeno não é exclusivo do setor financeiro (basta olhar para o que aconteceu entre taxistas e aplicativos de transporte individual). A economia digital tem feito surgir novos modelos de negócio em velocidade exponencial. Como o próprio Presidente do BCB afirmou no evento do NEASF, o mercado financeiro avançou nos últimos dois anos mais do que nos dez anos anteriores e nos próximos dois anos ele irá se transformar ainda mais. O movimento dos incumbentes talvez seja um bom sinal de que os objetivos da Agenda BC# estão, de fato, sendo alcançados.
Nesse cenário, nota-se que o BCB, utilizando-se de técnicas modernas de regulação, baseado em experimentalismo, dinamismo e “regulation as you go”, seguirá incentivando a inovação e a competividade, mas com olhar atento para a segurança e higidez do sistema financeiro, fazendo os ajustes que forem necessários, com ampla participação da sociedade (através de comunicados, consultas públicas e reuniões com os participantes do setor e das associações representativas), exercendo, assim, uma verdadeira regulação democrática e participativa.

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JOTA

BC seguirá incentivando a inovação e a competividade, mas com olhar atento para a segurança do sistema financeiro

Regulação financeira proporcional: 'same risk, same regulation'

BC seguirá incentivando a inovação e a competividade, mas com olhar atento para a segurança do sistema financeiro