Caio César Alves Ferreira Ramos

Como cediço, empreendimentos privados de utilidade pública constituem atividades titularizadas pela iniciativa privada, cuja exploração independe de outorga estatal por meio de títulos jurídicos de delegação (como são os contratos de concessão e assemelhados), mas que, por tangenciarem a consecução de interesses sociais relevantes, sujeitam-se a algum grau de intervenção regulatória por parte do Estado, normalmente encerrada na exigência de uma autorização administrativa para sua realização<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
O desenvolvimento das empreitadas deste jaez, cuja pertinência se justifica ante o esgotamento fiscal sufocante da capacidade pública de investimento e o reconhecimento da ausência de exclusividade estatal na promoção de interesses públicos, mantém uma relação ambígua com a intensidade e a quantidade de regulação a que sujeitas.
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Com efeito, por um lado, a proliferação de normas de cunho ordenatório, a despeito de não provocar a paralisia da ação privada, a onera significativamente. É o que ocorre, por exemplo, no campo urbanístico, em que a complexidade regulatória funciona, ainda, como um estímulo à atuação à margem da regulação estatal, nos termos de uma concertação torpe entre despachantes, políticos e servidores corruptos que vendem a empreendedores “corajosos” um mundo paralelo às normas jurídicas<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Entretanto, por outro lado, é inegável que, no plano das iniciativas empresariais privadas de utilidade pública, também existe um considerável déficit de normatização. Entre outros efeitos indesejados, disso decorre uma considerável insegurança jurídica quanto aos critérios e exigências de cada uma das autoridades competentes nos processos administrativos pertinentes à liberação destas atividades<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
É de rigor notar, ainda, que, não raramente, esses dois universos de abundância e vácuo de regulação se encontram, como decorrência das inúmeras hipóteses de sobreposição regulatória derivadas do modelo de repartição de competências federativas contemplado pela Constituição.
Nesse sentido, a partir desta constatação, parece relevante questionar a adequação de políticas regulatórias excessivamente baseadas na instituição de constrangimentos legais à exigência de atos públicos de liberação para a exploração destas atividades econômicas, cerne da Lei de Liberdade Econômica (Lei federal nº 13.874/2019), e nos chamados “revogaços” e “guilhotinas regulatórias”, por meio das quais são identificadas e eliminadas normas obsoletas.
Não se questiona a pertinência dessas medidas para evitar duplicações, redundâncias e anacronismos na regulação brasileira, que, nesse aspecto, segue tendência mundial de revisão do estoque regulatório a partir de avaliações retrospectivas (regulatory lookback)<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
Nada obstante, como ressaltado alhures, os óbices atualmente opostos ao desenvolvimento de empreendimentos privados de utilidade pública não se resumem apenas à existência abundante de normas jurídicas inadequadas.
<blockquote class="jota-article__eye">Ao contrário, envolvem, também, a ausência de uma normatização estrutural e funcionalmente voltada à criação de um ambiente propício à implementação de tais iniciativas, inclusive por meio da regulamentação formal de políticas de indução e de fomento público.</blockquote>
Por esse motivo, parece importante a evolução de uma verdadeira agenda de qualidade regulatória nesse particular, centrada não apenas na redução, mas, também, no aprimoramento e otimização do estoque regulatório, o que, em hipóteses específicas, pode implicar na necessidade da produção de novos regulamentos (gerais e setoriais).
Por evidente, a produção normativa que ora se defende não é qualquer uma, mas aquela devidamente baseada em instrumentos de incrementação da capacidade regulatória dos órgãos reguladores, como são, por exemplo, as análises de impacto regulatório, bem como as audiências e consultas públicas.
Isto passa, inequivocamente, pela necessidade de tais instrumentos serem levados a sério. Trata-se de caminho que, infelizmente, não foi trilhado, por exemplo, pelo Decreto federal nº 10.411/2020, o qual, regulamentando a realização de análises de impacto regulatório no âmbito dos órgãos e entidades da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional, sabotou a cogência da ferramenta<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>.
Portanto, a despeito de serem tempos de “revogaços” e “guilhotinas”, talvez um bom rumo para a construção de um cenário favorável à implantação de empreendimentos privados de utilidade pública tangencie a garantia da efetividade do ferramental atualmente à disposição dos órgãos reguladores para incremento da qualidade das normas por eles produzidas acerca do tema.
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O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça:
https://youtu.be/-hMj5lwWXEE
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> “Estas atividades se encontram no meio-termo entre os serviços públicos, que são atividades desempenhadas diretamente ou indiretamente (por delegação à iniciativa privada) pelo próprio Estado em razão da impossibilidade de a iniciativa privada atender os interesses públicos pertinentes, e as atividades econômicas privadas não sujeitas a controle, ou sujeitas apenas a um controle de polícia administrativa geral, que apenas verifica se a atividade não fere a ordem pública, a saúde pública, a segurança pública etc., não a funcionalizado especifica e comissivamente ao interesse público” (ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos serviços públicos. 4. ed. Belo Horizonte: Fórum: 2017, p. 156).
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> SUNDFELD, Carlos Ari. Público e privado no desenvolvimento de empreendimentos estatais. In: PONTES FILHO, Valmir; MOTTA, Fabrício; GABBARDO, Emerson (Coords.). Administração pública: desafios para a transparência, probidade e desenvolvimento. XXIX Congresso Brasileiro de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2017, p. 38-39.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> SUNDFELD, Carlos Ari. MOREIRA, Egon Bockmann. PPPMais: um caminho para práticas avançadas nas parcerias estatais com a iniciativa privada. Revista de Direito Público da Economia – RDPE. Belo Horizonte: Fórum, ano 14, n. 53, jan./mar. 2016, p. 15-17.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Sobre o tema, v. JORDÃO, Eduardo; CUNHA, Luiz Filippe. Revisão do estoque regulatório: a tendência de foco na análise de impacto regulatório retrospectiva. A&amp;C – Revista de Direito Administrativo &amp; Constitucional, Belo Horizonte, ano 20, n. 80, p. 227-255, abr./jun. 2020.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Sobre o tema, v. BINENBOJM, Gustavo. O regulamento da análise de impacto regulatório. JOTA. Disponível em: &lt;https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/publicistas/o-regulamento-da-analise-de-impacto-regulatorio-05012021&gt;. Visualizado em 30 de janeiro de 2021.

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JOTA

Precisamos de mais ou de menos normas jurídicas? A pergunta é realmente essa?

Regulação de empreendimentos privados de utilidade pública

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