Bruno Teixeira Peixoto

Como se não bastasse a complexidade adjacente aos problemas causados pelos danos à qualidade e à integridade da natureza, a tutela do meio ambiente cada vez mais é desafiada pelo agravamento de questões estruturais como a prática de atos de corrupção e de fraude, que condicionam a concretização de um desenvolvimento sustentável.
Trata-se de uma relação conhecida. Desde 2003 a Convenção das Nações Unidas contra a corrupção, regulamentada no Brasil pelo Decreto nº 5.687 de 2006, em seu artigo 62, item “1”, expressamente dispôs que os Estados-Partes deveriam adotar “disposições condizentes com a aplicação aceitável da presente Convenção na medida do possível, mediante a cooperação internacional, tendo em conta os efeitos adversos da corrupção na sociedade em geral e no desenvolvimento sustentável, em particular” <a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
Estudos de 2006 <a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> e de 2011 <a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> da Transparência Internacional já apontavam a relação entre o avanço da corrupção e as questões de meio ambiente e de desenvolvimento sustentável, com reflexos ainda no combate às mudanças climáticas, exigindo, assim, que as políticas e normas ambientais avançassem à época em ações e medidas voltadas a este dilema social, econômico, político e jurídico.
É um contexto previsto de algum modo pelo próprio Acordo de Paris, quando em seu artigo 2º, item “1”, alínea “c”, almeja “tornar os fluxos financeiros compatíveis com uma trajetória rumo a um desenvolvimento de baixa emissão de gases de efeito estufa e resiliente à mudança do clima” <a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
Da mesma forma na Agenda 2030 Global, com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável n° 16 por “Paz, Justiça e Instituições Eficazes“, dadas as suas metas de nº 16.5 e nº 16.6, cujas previsões, respectivamente, são “reduzir substancialmente a corrupção e o suborno em todas as suas formas” e “desenvolver instituições eficazes, responsáveis e transparentes em todos os níveis” <a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>.
Nesse sentido, em 2019, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) alertou que, embora haja na grande maioria dos países órgãos e leis ambientais, a falta de implementação permanece, o que se deve, entre outros fatores, à corrupção e à falta de políticas de governança e compliance na regulação ambiental <a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>.
Sobre o tema, a Transparência Internacional disponibiliza hoje um atlas global chamado de “Climate Governance Integrity Programme” <a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>, mapa mundial dos principais casos envolvendo corrupção e fraude ligados à governança ambiental e climática, como uma forma de fomentar a análise de medidas de integridade, transparência e accountability na regulação de meio ambiente e clima.
A despeito de todos esses relatórios e termos de “soft law” internacional, pouco ou quase nada se avançou na regulação ambiental com escopo específico de prevenir os riscos e combater as práticas concretas de atos de corrupção e toda a sorte de fraudes na gestão ambiental, sobretudo no cenário brasileiro.
No quadro geral de políticas e normas ligado ao contexto da corrupção e da fraude no Brasil, são conhecidas a <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm">Lei 12.846/2013</a> e seu Decreto nº 8.420/2015, prevendo a responsabilização de pessoas jurídicas por infrações e atos lesivos à Administração Pública, além, também, da recente Lei Geral de Licitações Públicas (<a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14133.htm">Lei 14.133/2021</a>), que exige os programas de integridade e compliance anticorrupção em contratações de grande vulto, bem como a recém-atualizada <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Lei/L14230.htm">Lei 14.230/2021</a>, que dispõe sobre atos de improbidade administrativa.
Contudo, especificamente no plano da legislação ambiental brasileira ainda não há, em princípio, qualquer medida ou mecanismo expressamente voltado à prevenção, antecipação, detecção, apuração ou à responsabilização por atos de corrupção, fraude e correlatos que envolvam a regulação de meio ambiente e de desenvolvimento sustentável.
O que há, de modo geral, são apenas previsões legais esparsas como infração administrativa ambiental por omissão ou falsidade de laudos e estudos ambientais ou então crimes contra a Administração Pública ambiental com efetividade controversa, não havendo uma política ou previsão legal específica de regulação estrutural acerca do tema no país.
Em nível federal, estadual ou municipal, razões para tal abordagem regulatória não faltam: conflitos de interesses, abusos de poder, desvios de finalidade, corrupção, prevaricação ou improbidade administrativa ambiental, para ficar nos exemplos mais evidentes registrados entre reguladores e regulados nos atos e procedimentos públicos em geral envolvendo a área ambiental, tais como autorizações e licenças ambientais de obras, empreendimentos ou atividades econômicas com significativos impactos socioambientais.
Sequer há no <a href="https://www.congressonacional.leg.br/materias/materias-bicamerais/-/ver/pl-3729-2004">PL 2.159/2021</a> no Senado Federal, ligado à chamada Lei Geral do Licenciamento Ambiental, alguma previsão ligada estritamente a medidas ou mecanismos de prevenção e combate à corrupção e à fraude no âmbito dos licenciamentos ambientais, cujo contexto econômico, social e político de grandes empreendimentos denota evidentes riscos da ocorrência dessas práticas contra o interesse público e, consequentemente, em prejuízo da proteção ambiental e do desenvolvimento nacional sustentável.
É preciso registrar as ainda iniciais movimentações na estrutura institucional dos principais agentes reguladores ambientais no país — muito em razão de recomendações do Tribunal de Contas da União (TCU) <a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a> — , como no caso do Ibama <a href="#_ftn9" name="_ftnref9">[9]</a>, Ministério do Meio Ambiente, ICMBio e Agência Nacional de Mineração (ANM), com recentes políticas e programas de integridade que ainda necessitam de efetiva e integral implementação e verificação, uma vez que, mesmo com tais medidas, é sabido que o contexto permanece vulnerável nesses órgãos e entidades.
Importante nesse sentido são as publicações recentes da Transparência Internacional Brasil, alertando que a corrupção afeta o meio ambiente de várias formas, desde a elaboração e a implementação de leis e políticas, até a capacidade do Estado de coibir crimes ambientais, como nos casos de grilagens de terras e licenciamentos de grandes empreendimentos públicos ou privados.
Para a Transparência Internacional Brasil, a corrupção ambiental seria o abuso de poder confiado a alguém, visando à obtenção de ganho privado, causando degradação ambiental, enfraquecimento da governança ambiental ou injustiça socioambiental <a href="#_ftn10" name="_ftnref10">[10]</a>. É um dilema importante em um momento que tanto se discute a responsabilidade ESG (Environmental, Social and Governance) de empresas e organizações públicas no Brasil e no mundo todo.
Segundo a entidade, seria necessário no Brasil: 1) aprofundar uma política de dados abertos no monitoramento de infrações e crimes ambientais; 2) fomentar e implementar canais de denúncia com proteção aos denunciantes; 3) desenvolver a governança ambiental sobre o lobby; 4) avançar na regulação de crimes ambientais e lavagem de dinheiro; e 5) estruturar a transparência no financiamento partidário sujeito à corrupção e a influências indevidas em políticas ambientais <a href="#_ftn11" name="_ftnref11">[11]</a>.
Além disso, em conjunto com a ONG WWF Brasil, a Transparência Internacional Brasil recomenda que, para prevenir ilegalidades, combater a corrupção e minimizar os riscos de impactos ambientais em grandes obras de infraestrutura, é preciso adotar e fortalecer políticas de integridade nos setores público e privado, assim como aprimorar as audiências e consultas públicas relacionadas a políticas, normas e obras de infraestrutura, bem como o seu processo de licenciamento ambiental, garantindo-se a divulgação ampla e prévia de sua realização, prazos e formas de participação <a href="#_ftn12" name="_ftnref12">[12]</a>.
Uma alternativa em potencial seria prever, dentro das exigências em licenciamentos ambientais de atividades econômicas dotadas de grande porte e significativos impactos socioambientais, a implementação, de forma transparente, participativa e incentivadora, de medidas e ações anticorrupção e fraude, como por meio dos programas de integridade e compliance, aliando um controle contínuo da gestão ambiental conexo à prevenção dos riscos e ao combate a atos de corrupção e fraude correlacionados à estrutura e à atuação dos órgãos ambientais como dos próprios empreendimentos licenciados.
Em suma, a corrupção, além de poluir e degradar o meio ambiente, faz da natureza sua vítima silenciosa <a href="#_ftn13" name="_ftnref13">[13]</a>, exigindo cada vez mais da regulação ambiental como um todo – conjunto de políticas e normas ambientais e atuação dos órgãos públicos e dos regulados — uma nova abordagem sobre o tema, sob pena de um distanciamento ainda maior do desejado desenvolvimento sustentável em tempos de pandemia e emergência climática.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> UNODC - United Nations Office on Drugs and Crime. Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção. 2003. Disponível em: <a href="https://www.unodc.org/documents/lpo-brazil/Topics_corruption/Publicacoes/2007_UNCAC_Port.pdf">https://www.unodc.org/documents/lpo-brazil/Topics_corruption/Publicacoes/2007_UNCAC_Port.pdf</a> Acesso em: 15 dez. 2021.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> TRANSPARENCY INTERNATIONAL. Corruption &amp; The Environment: A project for: Transparency International. 2006. Disponível em: <a href="https://sipa.columbia.edu/file/3245/download?token=q8mjLylI">https://sipa.columbia.edu/file/3245/download?token=q8mjLylI</a> Acesso em: 15 dez. 2021.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> TRANSPARENCY INTERNATIONAL. Global Corruption Report: Climate Change a user’s guide. 2011. Disponível em: <a href="https://www.transparency.org/files/content/publication/GCR_ClimateChange_UsersGuide_EN.pdf">https://www.transparency.org/files/content/publication/GCR_ClimateChange_UsersGuide_EN.pdf</a> Acesso em: 05 jan. 2022.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> UNFCCC – United Nations Framework Convention on Climate Change. Paris Agreement. 2015. Disponível em: <a href="https://www.undp.org/content/dam/brazil/docs/ODS/undp-br-ods-ParisAgreement.pdf">https://www.undp.org/content/dam/brazil/docs/ODS/undp-br-ods-ParisAgreement.pdf</a> Acesso em: 05 jan. 2022.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> ONU – Organização das Nações Unidas. Sustainable Development Goal 16. 2015. Disponível em: <a href="https://brasil.un.org/pt-br/sdgs/16">https://brasil.un.org/pt-br/sdgs/16</a> Acesso em: 05 jan. 2022.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Environmental Rule of Law: First Global Report. Nairóbi, Kenya, 2019. Disponível em: <a href="https://www.unep.org/resources/assessment/environmental-rule-law-first-global-report">https://www.unep.org/resources/assessment/environmental-rule-law-first-global-report</a> Acesso em: 05 jan. 2022.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> TRANSPARENCY INTERNATIONAL. Climate Governance Integrity Programme. 2022. Disponível em: <a href="https://www.transparency.org/en/projects/climate-governance-integrity-programme/climate-corruption-atlas">https://www.transparency.org/en/projects/climate-governance-integrity-programme/climate-corruption-atlas</a> Acesso em: 05 jan. 2022.
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> Recomendações do TCU na auditoria operacional TC 010.348/2018-2. Disponível em: <a href="https://portal.tcu.gov.br/data/files/E3/F2/62/3D/DA0476101270AF66E18818A8/AA-010.348.2018-2-prevencao%20fraude%20e%20corrupcao%20na%20APF_acordao.pdf">https://portal.tcu.gov.br/data/files/E3/F2/62/3D/DA0476101270AF66E18818A8/AA-010.348.2018-2-prevencao%20fraude%20e%20corrupcao%20na%20APF_acordao.pdf</a>  Acesso em: 05 jan. 2022.
<a href="#_ftnref9" name="_ftn9">[9]</a> IBAMA, Programa de Integridade. 1ª Revisão – setembro de 2019. Disponível em: <a href="https://www.gov.br/ibama/pt-br/centrais-de-conteudo/2019-ibama-programa-de-integridade-pdf">https://www.gov.br/ibama/pt-br/centrais-de-conteudo/2019-ibama-programa-de-integridade-pdf</a> Acesso em: 05 jan. 2022.
<a href="#_ftnref10" name="_ftn10">[10]</a> TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL BRASIL. Novas medidas contra a corrupção e sua relevância para temas socioambientais. 2021. Disponível em: <a href="https://comunidade.transparenciainternacional.org.br/novas-medidas-e-temas-socioambientais">https://comunidade.transparenciainternacional.org.br/novas-medidas-e-temas-socioambientais</a> Acesso em: 05 jan. 2022.
<a href="#_ftnref11" name="_ftn11">[11]</a> TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL BRASIL, Novas medidas contra a corrupção e sua relevância para temas socioambientais, 2021.
<a href="#_ftnref12" name="_ftn12">[12]</a> WWF BRASIL; TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL BRASIL. Grandes obras na Amazônia sem corrupção: um direito do brasileiro. 2021. Disponível em: <a href="https://amazoniasemcorrupcao.org.br/">https://amazoniasemcorrupcao.org.br/</a> Acesso em: 08 jan. 2022.
<a href="#_ftnref13" name="_ftn13">[13]</a> BUGGE, Hans Christian. Twelve fundamental challenges in environmental law. In: VOIGT, Christina (Org.). Rule of Law for Nature: New dimensions and ideas in Environmental Law. Cambridge: Cambridge University Press, 2013, p. 5, tradução livre.

desmatamento meio ambiente

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JOTA

Brasil ainda não tem uma política ou previsão legal específica de regulação estrutural acerca do tema

Regulação ambiental precisa prevenir e combater corrupção e fraude

Brasil ainda não tem política ou previsão legal específica de regulação ambiental para prevenir e combater práticas de corrupção e fraudes