Douglas Estevam

O novo Marco Legal do Saneamento Básico, no ímpeto de induzir o desenvolvimento da infraestrutura no país, apostou na regionalização dos serviços públicos como meio de viabilizar técnica, econômica e financeiramente tais atividades, à vista do ganho de escala e da garantia de universalização.
Para esse propósito, lançou mão das unidades territoriais urbanas consagradas no julgamento da ADI 1.842/RJ e no Estatuto da Metrópole – regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> – assim como criou novas instituições para essa finalidade: unidades regionais de saneamento básico e blocos de referência<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
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Porém, ao lado dessas formas de prestação regionalizada, a lei também previu a gestão associada dos serviços públicos de saneamento básico, caracterizada pela associação voluntária entre os municípios interessados.
No caso dos consórcios públicos criados para esse fim, seu objetivo passa a ser exclusivamente o financiamento da implantação de medidas estruturais de abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana, manejo de resíduos sólidos, drenagem ou manejo de águas pluviais.
Assim, o novo Marco Legal do Saneamento Básico não só delimitou o escopo dos consórcios públicos, como também ab-rogou parcialmente o regime jurídico da Lei 11.107/2005, vedando a participação do estado ou da União na associação pública, cuja formalização agora só poderá admitir os municípios.
Em se tratando de consórcio público para saneamento básico, o novo art. 8.º, §1.º, I, da Lei n.º 11.445/2007, obriga a criação de uma autarquia intermunicipal para a prestação dos serviços, tendo a personalidade jurídica de direito público e integrando a administração indireta de todos os entes consorciados.
Ora valendo-se de sua novidade e de sua especialidade, o novo Marco suspendeu a eficácia de alguns dispositivos da Lei de Consórcios Públicos, quando não, expressamente, os revogou. Por isso, os consórcios agora só poderão adquirir a personalidade jurídica de direito público, restando proibida a criação de pessoas jurídicas de direito privado – sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação – no âmbito da gestão associada dos serviços de saneamento básico.
Enquanto as regiões metropolitanas, as aglomerações urbanas e as microrregiões necessitam apenas de lei complementar estadual para a vinculação compulsória dos municípios, os consórcios públicos submetem-se à subscrição de um protocolo de intenções por cada um dos prefeitos – que poderão não subscrevê-lo dentro de sua discricionariedade administrativa – e sua posterior ratificação em cada uma das Câmaras Municipais – que também poderão rejeitá-lo, dentro de seu poder legislativo para autorizar ou não sua celebração.
Mesmo que superados os custos de transação para a celebração do contrato de consórcio público por cada município, assim como o tempo despendido no devido processo legal, ainda é possível a reserva ao protocolo de intenção, se a lei municipal que o ratificar assim dispuser. Nesse caso, os demais entes subscritores deverão aceitá-la ou não, cuja admissão implicará o consorciamento parcial ou condicional.
De um modo ou de outro, é importante consignar que tal situação jurídica não ocorre na instituição de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas ou microrregiões. A competência procedimental para organizar e instituir a unidade territorial urbana pertence exclusivamente ao Estado, que a exercerá por meio de sua Assembleia Legislativa, seguida da sanção ou veto do governador. E, dentro desse processo legal, não cabe aos municípios opor reservas à respectiva lei.
Ainda assim, como o consórcio público é formado pela associação voluntária dos entes consorciados, alguns destes ainda poderão exercer o direito de retirada, o que, em última análise, frustraria o propósito da própria associação pública. Já nas unidades territoriais urbanas, por outro lado, a associação é compulsória e, portanto, impassível de fragmentação pela vontade política de qualquer prefeito.
Mesmo diante da possibilidade de constituição do consórcio público, a opção pela regionalização dos serviços mediante unidade territorial urbana mostra-se inelutavelmente mais prática, permanente e segura. Sem desmerecer o associativismo municipal, a verdade é que o direito brasileiro ainda não concebeu mecanismo interfederativo tão hígido e eficiente quanto as regiões metropolitanas, as aglomerações urbanas e as microrregiões.
Talvez o exemplo mais eloquente seja a concessão dos serviços de distribuição de água e coleta de esgoto na região metropolitana do Rio de Janeiro<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, cujo leilão em abril arrematou mais de vinte e dois bilhões de reais a título de outorga fixa mais ágio. Dentro de um modelo de gestão associada entre o titular dos serviços – o órgão colegiado da governança metropolitana – e o estado do Rio de Janeiro, ora delegatário das funções de organização e promoção da licitação, haverá ainda outro leilão para a concessão do bloco remanescente.
Ao fim e ao cabo, quer-se dizer que a prestação dos serviços públicos de saneamento básico, dados o custo e a complexidade envolvidos, exige segurança jurídica e economia processual na tomada de decisões, sob pena de inviabilizar a pretensa concessão regional. Somente as unidades territoriais urbanas satisfazem integralmente esses requisitos.
Por outro lado, a inserção de novas figuras de prestação regionalizada – unidades regionais de saneamento básico e blocos de referência – não tutela, com segurança, as situações jurídicas que delas poderão advir, considerando a ausência de doutrina e jurisprudência sobre o tema. Não só, o novo marco é extremamente lacônico em seus detalhes legais, o que dificulta sua destra aplicação.
Longe de qualquer elucubração, as regiões metropolitanas, as aglomerações urbanas e as microrregiões já são uma sólida realidade da experiência administrativa brasileira, sagrando-se como verdadeiro vetor de aglutinação dos interesses supramunicipais. Sem demérito ou desabono, os consórcios públicos ainda estão muito aquém disso.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> ESTEVAM, Douglas. O regime constitucional das regiões metropolitanas. ConJur, 2021. Disponível em: <a href="https://www.conjur.com.br/2021-out-12/estevam-regime-constitucional-regioes-metropolitanas">https://www.conjur.com.br/2021-out-12/estevam-regime-constitucional-regioes-metropolitanas</a>. Acesso em 16 nov. 2021.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> ESTEVAM, Douglas; SANTORO, Bernardo. Regiões Metropolitanas e o novo Marco do Saneamento in AIETA, Vânia; FROTA, Leandro (Coord.). Marco Regulatório do Saneamento Básico: Lei nº 14.026/2020. Brasília: OAB Editora, 2021. p. 85-102. Disponível em: <a href="https://www.oab.org.br/publicacoes/pesquisa?termoPesquisa=Saneamento#modal-publicacao">https://www.oab.org.br/publicacoes/pesquisa?termoPesquisa=Saneamento#modal-publicacao</a>. Acesso em 16 nov. 2021.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> ESTEVAM, Douglas. ADI 1.842 e as funções públicas de interesse comum: por que o Rio de Janeiro está na vanguarda das regiões metropolitanas? JOTA, 2021. Disponível em: <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/adi-1-842-e-as-funcoes-publicas-de-interesse-comum-26092021">https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/adi-1-842-e-as-funcoes-publicas-de-interesse-comum-26092021</a>. Acesso em 17 nov. 2021.

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