André Luiz Fonseca Fernandes

Andréa Mascitto

Mariana Cardoso Martins

A criação de um sistema multiportas de solução de conflitos tributários no estado de São Paulo deu seus primeiros passos com a edição da Lei Paulista nº 17.293/2.020, recentemente disciplinada pela Resolução da Procuradoria Geral do Estado (PGE) nº 27 (Resolução), publicada em 24 de novembro de 2020 e pela Portaria do subprocurador geral do Contencioso Tributário-Fiscal (SUBGCTF) nº 20, publicada em 5 de dezembro de 2020. Tais atos normativos compõem o regime jurídico da transação de créditos de natureza tributária em território paulista<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
Estes primeiros passos da transação tributária paulista são dignos de elogios, sobretudo porque estão fundados nas importantes premissas da Resolução e nos princípios e finalidades destacados pelos incisos de seu art. 3º. Chama a atenção, entre eles, a preocupação com a excessiva judicialização na área tributária (uma das premissas) e a necessidade de sua redução (inciso I do art. 3º).
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É em razão desta preocupação, por exemplo, que o regime da transação paulista autoriza a concessão de descontos, em percentuais variáveis, em relação a todas as dívidas fiscais transacionáveis (inclusive aquelas consideradas de fácil recuperação pela PGE, classificadas nos chamados ratings A e B, conforme será melhor detalhado adiante)<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Há uma cultura arraigada de litígio na seara tributária, fundada na ideia de que é praticamente impossível buscar algum grau de consenso nas relações jurídico-tributárias<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
Um dos meios de mitigar esta cultura e de buscar consenso é o de fornecer à administração tributária (aí incluída a PGE) instrumentos (como os referidos descontos) que lhe permitam chamar o contribuinte/responsável à negociação, de modo a demonstrar que a transação tributária é uma opção efetiva a ser considerada em lugar da manutenção do conflito.
Isto evidencia que o estabelecimento da consensualidade como forma de resolução de litígios tributários (inciso II da Resolução) é um dos alicerces do regime, acompanhado pela autonomia de vontade e pela boa-fé objetiva que devem estar presentes nas relações entre a administração tributária e contribuintes/responsáveis tributários (inciso X da Resolução), e pelo reconhecimento da importância da atuação do Estado em harmonia com os precedentes judiciais vinculantes (inciso III da Resolução).
O bom desenho deste modelo de transação tem o potencial de impulsionar o gerenciamento eficiente da cobrança da dívida ativa estadual (observados os critérios de recuperabilidade da dívida – inciso VIII da Resolução). Isto, é claro, sem descuidar da publicidade que deve ser dada às transações celebradas (ressalvada a divulgação de informações protegidas por sigilo fiscal – inciso XI da Resolução)<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
Há, porém, alguns pontos a serem aperfeiçoados no regime paulista de transação tributária. Este é o início de uma série de artigos que vai identificar estes pontos e propor a sua modificação, sempre com o objetivo de apresentar subsídios que possam auxiliar no desenvolvimento deste método autocompositivo de solução de controvérsias no Estado.
O primeiro destes pontos diz respeito ao direito do contribuinte/responsável de receber informações da administração tributária. Como se vê no art. 46 da Lei, celebrada a transação tributária por adesão a edital publicado pela PGE ou por meio de proposta individual desta ou do devedor/responsável tributário, o respectivo termo poderá abranger transigências como anistia, diferimento, parcelamento, moratória e substituição/alienação de garantias ou constrições.
Tais transigências estão vinculadas, conforme dispõe, entre outros, o art. 54, incisos IV e V da Lei, ao “grau de recuperabilidade das dívidas objeto da transação, que levará em conta as garantias dos débitos ajuizados, depósitos judiciais existentes, a possibilidade de êxito da Fazenda na demanda, a idade da dívida, a capacidade de solvência do devedor e seu histórico de pagamentos e os custos da cobrança judicial”.
A recuperabilidade da dívida é, por sua vez, classificada em quatro categorias (art. 54, §4º da Lei – “A” a “D”), chamadas de ratings pela Resolução e pela Portaria.
O §3º do art. 54 da Lei acrescenta que as informações sobre a recuperabilidade da dívida são sigilosas, podendo ser divulgadas, exclusivamente, ao devedor ou seu representante.
<blockquote class="jota-article__eye">A vinculação entre as transigências e o grau de recuperabilidade das dívidas transacionadas (e respectivos ratings) foi especificada pela Resolução e pela Portaria.</blockquote>
Entretanto, o art. 6º, §6º da Resolução dispõe que, em qualquer modalidade de transação, o devedor somente terá conhecimento do rating da dívida após o oferecimento de proposta individual ou adesão a edital<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>.
A Resolução acabou por criar uma restrição que não tem amparo na Lei.  Se, como diz corretamente a Lei (§3º do art. 54), as informações sobre a recuperabilidade da dívida podem ser divulgadas, exclusivamente, ao devedor ou seu representante – sem que tenha sido criada qualquer limitação temporal quanto ao momento da divulgação destas informações aos titulares do direito de recebê-las – não caberia à Resolução fazê-lo.
Esta interpretação está em consonância com o art. 5º, inciso XXXIII da CF/88, segundo o qual “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”. A mencionada norma constitucional é concretizada pela Lei nº 12.527/2.011 (Lei de Acesso à Informação).
No estado de São Paulo, o tema é regulado pela Lei Paulista nº 10.177/1.998, aplicável ao regime paulista de transação por expressa disposição legal (art. 56 da Lei Paulista nº 17.293/2.020), e pelo Decreto nº 58.052/2.012. De acordo com o art. 77 da Lei Paulista nº 10.177/1.998: “Toda pessoa terá direito de acesso aos registros nominais que a seu respeito constem em qualquer espécie de fichário ou registro, informatizado ou não, dos órgãos ou entidades da Administração, inclusive policiais.”
O art. 4º, inciso III do Decreto nº 58.052/2.012 determina, por sua vez, que é dever dos órgãos e entidades da Administração Pública Estadual “proteger os documentos, dados e informações sigilosas e pessoais, por meio de critérios técnicos e objetivos, o menos restritivo possível.”
Restringir, o menos possível, o direito do devedor ou seu representante de ter conhecimento do rating da dívida transacionável implica permitir o acesso a tal rating a qualquer tempo, e não apenas após o oferecimento de proposta individual ou adesão a edital de transação, como quer o art. 6º, §6º da Resolução.
É recomendável, portanto, alterar o citado dispositivo da Resolução, permitindo ao devedor ou seu representante ter conhecimento, a qualquer tempo, do rating de sua dívida. Com isto, não apenas o devedor estará em melhores condições de tomar uma decisão mais rápida – e devidamente embasada – sobre a celebração da transação, como também a possibilidade de substituir o litígio pela consensualidade se tornará mais efetiva.
Como dito acima, este é o primeiro ponto para o qual chamamos atenção, sendo certo que endereçaremos nos próximos artigos questões como os critérios para definição dos ratings das dívidas, precedentes vinculantes observados pelas partes quando da formalização da transação, diferenciação das condições de transação às pessoas físicas e jurídicas, e também a previsão de ação de indenização inserida na regra de transação estadual.
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O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça:
https://youtu.be/-hMj5lwWXEE
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> O regime também abrange a transação de créditos de natureza não tributária, que não é objeto deste artigo.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Cf. art. 46, caput e §4º da Lei e art. 13 da Resolução.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> PAULA, Débora Giotti de. Desafios Culturais na Implantação dos Meios Alternativos de Solução de Conflitos no Âmbito Tributário. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2.020. pp. 117/118.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Para concretizar estes princípios e finalidades, foi salutar a exclusão, do art. 48 do Projeto de Lei nº 529/2.020 (que está na origem da Lei), da “taxa de processamento de transação”, tributo de constitucionalidade duvidosa, com alíquota de 0,1% a 2% e base de cálculo equivalente ao valor líquido dos débitos transacionados. A referida “taxa” seria um desestímulo à transação paulista e um obstáculo ao estabelecimento de uma cultura de diálogo e de cooperação entre administração tributária e sujeito passivo da obrigação tributária. Infelizmente, porém, os processos administrativos não foram incluídos na seara da transação tributária paulista. Cf. FERNANDES, André Luiz Fonseca e MARTINS, Mariana Cardoso. Transação Tributária no Estado de São Paulo? Disponível em: &lt;<a href="about:blank">https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/transacao-tributaria-no-estado-de-sao-paulo-24092020</a>&gt;. Acesso em: 9 de dezembro de 2020.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> O art. 6º, parágrafo único da Portaria complementa tal disciplina ao determinar, quanto ao rating-base da dívida, que ele será “atribuído e comunicado ao proponente em até 15 (quinze) dias contados da proposta de transação individual ou constará da proposta de transação feita pela Procuradoria Geral do Estado, individual ou por adesão.”

sao paulo

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JOTA

Criação de sistema multiportas de solução de conflitos tributários em São Paulo deu seus primeiros passos

Regime paulista de transação tributária

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