Douglas Estevam

Jonathan de Mello Rodrigues Mariano

A Região Metropolitana do Rio de Janeiro existe há bastante tempo no Estado fluminense, sendo certo que, atualmente, está regulada na Lei Complementar Estadual (LCERJ) nº 184, de 27 de dezembro de 2018. De acordo com o art. 9º dessa LCERJ, a governança da Região Metropolitana está a cargo do Conselho Deliberativo, do Órgão Executivo (atualmente, autarquia denominada Instituto Rio Metrópole – IRM) e do Conselho Consultivo.
Cabe ao Conselho Deliberativo, na forma do art. 11, inc. VII, da mesma LCERJ, decidir sobre a modelagem de prestação dos serviços metropolitanos. Assim, em razão de os serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário serem qualificados como metropolitanos (art. 3º, inc. II, da aludida LCERJ), o Conselho Deliberativo da Região Metropolitana do Rio de Janeiro editou a Resolução CDRMRJ nº 8, de 28 de dezembro de 2020. 
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>No art. 2º dessa deliberação normativa, fixou-se a delegação ao Estado do Rio de Janeiro das funções de organização e promoção da licitação, assim como de organização e de gerenciamento da prestação regionalizada de tais atividades públicas. Além disso, previu-se que o serviço seria executado por contrato de concessão, cujo prazo máximo de duração seria de 35 (trinta e cinco) anos.
Em razão da delegação, no dia 28 de dezembro de 2020, o Governo do Estado do Rio de Janeiro publicou o Decreto nº 47.422/2020, dispondo, dentre outras previsões, que o prazo máximo da concessão, após regular processo licitatório na modalidade concorrência internacional<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, seria de 35 (trinta e cinco) anos, como disposto na Resolução CDRMRJ nº 8/2020.
Alguns parlamentares estaduais, entretanto, dentro do seu legítimo e válido dever de fiscalização dos atos do Poder Executivo Estadual, entenderam que o Decreto nº 47.422/2020, seria inconstitucional, por ir além do poder regulamentar do Chefe do Executivo, já que violou o parâmetro máximo legal de 25 (vinte e cinco) anos de duração dos contratos de concessão de serviço público estadual, na forma do art. 4º, da Lei Estadual nº 2.831, de 13 de novembro de 1997. Por essa razão, valeram-se do instrumento da Representação de Inconstitucionalidade (RI) para provocar a atuação do egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), tombada sob o nº 0001674-76.2021.8.19.0000.
No dia 15 de abril de 2021, o TJRJ deferiu, em decisão monocrática ad referendum do Órgão Especial, medida cautelar apenas para adequar o art. 3º do Decreto nº 47.422/2020 ao prazo máximo de concessão – previsto no art. 4.º da Lei Estadual nº 2.831/1997 –, sem, porém, suspendê-lo.
O objeto dessas breves reflexões tem por escopo a análise criteriosa sobre o acerto ou o desacerto da decisão judicial em questão, sem entrar em questões formais acerca do não conhecimento da RI. Para tanto, rememorar-se-á a posição do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a Região Metropolitana, criada na forma do art. 25, §3º, da CRFB/1988. O ponto final, a partir disso, será responder se, de fato, os serviços metropolitanos estão sujeitos à legislação estadual sobre serviços públicos de titularidade do Estado-membro, como preconiza na Lei Estadual nº 2.831/1997.
A discussão sobre Região Metropolitana e seus impactos, é verdade, esteve sempre presente no seio da doutrina<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>. Porém, somente há pouco tempo foi enfrentada pelo STF, no julgamento conjunto das ADIs 1.842/RJ, 1.826/RJ, 1.843/RJ e 1.906/RJ, ajuizadas, respectivamente, pelos Partido Democrático Trabalhista (PDT), Partido dos Trabalhadores (PT), Partido da Frente Liberal (PFL) e Partido Popular Socialista (PPS), contra a LCERJ nº 87/1997 (que dispunha sobre a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, atualmente regulada pela LCERJ nº 184/2018).
<blockquote class="jota-article__eye">O STF entendeu que algumas funções públicas – como a de saneamento básico, serviço público específico analisado àquela ocasião – extrapolariam o interesse local municipal, mas não chegariam a ser de interesse regional – isto é, de titularidade do Estado-membro.</blockquote>
Aduziu a Suprema Corte que, em razão do fenômeno da conurbação, seria necessário o agrupamento de Municípios para a boa execução de funções públicas de interesse comum. Em razão disso, o Estado-membro correspondente poderia, por meio de lei complementar, instituir e vincular compulsoriamente a participação de municípios limítrofes (ADI 1.841/RJ, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 20.9.2002; e, ADI 796/ES, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ 17.12.1999), com o objetivo de executar e planejar, de forma eficiente, os serviços metropolitanos, na forma do art. 25, §3º, da CRFB/1988.
Isso, porém, como dito, não tornaria os serviços metropolitanos de titularidade do Estado-membro. A função pública seria, em realidade, gerida pelo Conselho Deliberativo, composto pelo Estado-membro e os Municípios integrantes da Região Metropolitana, e executada por órgão específico.
O STF ainda apontou que o detalhamento e a regulação dos serviços metropolitanos deveriam ficar a cargo da ampla liberdade de conformação do Poder Legislativo Estadual no ato de criação da Região Metropolitana, como se percebe do voto do Ministro Teori Zavascki.
O protagonista, portanto, na regulação jurídica do serviço público metropolitano não seria o Estado-membro, nem mesmo os Municípios integrantes da Região Metropolitana, mas sim o respectivo Conselho Deliberativo.
Com base nisso, chega-se ao ponto central dessas reflexões: os serviços metropolitanos estão sujeitos à legislação estadual sobre serviço público do Estado-membro interessado?
A resposta parece ser clara no sentido de que caberá ao Conselho Deliberativo assim o decidir, porque não se afigura possível impor automaticamente norma estadual para regular os serviços metropolitanos.
Quando se trata de Região Metropolitana, mostra-se contrário ao art. 25, §3º, da CRFB/1988, vincular, direta e imediatamente, a função pública de interesse comum à legislação estadual. Entender de maneira distinta seria compreender que o serviço metropolitano é de titularidade do Estado-membro, quando, pela posição do STF, as funções públicas de interesse comum não são de interesse local e/ou regional, mas sim de interesse metropolitano (fora, portanto, da regulação jurídica estadual ou municipal).
Por essa razão, interpretação como a adotada na decisão monocrática de concessão de medida cautelar, proferida pelo Egrégio TJRJ, parece, com todo o respeito que merece a Corte fluminense, não se coadunar com o próprio espírito de instituição da Região Metropolitana, a qual deve ser tratada como instituição distinta do Estado-membro criador e dos Municípios que a compõem.
Apontar que o Chefe do Executivo, ao editar o Decreto nº 47.422/2020, exorbitou o poder regulamentar – e, com isso, incorreu em inconstitucionalidade –, por ir além da previsão legal do prazo máximo de duração de contrato de concessão de serviço público estadual (art. 4º da Lei Estadual nº 2.831/1997), é se esquecer de que o mencionado Decreto se apoiou estritamente no modelo estabelecido na Resolução CDRMRJ nº 8/2020.
Sobre isso, é bom frisar que as deliberações do Conselho Deliberativo devem ser reputadas como atos normativos primários decorrentes de poder normativo administrativo – e, não regulamentar –, porquanto, na forma do art. 11, inc. VII, da LCERJ nº 184, de 2018, o órgão colegiado interfederativo tem ampla discricionariedade para decidir sobre a forma de prestação dos serviços, sua delegação e modelagem, o que inclui, por óbvio, o prazo máximo de duração de eventual concessão de serviço público. Ou seja, o poder normativo tem arrimo no quadro legislativo desenhado, corretamente, pela própria Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.
Atente-se que, mesmo que o Conselho Deliberativo tenha delegado ao Estado do Rio de Janeiro as funções afetas à licitação, à organização e ao gerenciamento da prestação regionalizada dos serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário, o ato de delegação não implica a atribuição da titularidade do serviço ao Estado-membro. Ao contrário, o serviço permanecerá sendo de titularidade da Região Metropolitana e, por isso, sujeito à regulação do Conselho Deliberativo da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
Diante do raciocínio exposto, conclui-se que o Conselho Deliberativo da Região Metropolitana do Rio de Janeiro tem o poder de fixar as normas jurídicas aplicáveis a serviços públicos metropolitanos – inclusive os de abastecimento de água e de esgotamento sanitário –, a fim de, como o fez na Resolução CDRMRJ nº 8/2020, melhor atender o equilíbrio econômico-financeiro do futuro contrato de concessão, permitindo o interesse de investimento do capital privado, em razão da projeção da taxa interna de retorno (TIR) do serviço público concedido.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a>O edital e os demais documentos da licitação estão disponíveis em: &lt;http://www.concessaosaneamento.rj.gov.br/documentos.php&gt;. Acesso em 20 abr. 2021.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> HORTA, Raul Machado. Direito constitucional brasileiro e regiões metropolitanas. Revista de Informação Legislativa, v. 12, n. 46, p. 33-42, abr./jun. 1975. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/182005. Acesso em 20 abr. 2021. E, ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões: Novas Dimensões Constitucionais da Organização do Estado Brasileiro. Disponível em: http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/revistaspge/revista/tes1.htm. Acesso em 20 abr. 2021.

rio de janeiro

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JOTA

O caso da concessão dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário da região metropolitana do RJ

A Região Metropolitana está sujeita compulsoriamente à legislação estadual?

O caso da concessão dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário da Região Metropolitana do Rio de Janeiro