Marcos Ferrari

Inegáveis os importantes avanços nos últimos anos em reformas relevantes para o Brasil. Algumas delas estruturantes, como as reformas trabalhista e da Previdência. Outras com grande impacto setorial, casos dos novos marcos regulatórios de telecomunicações e do saneamento. A lista segue com o novo arcabouço do mercado financeiro, com sua lei de debêntures e alienação fiduciária e por fim com as mudanças nos programas sociais, incluindo os repaginados Fies e Bolsa Família. De tempos em tempos, reformas são necessárias para adequar o ambiente legal, normativo e regulatório aos avanços tecnológicos, econômicos e sociais de sua época.
Por outro lado, o Brasil patina em medidas fundamentais para o desenvolvimento econômico e social. Dois grandes exemplos são as reformas fiscal e tributária, que não percebem avanços significativos há décadas. É mandatório também colocar na mesa uma importante reformulação estruturante que há anos está dispersa, sem foco e perdida: o arcabouço facilitador de uma transformação digital geral e irrestrita da economia e da sociedade brasileira. É preciso fazer o alerta e agir agora, senão o país caminhará para um processo de digitalização tardia, com efeitos exponencialmente mais graves do que os ocorridos no século passado no setor industrial.
Neste momento, assiste-se novamente o arrastado debate sobre o novo arcabouço fiscal. A regra número um é respeitar as regras. Escrevi sobre regras fiscais no final do ano passado em dois artigos (<a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/estabilidade-fiscal-exige-regras-criveis-18112022">"Estabilidade fiscal exige regras críveis"</a> e <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-natureza-das-regras-inclusive-regras-fiscais-23122022">"A natureza das regras, inclusive fiscais"</a>) e não vou me debruçar sobre o assunto aqui. O debate é importante, evidentemente, pois a nova regra irá ancorar as expetativas dos agentes econômicos para os próximos anos.
O problema em si não está na nova regra (teremos alguma, sim, com certeza), mas no tempo despendido com esse tema sem uma solução objetiva. Quanto mais tempo empacado somente nas questões fiscais, mais o Brasil se distancia dos demais países em termos de avanço econômico, tecnológico e social. A armadilha é que a concentração no tema fiscal paralisa qualquer avanço significativo na economia. Não à toa <a href="https://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.MKTP.KD.ZG">crescemos em média 0,37% nos últimos dez anos</a>, enquanto o mundo cresceu 2,65% nesse período.
Vale resgatar mais uma vez o debate sobre a reforma tributária. De todas as reformas que estão na mesa de discussão, essa talvez seja a mais importante. Do mesmo modo, é a mais desafiadora. Isso porque tem a capacidade de desequilibrar o sistema vigente de pesos e contrapesos. O mesmo ocorre com os incentivos e interesses dos setores econômicos, União, estados e municípios. Leva-se anos até alcançar um novo equilíbrio.
Estimativas do governo mostram os impactos positivos ao longo do tempo desta reforma na economia com a criação do IVA, que poderá gerar um crescimento adicional no PIB entre 12% a 20% em 15 anos. Defendemos uma reforma que desonere o setor de telecomunicações para que a tributação seja equivalente à média dos países que mais acessam banda larga no mundo. Quando mais tempo for perdido no processo da reforma tributária, mais difícil será fazê-la. E sem dúvida, mais distante o Brasil fica dos demais países em termos de produtividade, competividade e renda.
Então, chega-se à reforma da transformação digital, que igualmente deveria ser tratada com urgência e prioridade. Países que há 30, 40 anos apostaram no conhecimento e na inovação com fonte para alavancar o crescimento econômico, hoje dominam a economia digital, liderando as áreas de big data, inteligência artificial, data science, IoT, cybe segurança, web 3.0 e manufatura 4.0. Áreas e competência que ditarão o rumo das nações daqui para a frente e se constituirão como o fiel da balança entre aquelas que prosperarão, ficarão estagnadas e as que regredirão.
A transformação digital não pode ser tratada como política isolada de um ministério, de uma agência ou de um banco de desenvolvimento. Se assim for, haverá brilharecos esparsos em um setor ou outro, sem efeitos encadeados para o resto da economia. Nada suficiente para prosperar com robustez. A transformação digital deve ser tratada como uma política central de Estado, atemporal, perpassando todas as áreas e incentivando todos os setores.
Nesse sentido, ela deve ser catalisadora de todas as demais políticas. Isso vale para as políticas educacional, de crédito, de financiamento industrial, agrícola, de segurança pública, de inclusão social. Todas devem estar encadeadas, cada uma com suas peculiaridades, para alcançar um objetivo maior de transformar a nação para entrar na era da economia digital o mais rápido possível.
O cenário hoje é muito preocupante. Foi dado o início das operações da tecnologia móvel de quinta geração, mas apenas 21% dos brasileiros possuem habilidade básicas na área de tecnologia de informação, e somente 3% possuem habilidades avançadas, conforme dados da UIT. Na área empresarial, a sensação é de que os setores ainda não perceberam o valor do 5G nas cadeias produtivas ou ainda não tem recursos disponíveis para investir nessa transição tecnológica.
O risco da digitalização tardia é iminente e quanto mais o Brasil ficar dando voltas nos mesmos problemas sem solução objetiva e duradoura, maior será o gap da fronteira digital global. Conforme frase atribuída ao economista britânico John M. Keynes: no longo prazo estaremos todos mortos. Que comecemos a trabalhar agora na digitalização para não comprometer o desenvolvimento das gerações futuras.

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JOTA

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