Frederico Araújo Seabra de Moura

Tramita perante a Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda à Constituição nº 45, de 2019, visando à “alteração do Sistema Tributário Nacional”, de autoria do Deputado Baleia Rossi.
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Ao longo do texto apresentado, bem como em sua justificativa, nota-se que a intenção central da reforma é eliminar cinco tributos (IPI, ICMS, ISS, PIS e COFINS), substituindo-os pelo assim chamado Imposto sobre Bens e Serviços - IBS, na intenção de trazer ao Brasil um imposto com as características do IVA (Imposto sobre Valor Adicionado), modelo adotado em mais de 160 países.
O texto tomou por base a proposta de reforma tributária do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF) e merece os encômios da sociedade brasileira, em virtude dos aspectos jurídicos, econômicos e financeiros que lhe subjazem.
Tratando-se de uma proposta de reforma tributária, há uma enorme gama de elementos – de matizes diversos – a reclamar comentários e estudos mais detidos. O escopo deste trabalho, todavia, é específico: analisar a necessidade (ou não) de a instituição do IBS ter sido prevista por meio de uma lei complementar.
No texto apresentado, foi inserido o art. 152-A ao texto da Constituição da República, afetando à lei complementar o papel de instituir o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Eis a íntegra do dispositivo:
Art. 152-A. Lei complementar instituirá imposto sobre bens e serviços, que será uniforme em todo território nacional, cabendo à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exercer sua competência exclusivamente por meio da alteração de suas alíquotas.
Como se vê, demais de cometer à lei complementar a função de criar o tributo – e, assim, instituir sua regra-matriz de incidência, o enunciado ainda se preocupou em predeterminar que o novo imposto haverá de ser uniforme em todo território nacional, sendo lícito aos entes tributantes exercerem suas competências tributárias tão-somente por meio da alteração das alíquotas.
Ainda quanto às alíquotas, a PEC estabelece que o IBS terá alíquota uniforme para todos os bens, serviços e direitos, podendo, contudo, variar entre Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 152-A, § 1º, VI).
O parágrafo segundo do art. 152-A detalha o regime das alíquotas, prescrevendo que a alíquota “total” será composta pela soma das alíquotas fixadas pela União, pelos Estados, Distrito Federal e pelos Municípios, que o farão por meio de sua legislação ordinária (“lei do respectivo ente”, conforme explicitado no inciso I). Inexistindo disposição específica na legislação dos entes, deverá ser usada a chamada “alíquota de referência”, na forma estatuída pelo art. 119 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).
Após determinar que o IBS incidirá também sobre os intangíveis, a cessão e o licenciamento de direitos, a locação e as importações de bens, tangíveis e intangíveis, serviços e direitos<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, o art. 152-A, § 1º, II da proposta reitera que o IBS “será regulado exclusivamente pela lei complementar referida no caput deste artigo”.
Eis aí o tema central de nossa breve investigação: considerando as funções da lei complementar no ordenamento brasileiro, conforme previsto originalmente pela Constituição da República, teria andado bem a Proposta de Emenda à Constituição neste particular?
Já tivemos a oportunidade de analisar a fundo as características da lei complementar no direito tributário brasileiro<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> e, àquela ocasião, apontamos que a mais relevante dentre as funções atribuídas à referida espécie normativa é a de veicular normas gerais em matéria tributária (art. 146, III, da CF), que ostentariam, em síntese, dupla função:
<ul>
<li>1. função primária, harmonizando o sistema tributário brasileiro, o que fariam, por exemplo, por meio:</li>
</ul>
i.1) da “definição” dos tributos, com a delimitação, pela legislação nacional, de fatos geradores, bases de cálculos e contribuintes (art. 146, III, “a”, da CF), como o fizeram as Leis Complementares n. 87/96 (ICMS) e 116/03 (ISS);
i.2) da criação de regras de padronização de determinadas matérias (obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência), como o fez o Código Tributário Nacional, conforme a previsão do art. 146, III, “b”, da CF/88.
<ul>
<li>2. função secundária, no sentido de:</li>
</ul>
ii.1) dispor sobre conflitos de competência, o que normalmente sucede como consequência da positivação de alguma regra uniformizadora, como, por exemplo, a precisa delimitação – via lei complementar de normas gerais –, dos campos de incidência de determinados tributos, como sucedeu com o ICMS e o ISS, após a finalização de suas regulamentações por meio das LCs 87/96 e 116/03.
ii.2) regular limitações constitucionais ao poder de tributar, como, por exemplo, quando o CTN tratou das regras de imunidade tributária (observe-se, no ponto, que o fez via norma geral, por trata-se de regras direcionadas a todos os entes federados).
Como se percebe, em todos esses casos a União finda por atuar não na qualidade de “ordem parcial”, de onde emanam normas de conteúdo federal, mas na função de “ordem total”, ocasiões em que a legislação por si publicada tem nítida feição nacional, por influenciar a esfera jurídica e todos os entes federados.
Ocorre que, da análise da integralidade do texto constitucional, vê-se que à lei complementar não são afetadas apenas aquelas funções referidas no art. 146 da CF/88, de modo que, em certas oportunidades, o atuar da União assume foros estritamente federais.
Com efeito, além das atribuições previstas no art. 146 da Lei Maior, nota-se a presença da figura da lei complementar em diversos outros contextos constitucionais, como por exemplo: i) a instituição de empréstimos compulsórios (art. 148) e do Imposto sobre Grandes Fortunas (art. 153, VII), veiculando as  regra-matrizes daqueles tributos; ii) a criação dos “impostos residuais”, previstos no art. 154, I do texto constitucional; iii) instituição de outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, como prevê o art. 195, § 4º da Constituição; iv) a criação de normas gerais para o ITCMD (art. 155, § 1º, II), para o ICMS (art. 155, § 2º, XII), para o ISS (art. 156, III e art. 156, § 3º, I a III).
Daí já se poder sacar uma conclusão preliminar que, conquanto seja da mais clara evidência e obviedade, há de ser enunciada: não existem óbices jurídicos à criação do IBS por meio da lei complementar.
Isto porque não apenas inexiste vedação expressa ou sequer implícita para a criação de qualquer tributo por meio de lei complementar, como a experiência constitucional é rica em exemplos nessa linha.
Todavia, o que nos interessa neste breve estudo é aprofundar a questão sob outro viés: demais de possível, seria juridicamente necessária a instituição do IBS por meio de lei complementar?
A reposta nos parece ser inquestionavelmente positiva.
Faz-se tal afirmação porque, como se pode facilmente perceber do breve relato acerca de alguns dos principais termos da PEC, o novo IBS — acaso efetivamente positivado tal qual concebido na proposta, terá inegáveis feições nacionais.
Dizendo respeito simultaneamente à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, e assim tocando diretamente à esfera jurídica de todos os entes federados, o raciocínio é até mesmo intuitivo: não se trata de um tributo “meramente” federal.
Ao contrário, tratar-se-á, a bem da verdade, do primeiro tributo de índole marcadamente nacional na história constitucional brasileira, o que por si só é um registro digno de nota.
E, tendo essa feição, o direito constitucional brasileiro não prevê outro veículo normativo que melhor se adapte às suas características, dado que a lei complementar é o instrumento, por excelência, para veiculação normativa de regras de caráter nacional.
É o que se passa, por exemplo, com as normas gerais de direito tributário, sejam aquelas voltadas a determinados tributos (ICMS ou ISS), sejam aquelas tratadas na parte geral do CTN (regras sobre obrigação, crédito, decadência ou prescrição, por exemplo).
Diversamente do que se passa com as leis complementares do ICMS e do ISS, que, como se sabe, não instituem as regras-matrizes daqueles tributos (labor esse cometido às legislações ordinárias estaduais e municipais, respectivamente), mas apenas lhe outorgam balizas gerais, no IBS ter-se-á um fenômeno jurídico distinto: a veiculação da própria regra-matriz de incidência de um imposto, por lei complementar.
E tal o será não por um mero querer ou capricho do legislador constitucional dissociado de uma explicação ou demanda técnica rigorosa, como sucedeu com os empréstimos compulsórios ou com o imposto sobre grandes fortunas (que, a rigor, tiveram suas criações condicionadas à veiculação por lei complementar por questões mais políticas e menos jurídico-estruturais): a estrutura mesma do IBS, seu alcance e íntima relação com todos os entes federados, a rigor, reclamam sua edição por meio de lei complementar.
Uma simples lei ordinária editada pela União, veículo típico das legislações estritamente federais, certamente teria sua constitucionalidade questionada, acaso tratasse de um tributo da envergadura, centralidade e nacionalidade tal qual será o IBS.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Art. 152-A, § 1º, I.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> SEABRA DE MOURA, Frederico Araújo. Lei Complementar Tributária. São Paulo: Quartier Latin, 2009.

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JOTA

Além de possível, seria juridicamente necessária a instituição do IBS por meio de lei complementar?

A reforma tributária e o papel da lei complementar na instituição do IBS

Além de possível, seria juridicamente necessária a instituição do IBS, previsto na PEC 45/2019, por meio de lei complementar?