Roberto Duque Estrada

There are two kinds of fools. 
The first says, “This old and therefore good”. 
And the second one says, “This is new and therefore better”.
O anúncio da votação relâmpago na Câmara dos Deputados da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/reforma-tributaria">reforma tributária</a> do consumo torna indispensável que as entidades representativas da sociedade civil e do empresariado de todos os setores da economia atuem para exigir modificações no relatório do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).
<ul class="jota-article__internal-links">
<li>+JOTA: <a href="https://www.jota.info/legislativo/camara-ao-vivo-votacao-da-reforma-tributaria-sessao-do-dia-6-7-2023-06072023">Acompanhe ao vivo à votação da reforma tributária na Câmara dos Deputados</a></li>
</ul>
Com efeito, havendo inegável consenso na sociedade quanto ao esgotamento do modelo atual de tributação do consumo, e diante dos propalados benefícios da <a href="https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2196833">PEC 45</a>, que anuncia assegurar um verdadeiro e infalível imposto sobre valor agregado (IVA) – seccionado em IBS e CBS –, plenamente não cumulativo, com regras nacionais uniformes, que eliminará os custos e as ineficiências do regime atual, é mais do que certo que os parlamentares, seduzidos pela novidade da panaceia, irão votar pela aprovação da reforma.
Resta aos seus digníssimos representados alertá-los para que não “comprem gato por lebre”. Leiam com atenção o novo texto da Constituição que estão votando, tenham um olhar crítico, compreendam e estejam abertos às demandas das entidades representativas dos segmentos que os elegeram. Só assim será possível evitar a criação de um sistema de tributação do consumo ainda pior que o atualmente existente.
Não há dúvidas que um verdadeiro IVA, com amplo, geral e irrestrito creditamento, e com a garantia da recuperação dos créditos acumulados, seria um alívio e um inegável estímulo para o investimento no Brasil, especialmente na atividade industrial, tão castigada nos últimos anos por uma inclemente carga fiscal.
Sucede, porém, que o texto apresentado para regular o principal e mais relevante princípio – o da <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/podtax/nao-cumulatividade-o-que-pode-mudar-com-a-reforma-tributaria-ouca-o-podtax-13-15032023">não cumulatividade</a> –, que fará do IBS/CBS um verdadeiro tributo sobre o valor agregado, deixa uma avenida aberta para a manutenção de limites ou exceções ao creditamento da aquisição de bens e serviços empregados na atividade produtiva.
Esse é o texto proposto no relatório a respeito da não cumulatividade:
<blockquote class="jota-article__citation">“Art. 156-A. Lei complementar instituirá imposto sobre bens e serviços de competência dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation">
<ul>
<li>1º O imposto previsto no caput atenderá ao seguinte:</li>
</ul>
</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation">VIII – será não cumulativo, compensando-se o imposto devido pelo contribuinte com o montante cobrado sobre todas as operações nas quais seja adquirente de bem, material ou imaterial, ou serviço, excetuadas exclusivamente as consideradas de uso ou consumo pessoal, nos termos da lei complementar, e as hipóteses previstas nesta Constituição;</blockquote>
A leitura atenta do dispositivo revela que a expressão “, excetuadas exclusivamente as consideradas de uso ou consumo pessoal,” posta entre vírgulas, permitirá que o intérprete considere que o complemento adverbial “nos termos de lei complementar” se aplique não apenas à definição do conceito de uso e consumo pessoal – o que já causa alguma preocupação diante da vagueza do termo pessoal –, mas a todas e quaisquer situações que se refiram à compensação do imposto cobrado na operação anterior com o imposto devido pelo contribuinte.
Ou seja, o poder constituinte derivado, que altera o regime de tributação do consumo, por um quórum hiper reforçado do parlamento (3/5), poderá ver seu projeto reformista, vendido como infalível por sábios especialistas, ser descaracterizado pelo quórum mais reduzido de lei complementar (maioria absoluta).
Abrem-se as portas para a manutenção de restrições ao creditamento que hoje existem, como é o caso das aquisições de bens do ativo permanente, como máquinas e equipamentos, e dos de uso e consumo, utilizados na produção industrial, que tornam o ICMS atual um imposto apenas parcialmente não-cumulativo.
O mesmo se diga em relação ao PIS e à Cofins, em que a expressão “utilizados como insumo na prestação de serviços ou na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda”, empregada para definir a abrangência das aquisições suscetíveis de creditamento, foi causadora de intermináveis embates interpretativos nos tribunais, em razão de uma interpretação restritiva das autoridades fiscais na aplicação do conceito de insumo.
Além da inexistência de uma garantia constitucional de não cumulatividade irrestrita, o texto proposto também deu ao legislador complementar carta branca para regular a forma e o prazo da restituição ao contribuinte do saldo credor acumulado. Ou seja, o direito à devolução dos créditos acumulados – um dos pilares básicos de um tributo do tipo IVA – não estará livre da exigência de chancelas e do estabelecimento de prazos alongados, sempre prorrogáveis, em gravíssimo prejuízo ao setor produtivo, que seguirá acumulando créditos irrecuperáveis.
Pior que o regime de recuperação de créditos futuros, é a ameaça de calote institucionalizado do passado. Dá-se à lei complementar delegação ampla e irrestrita para regular o aproveitamento dos saldos acumulados de ICMS atualmente existentes, sem deixar de exigir – aí sim na própria nova constituição – uma homologação prévia pelos estados que, como a experiência revela, nunca virá.
A ampla liberdade que o texto da reforma concede à lei complementar em relação à introdução de amarras e limites ao direito de crédito põe em xeque a tão anunciada consagração constitucional de um novo regime de tributação do consumo plenamente não cumulativo.
Sendo inevitável a mudança, que ela seja feita de forma que torne o novo modelo proposto efetivamente melhor do que o antigo, calando o primeiro tipo de tolos, que rejeita as inovações.
Mas o Congresso Nacional não pode aprovar, apenas por ser nova, uma reforma tão séria e disruptiva, que interfere na vida de todos os cidadãos, que modifica e redefine competências tributárias dos entes da federação, sem se esmerar em entregar o que prometeu – um modelo melhor de tributação do consumo.
Para isso o princípio da não cumulatividade tem que ser consagrado sem restrições, seja no que concerne ao direito de creditamento, seja no que concerne à recuperação dos créditos acumulados.
Caso contrário, os nobres parlamentares – como o segundo tipo de tolos – estarão aceitando o novo como melhor, “comprando gato por lebre”.

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JOTA

Ampla liberdade que o texto concede à lei complementar põe em xeque um novo regime plenamente não cumulativo

Reforma tributária: é preciso que parlamentares não comprem gato por lebre

Ampla liberdade que o texto da reforma tributária concede à lei complementar põe em xeque um novo regime plenamente não cumulativo