Luiz Guilherme Migliora

O <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/STF">STF</a> está a um passo de redefinir a questão da fonte de custeio dos sindicatos, isso após alguns anos de intensa batalha nas negociações coletivas. De um lado, sindicatos querendo descontar valores dos empregados não associados em seu favor com base apenas em aprovações assembleares. De outro, empresas querendo aplicar a regra vigente: desconto só com autorização prévia e individual.  Nesse ponto, a <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/reforma-trabalhista">reforma trabalhista</a> não contribuiu para relações sindicais mais amenas.
A reforma trabalhista de 2017 revogou o imposto sindical obrigatório de um dia de salário por ano no mês de março e definiu que só se pode descontar de empregados não associados aquilo que cada um autorizar individual e previamente. Os sindicatos, prevendo a sua inevitável bancarrota, se revoltaram contra essa norma e furiosamente procuraram uma interpretação mais amigável dos tribunais para relativizar a norma. Enquanto os tribunais trabalhistas Brasil afora estavam aqui e ali adotando posições mais pró-sindicatos autorizando alguma forma de desconto sem autorização individual e prévia, o STF andou rapidamente em sentido contrário e proferiu decisões que pareciam definitivas:  tem que ter autorização anterior e individual dos não associados. O texto da reforma prevalece e não deixa margem a dúvidas.
Com isso, o clima esquentou. Não houve negociação coletiva que não começasse por esse tema. Os sindicatos se posicionaram pelo descumprimento da posição do STF e convidaram os patrões a fazê-lo como condição para toparam prosseguir nas negociações. Não se evoluía em temas relevantes como PLR ou banco de horas sem antes solucionar o suposto impasse criado pelo STF sobre o tema das contribuições. Não é de se estranhar o fato de que a maioria das empresas acabou por se curvar à pressão dos sindicatos, seja porque precisavam negociar o resto das normas coletivas para seguir operando, seja porque não tinham interesse ou energia para uma longa briga com os sindicatos com risco de greve e esgarçamento das relações construídas com cuidado.
Aqueles que se posicionaram pela plena conformidade (compliance) se viram em um infindável cabo de guerra com os sindicatos que desesperadamente tentavam proteger seu custeio e com os profissionais de compliance das próprias empresas que diziam, cheios de razão, que decisão do STF se cumpre e que não poderiam jamais concordar com uma solução caseira e por baixo dos panos para dar algum dinheiro para os sindicatos, seja via desconto ilegal dos empregados, seja via contribuição direta da empresa, essa última com cara de pagamento indevido a uma entidade com poderes paraestatais. 
Criou-se uma confusão dos infernos que não tinha solução fácil: ou era capitular e descumprir a lei e convencer os caras do compliance que não valia a briga ou era entrar em uma batalha campal com o sindicato, contando inclusive com posicionamentos de alguns tribunais trabalhistas das mais importantes regiões do país também contrários ao STF, o que exigiria recursos diretamente ao Supremo para resolver o problema da contribuição, mas não o da negociação que poderia seguir empacada.  
A verdade é que a medida implementada pela reforma é bem intencionada, mas já sabemos que de boas intenções o inferno está cheio. Sim, o que se quer são sindicatos fortes que estimulem os trabalhadores a contribuir com prazer e convicção para o seu fortalecimento. Melhor ainda se houver mais de um sindicato para cada categoria em cada base territorial, de modo que o trabalhador possa escolher. 
Mas a verdade é que não temos nada disso. Nem sindicatos necessariamente fortes, nem mais de um sindicato por localização e categoria, nem trabalhadores dispostos a dar seu dinheiro para esses sindicatos. Logo, a medida implementada pela reforma, meio atabalhoada mesmo que bem intencionada, aparentemente não atendeu a interesse de ninguém.  
Assim, não deveria ser vista com surpresa ou perplexidade a possível e provável mudança de posicionamento do STF. Traz incerteza ou insegurança, sem dúvida, como trouxe a norma mal discutida e mal pensada da reforma ou o posicionamento dos tribunais trabalhistas que se rebelaram contra o entendimento do STF ainda em vigor. O argumento da insegurança é de ocasião, embora sério. Sim, vivemos em insegurança jurídica, mas a possível mudança de posição do STF não é a sua causa.  
É verdade também que a possível nova posição do STF é contrária ao conceito de liberdade sindical. Mas não parece que se pode pensar em liberdade sindical sem uma reforma sindical mais ampla e bem pensada que poderá trazer aí sim a pluralidade de sindicatos e a possibilidade de opção dos trabalhadores. Essa deveria vir antes da instituição de contribuição que dependa de autorização individual e previa e não depois.
O STF está reagindo ao caos que ele mesmo ajudou a criar. Está sendo pragmático e tentando trazer mais paz ao mundo das relações sindicais. Afastar os sindicatos da batalha por sobrevivência própria que se sobrepôs à luta por direito dos trabalhadores (não sem razão) e os redirecionar para as negociações tradicionais e tão essenciais para empresas e trabalhadores. Não é um final bonito para essa novela, mas talvez seja o mais adequado e eficiente enquanto não se debate e aprova no congresso a há muito devida reforma sindical. Nesse meio tempo, os sindicatos seguirão existindo e negociando para atender aos interesses dos trabalhadores e as empresas conseguirão retomar pautas mais produtivas e necessárias com os sindicatos.  
Se por um lado voltaremos a garantir o custeio de sindicatos que não merecem sob o ponto de vista de alguns, não inviabilizaremos sindicatos que têm relevância e mesmo assim estão à míngua por causa das atuais regras sobre contribuições. E nesse meio tempo, poderemos pensar e discutir a reforma sindical que poderia, aí sim, propor soluções mais definitivas e pragmáticas para o tema.

6987960421_662eeb9388_k

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Sim, vivemos em insegurança jurídica, mas a possível mudança de posição do STF não é a causa

Reforma e contrarreforma no custeio das entidades sindicais

Sim, vivemos em insegurança jurídica, mas a possível mudança de posição do STF sobre a reforma sindical não é a causa